domingo, maio 27, 2007

O passado

Gente, eu não venho aqui há anos, por absoluta falta de tempo. E acredito que ninguém mais, além do Leandro, venha aqui ainda. Mas estou lendo um livro de um argentino chamado Alan Pauls e gostaria de compartilhar com alguém. É de longe um dos melhores textos que li nos últimos anos - e, acreditem, eu leio bastante. Vou entrevistar o Pauls amanhã, mas fiquem por enquanto com um trecho de "O passado":



"Anos mais tarde, a apenas setenta e dois dias (exatamente o tempoque Riltse levou para pintar a primeira de suas três extraordinárias Metades de Pierre-Gilles) de completar seus duodécimo aniversário, Rímini e Sofía se separaram. Tinham batido todas as marcas de longevidade conjugal que conheciam. Embora tivessem tido a delicadeza de dá-lo a conhecer de modo paulatino, num processo escalonado - das amizades novas às mais antigas, dos amigos solteiros aos que formavam um casal, da família dele, divorcistas pioneiros, à dela, que acabava de comemorar bodas de prata -, quando o rompimento adquiriu status oficial, no entanto, todo mundo vacilou, como se um tremor abalasse a terra ou um trovão estilhaçasse um silêncio de séculos. Não era possível."

segunda-feira, maio 21, 2007

The last cigarette

I'm gonna save the last cigarette
to my lover
to my sweet honeypie
that sleeps into the dreams
of mermaids and butterflies
and kisses and hugs
and Hank's mad and wonderful
fucks
cause, you already know,
she's my lover and she's
sleeping
anywhere I'm not at
this night.

quinta-feira, abril 26, 2007

An attempt.

I'm so tired, she moaned, kinda softly, really wanna give it up, boy. I guess I can't do it anymore, or, not so well as I used to do and it makes me sad, makes you bored and we don't need this in the end, this mess, this sadness, this end.

We could still try, we deserve it.

YOU deserve it, that's what yer sayin.

No, I mean us as a matter of fact. C'mon, all the time we're into it, all the words and hours and stuff. All the joy. All that jazz, baby.

She laughed. A little, shy, brilliant and genuine smile. Like a butterfly, swinging through my eyes and slipping away so blue. She would always have that smile in the face to me when I had to get home starved and damaged. That genuine smile, the butterfly.

But in didn't put these roundabouts into words. I only smiled back. A little bit devoted for sure, but trying to find a way to some unknown road into her heart. I only smiled back.

And that was all. Not enough. Not enough. Hell.

segunda-feira, abril 16, 2007

Bofetada

A mão dela, sempre flor, estalou no meu rosto. Ficou a marca e o eco nos meus ouvidos, nem reparei na hora se as pessoas saindo do supermercado ficaram olhando o barraco cair. Ela me olhou com toda a fúria do mundo e por instantes temi por minha vida, ou ao menos por minhas bolas.

Cafajeste, ela falou de dentes cerrados, cachorro. Não achei sábio avisar que ela poderia estragar as uvas se continuasse apertando o cacho dentro da sacola de compras com uma das mãos furiosas de seu corpo. Aquilo me deixava nu, me calava qualquer palavra e eu não tinha para onde fugir. Fugir como? Fugir para quê? Precisava ficar e apanhar como homem.

Não dei um pio, não me movi. Apanhei calado. Eu sabia que havia errado, eu sabia que nenhum erro passa incólume. Ela estava segurando a fúria havia uns dias, eu já tinha me dado conta. Pequenos detalhes na mesa do jantar, ironias acima do tom na saída do cinema, três chopes a mais diante dum jantar com amigos. Uma mulher pode te torturar aos pouquinhos só pra ver se você se entrega, entrega os pontos, pede perdão, compra flores, faxina a casa, compra uma casa em Trancoso.

Aquele bofetão, eu sabia, era um aviso. Não era o ponto final, mas já era uma definitiva exclamação. Porque Nidia não era de tapas, era mulher de argumentar e trucidar o sujeito à meia-voz. Ela me fazia cometer os sete pecados capitais simultaneamente à meia-voz. Ela me convenceu a passear no shopping com a irmã à meia-voz. Na única vez que sugeri, matreiro, uma bofetada, ela saiu da meia-voz pra perguntar se eu estava doido.

No entanto, ali, diante das compras e desconhecidos, ela gritou comigo fisicamente. Sua pele era um leopardo eriçado diante da presa.

Fez-se o silêncio e uma rotina sinistra. Guardou-se as compras, entramos no carro, fomos para casa. Em alguns quilômetros, senti sua mão em minha coxa direita, como que a alertar que ainda éramos um casal, eu apenas precisava ter cuidado. Ela chegou mesmo a ligar o rádio. Podia vê-la olhar a paisagem, os lábios cantarolando contra o vento. A mão já esboçava carinhos.

Com as compras, veio o elevador, um par de vizinhos, a porta e trinco. E veio ela contra mim. A fúria em seus lábios. "Acho bom você me convencer a não te escorraçar daqui pra fora", ela me mordeu a orelha num sussurro de naja. Suas mão viraram facas, os dentes espinhos. As compras no chão e aquela mão outra vez no meu rosto. Aquela mulher sabia como fazer um homem virar macho.

quinta-feira, abril 12, 2007

Malvados

Hehehe.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Web 2.0

Ótimo.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Luchar, luchar

O tema é batido e a história é mais ou menos bem conhecida pelos letrados, mas nunca é demais fazer o apelo. Saiu numa coleção - ótima, diga-se - da Video Filmes o documentário "A Batalha do Chile", ultra-premiado e simplesmente fundamental para aqueles que se interessam por cinema, história, sociedade e quetais.

O diretor, Patricio Guzmán, estava terminando seus estudos na Espanha quando Salvador Allende venceu as eleições presidenciais chilenas em 1970. A democracia mais tradicional da América Latina elegia um comunista no poder, 11 aninhos depois da Revolução Cubana. Guzmán conta que largou tudo e correu de volta à sua pátria para documentar aquele momento mais do que histórico. Realizou um filmaço.

No filme, duas coisas impressionam: o apoio popular ao governo socialista de Allende e como o discurso burguês engrossa sempre que o povo chega mais ou menos perto de tomar o poder. Não recomendo a película a tucanos, que podem se constranger - se bem que Zé Serra estava Chile quando o pau comeu, exilado devido ao golpe de 64. Nos extras, o cinismo de dois americanos envolvidos no golpe (a história se repete mesmo) diante do massacre empreendido a uma democracia é de revirar o estômago.

Ficam no ar certas questões inexplicáveis. Como podem nascer sob a mesma bandeira o gênio de Bob Dylan e a mesquinhez sórdida dum Richard Nixon? A bravura elegante dum Caetano e a pequenez ridícula dum ACM Neto? Essas questões não estão explícitas no filme de Guzmán, mas o filme trata basicamente de pessoas e suas posturas - o mesmo Pinochet que manda bombardear o palácio do governo (com gente dentro) e oferecer um avião para Allende se exilar no além-Chile (com a ordem de abater esse mesmo avião) foi o chefe do dispositivo militar que deveria garantir o governo constitucional chileno, eleito democraticamente e aprovado em eleições parlamentares um ano antes do golpe.

Talvez haja quem não saiba, mas o golpe que tirou Allende do poder e o levou à morte (ele se suicidou, após sua resistência armada se mostrar infrutífera) aconteceu no dia 11 de setembro de 1973. Exatos 30 anos antes do 9/11 que tombou o WTC. Se eu fosse chileno, faria como a canção, "seguiremos nossas vidas e mesmo assim, não tenho pena de ninguém". Comemorar, só se Pinochet fosse enforcado num 11 de setembro perfurado em suas medalhas com suas tripas lhe estrangulando a vida. E seria muito pouco.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Pau duro

Cheguei em casa muitas horas depois do combinado e ela dormia, cansada feito eu mas provavelmente mais sóbria e mais limpa. Provavelmente. Conferi seu corpo na cama, abraçado a um travesseiro, o abdome respirando, os olhos fechados, o sibilo, os dedos. Veio o perfume como se ela não estivesse mais ali e tivesse me abandonado há anos e aquele cheiro fosse memória ou cicatriz. Fiquei de pau duro.

Senti o sangue concentrar e logo o pinto inchar e levantar, involuntário, forçando a cueca e logo uma pequena dor, um pequeno enema. Com a mão direita, senti a ereção e a apertei, era uma boa sensação se descobrir homem feito em plena madrugada, a fêmea sem saber, apenas ocupada em respirar. Se eu tivesse a noção do momento, bastava guiá-lo para dentro dela e sentir o pau duro penetrar sua carne aos poucos, rompendo o sono e grandes e pequenos lábios. Não seria a primeira vez.

Nidia acordava sempre com tesão porque já estávamos prestes a gozar e não ficava tudo muito claro, se era sonho, se era a morte. Raramente conseguia ter forças ou lógica para falar qualquer frase inteligível e, de qualquer forma, eu estava concentrado demais na minha ereção para entender outra coisa que não meu próprio corpo e logo sua voz aparecia em espasmos, talvez porque substituída pelo seu corpo uma vez desperto. Eu a fodia sempre num silêncio monástico, prendendo a respiração por minutos longos. Meu grande xodó eram seus olhos buscando a mim no breu do quarto.

Pensava nessa reminiscências enquanto ela, agarrada ao travesseiro, respirava natimorta. Havia sido um dia duro e eu agora estava ausente dentro de minha própria casa, diante de meu próprio corpo. Tirei as roupas para tomar banho, o pau duro, a boca alcoolizada, os passos turvos e me abaixei para dar um beijo no ombro desnudo, no espaço entre o cabelo e a coberta e o céu e então ouvi ela lamentar, sonolenta, "Estou tão cansada" e uma de suas mãos me acariciou o rosto e percorreu o tórax e agarrou o falo. O pau duro.

Nidia então fez-se manhã em plena madrugada. Adorava meu pau duro.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Rascunho

Quando levantei da cama, não havia mais nada. Nada a declarar, nada a se fazer, nada que eu pudesse recolher ou furtar. Quis fechar os olhos para ver se as coisas voltavam ao normal numa outra vez que os abrisse, e fechei mesmo, mas continuava a ausência em minhas pupilas quando tornei a abrir a vista e então saí que poderia me atrasar.

O dia ventava, mas o sol estava lá, impaciente. Cheio de luz para deixar claro meu vazio pelas ruas, os passageiros nos coletivos vendo através de mim, as crianças de rua jogando bolas de papel através do meu ocaso, namorados atravessando de mãos dadas minha ausência. Eu caminhava inerte porque assim tinha de ser e eu de fato o era, havia o mundo e eu dentro dele e outras pessoas para as quais eu simplesmente não existia.

Eu atravessava as ruas e olhava as saias das moças, mesmo atrasado. Nenhuma delas me sorria e algumas gostariam de me ameaçar pelo desacato, decerto poucas ameaçariam fingidas para que eu reparasse noutros bordados de sua prenda e lhes segurasse o pulso e lhes roçasse a fúria em lábios e palpitações, mas estou certo de que eram poucas. Eu não era esse homem de despertar tanta fúria nas mulheres, eis aí uma grande frustração pra qualquer homem que se preze.

Cruzei a última esquina e logo o porteiro me cumprimentou, o mesmo sorriso, o mesmo bigode falho numa das pontas, os mesmo dentes necessitados de flúor e cálcio. Não havia me atrasado e ainda possuía dez andares a escalar. Dentro do prédio, o ar-condicionado me isolaria da luz e do calor e eu seria ainda mais inexistente, uma peça dentro de um organograma.

O primeiro dia sem ela não seria nada fácil. Ela levara quem eu gostava de ser junto das coisas na mala. Só me restou aproveitar um rascunho que achei perdido entre os lençóis.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Ouça no volume máximo

"... the last great musical match since Dylan met The Beatles with some pot in his pocket." (Rolling Stone magazine, november 2006)

Support your local rock'n'roll star.

terça-feira, outubro 31, 2006

Sorry, periferia

Isso é que é globalização. Votos fraudados na Flórida matam crianças em Bagdá. E tem gente que acha certo.

quinta-feira, outubro 26, 2006

XII

O telefone tocou uma vez. Ignorei. Na segunda, eu estava numa outra chamada conversando com um secretário do estado. Na terceira, tinha ido ao banheiro. Na quarta, alguém da redação me entregou o celular em mãos quando eu já me preparava para atender outra ligação do palácio do governo. Um dos secretários havia sido pego com a mão no meio da merda, havia dado no noticiário da televisão no dia anterior e os jornais da cidade agora procuravam mais coisas. Ninguém queria declarar nada e todos suspiravam a desgraça em off. "Este governo está podre, meu filho", ouvi de um deputado governista. Não pude publicar.

Era Luana e chorava. Não conseguia completar as frases. Disse que estava no trabalho, pedi calma, não estava entendendo. "Eu preciso te ver" ela disse naquele vendaval de choro, eu entendi que ela precisava me ver naquele instante. Falei pra ela me encontrar na praça do Relógio, que era perto do palácio do governo. Ela morava perto da Cidade Velha, chegaria lá sem maiores dificuldades. Disse que iria pessoalmente tentar arrancar alguma declaração do governo sobre o escândalo e me mandei da redação.

Havia aquele medo em mim permanente de Luana chegar à verdade sobre mim. Mentiroso. Adúltero. Cínico. O medo de como ela iria reagir, o medo de saber que eu era culpado pelas minhas ações. O medo de como seria a minha reação diante de minhas próprias faltas passadas a limpo. Coisas da vida, da minha vida, da minha cidade.

O carro da redação não demorou a chegar no palácio do governo. O reino da Dinamarca papa-chibé apodrecia a olhos vistos, homens de ternos esbaforidos entravam e saíam. Cinegrafistas e fotógrafos estavam a postos, alguns mais sábios no boteco próximo, bebericavam e sorriam. Luana estava perto de uma árvore, tentando me localizar e fui ao encontro dela depois de cumprimentar o Rogério, companheiro de redação. Ele também só obtivera novidades em off. Luana correu e me abraçou, tremia um pouco.

"Diga que me ama" ela pediu, "Diga que ama", pediu outra vez. "Te amo", não vacilei. Era a mais pura verdade, talvez a única verdade dita em voz alta naquela hora por aquela praça. Éramos únicos naquele instante, nervosos, apressados e verdadeiros. E em meio às nuvens que já carregavam o próximo temporal e o cheiro do Ver-O-Pêso, Luana finalmente sentenciou. "Já é o segundo mês que o sangue não vem". Dois meses. Não consegui conter uma ereção de pânico.

"Talvez ele não seja teu, amor", ela terminou e as lágrimas voltaram. Minha ereção cresceu. Abracei Luana como jamais pude imaginar que faria.

Talvez seja, meu bem, talvez seja.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Je vous salue, Marie

Ela pode não ser uma Josilene Fischberg ou uma Mônica Silva, mas chega perto.

domingo, outubro 22, 2006

Tristeza, retorno e um sorriso no fim

O bom de não se conseguir dormir quando se está triste é que surgem boas idéias na mente. O ruim, é óbvio. Eu queria, e queria mesmo, ter a capacidade de encostar a cabeça e dormir a qualquer hora, com a facilidade dos anjos. Depois de uma crise pessoal, bastaria fechar os olhos que o mundo real daria lugar a uma viagem fantástica a universos oníricos, onde eu poderia até voar. Quanto aterrissasse ou acordasse, os percalços estariam uma noite ou um pouso atrás.

Oká, como proposto na primeira linha deste texto, não quero perder tempo escrevendo sobre as desgraças da soma da tristeza com a insônia, mas, sim, sobre suas vantagens. Eu sou jornalista, como alguns devem saber. Existe uma coisa, no jornalismo, chamada lide, que nada mais é que a introdução de uma matéria. "Fulano foi morto em casa, ontem à tarde, por ciclano, amante de seu avô, com duas balas na cabeça" é um exemplo de lide. A idéia é justamente resumir o que o leitor verá na matéria.

Os lides, porém, podem ser mais interessantes do que um simples resumo e é aí onde mora o desafio: como dar alguma bossa ao lide e apresentar todas as informações básicas que ele deve ter? Vale lembrar que o limiar entre a bossa e a boçalidade é muito estreito. Resumido o assunto, vamos em frente, porque o jornalismo já me toma tempo demais no dia-a-dia para eu gastar muitas linhas com ele aqui.

Lembrei dos lides apenas para dar um exemplo. Outro dia, uma dessas noites insones de tristeza fez o favor de me dar um ótimo lide para uma matéria que minha mente estava remoendo há dias e cujo prazo de entrega terminava na manhã seguinte. No meu caso, não ter um lide é ainda mais grave porque não consigo escrever o resto da matéria. Sem uma introdução definida - e, em conseqüência, sem uma feição escolhida - não consigo adiantar a história, fazer conexões, contar causos. Eu até termino um texto com rapidez, mas necessito de um bom primeiro parágrafo para botar o trem para caminhar.

E foi nesse mesmo dia que a idéia para este texto surgiu. Já perdi as contas de quanto tempo fazia que eu não escrevia nada aqui, no Inventando Dogmas. E não é porque não houve tristeza ou alegria - as inspirações - e noites ou dias - os momentos para a escrita. Aconteceram, garanto. Mas acho que fazia tempo que a noite e a tristeza não se encontravam com tanta intensidade como na semana passada. Fazia tempo que escrever não parecia ser a única solução para meus problemas.

Pronto, portanto, existe uma vantagem em se ficar triste. Principalmente quando à noite, principalmente quando insone. Achei meu lide, escrevi um post razoavelmente decente para o blog e me lembrei que existe uma agradável atividade para passar o tempo enquanto não pego no sono. Mas tem uma coisa a mais que talvez não tenha dado para perceber apenas com o que escrevi até aqui. Vale explicar que tristeza, insônia, bom lide e post, nessa ordem, me agraciaram com um bônus.

Depois de fazer tudo isso - e, provavelmente, por causa dessas coisas -, eu chego ao fim sorrindo. É um sorriso com os olhos marejados, lógico, mas é um sorriso. E, tenho que confessar, ficar triste me serviu para um monte de coisa, mas sorrir... sorrir é bom para caralho.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Sei que é putaria ficar meses sem escrever e reaparecer apenas com um link. Ainda mais um link sobre putaria...

Mas é que esse link tem tudo a ver com nosso blog:

http://www.asstr.org/~Kristen/learning/face.htm

sábado, agosto 05, 2006

Primeiro mês

Jane não sabia o que fazer. Porque não havia mais nada a ser feito e ela não sabia esperar. As horas demoram a passar para certas pessoas, pessoas como Jane que róem unhas nos trens, impacientam nas filas dos bancos, do leite, do pão. Jane não sabia o que fazer diante de tanto amor.

Não, não estamos tratando de romantismo barato. Estamos tratando do côncavo e do convexo, get it on, dolce far niente. Jane olhava o calendário, dia 17 de maio. Dali a um par de dias faria um mês e no dia 17 de junho já seriam dois os meses em que ela talvez estaria fora da regra. Estaria grávida. Jane palpitava em suspiros e excitação. Jane sempre quis ser mãe, o problema era o Mário, que nunca quis ser pai.

Mário este que sumiu diante de tanto amor.

Ele surgiu no início da festa, reapareceu quando a bebida estava prestes a faltar e na hora da valsa, se pôs disponível, olhar na pista, copo na mesa, estrelas no céu. Jane, já sabemos, não era de esperar e fez a hora acontecer. Mário concedeu a dança, uma carona e subiu porque a escada àquela hora era meio deserta, e Jane não estava certa de desafiar os lances vertiginosos com seu vestido longo e o cansaço do dia e da festa - e algumas taças de espumante.

Jane atacou Mário diante da porta ainda fechada. Planejou tudo quando a bebida ameaçou faltar. Um vizinho apareceu e reclamou do barulho e, logo em seguida, da indecência, da falta de respeito, da corrosão dos valores. Mário pediu desculpas enquanto ela girava a chave na fechadura, o riso mal-contido, a maquiagem borrada. Mário desconfiou e achou melhor tentar outro dia, talvez ela apenas estivesse bêbada e ele não gostava de interpretar o papel. Antes de terminar as desculpas, sentiu o roçar de dentes em sua glande e fez-se o homem que Jane desejou por algumas horas.

Mário não dormiu. Na verdade, esperou Jane dormir, sibilar e se pôs para fora daquele apartamento. Nas outras quatro vezes, apesar de diferentes prólogos, encenou o mesmo final. Jane estava apaixonada na manhã de 17 de abril. Mário, não sei, não deu para descobrir. Ao fechar a braguilha de seus jeans, calçou por instinto os sapatos enquanto as mãos buscavam seus Luckies no bolso do casaco. Foi quando percebeu que os havia deixado no porta-luvas do carro.

O velho truque de deixar os cigarros no porta-luvas do carro jamais falhou.

sexta-feira, julho 07, 2006

Crônica do grande amor

Esta crônica do grande amor nasce sem saber até onde vai, como todo amor que se preze, grande, pequeno, incerto ou tímido. Mas nasce baseada na alegria e na esperança de todo amor, cego, surdo, mudo ou manco. Porque o autor, sim, este defunto autor, este amigo do Andy (e da Josy), vejam vocês, quer falar do amor e do sorriso e inventar uns dogmas coloridos e risonhos.

O amor nos rouba as palavras e nos deixa sem saber como o escrever plenamente. Ficamos bobos. Sonhamos acordados. Abusamos dos clichês, dos chavões, dos trocadilhos, das canções do Chico e do Marvin Gaye. O amor me fez aposentar o barbeador, o barbeiro e a escova para me sentir mais bonito, mais dela, mais alegre e menino. O amor me fez apagar cigarros e esvaziar copos.

O amor simplesmente acontece e, caros amigos, se ainda não aconteceu, não aposente seu melhor sorriso porque ele ainda vai acontecer. O amor é infalível e ponto final. Não discutam com o amor, porque ele vai chegar e invadir seu armário, cortar seu cabelo, pintar suas unhas e até mudar sua dieta. Você pode ler essas linhas e me achar bobalhão, infantil, do tipo que apostou dinheiro na Seleção do Parreira e irá votar de novo no Lula. Você não sabe de nada.

Quem sabe sou eu, apaixonado, sorridente, morrendo de saudades. Eu sei que tenho um ideal na vida, um motivo pra olhar os três lados da rua antes de atravessar, uma razão pra jogar bonito na pelada. A minha vida ficou tão simples que sorrir se tornou a única resposta. Sorrir e dizer sim. Deixar o não pra outro dia, um dia que sempre será depois de amanhã porque o amanhã é dela e ela é sim, meu sim, meu eterno sim.

Então, a André e Josy, Dani e Dudu, Alê e Gi, Maíra e Fafinha, Léo e Tati, Fonsa e Fernanda, desejo aqui que nossa crônica, escrita diariamente com desventuras e trejeitos e atalhos e desditos possa ser grande, imensa, infinita como os amores jurados e por vezes até cumpridos. Pontuada em sorrisos e beijos esquecidos, exclamada em atrasos obscuros, titulada por mentiras sinceras, nossa crônica, sim, nossa, porque também é a crônica do Godo da Silva, nossa crônica poderá ser lida em muitas páginas e telas, enquanto houver o amor e enquanto houver quem se ame.

quarta-feira, julho 05, 2006

Hoje, assumimos nossa vocação de colônia para torcer pelo Império. O ouro do século XXI se chama Felipão.

terça-feira, junho 20, 2006

Aquele sábado

Gente, eu e Josy estamos com uma coluna no portal Matrizonline. O nome é Não nos arrependemos daquele sábado e seria um prazer recebê-los lá.

Ps. para quem não sabe, Josy é a menina que substitui o Godinho enquanto ele não volta do Pará.

terça-feira, junho 13, 2006

Lula e Ronaldo ou Como andam nossas paixões?

O Ronaldo jogou mal na primeira partida do Brasil na Copa do Mundo no mesmo dia que uma nova pesquisa do Ibope mostrou que o Lula avança a passos largos para uma vitória no primeiro turno das eleições. Depois da "crise" (e a gente adora uma crise) na semana passada entre o presidente e o jogador, não deu para não questionar: se nem o Ronaldo foi páreo para o Lula, quem será?

Eu entendo pouquíssimo de futebol, apesar de ser um belo atacante - menos em aspectos estéticos para uns, menos em técnicos para outros. Mas é impossível não falar, pensar ou escrever sobre futebol nesta época do ano. É impossível não andar por aí, encontrar conhecidos e um perguntar "o Ronaldo está péssimo, né?". Este um, aliás, pode até mesmo ser eu.

Futebol é uma coisa que não se pode em hipótese alguma ser definida pela razão. Se Weber pensasse umas décadas a mais, ele teria, até, incluído o esporte no grupo da justiça (certo ou errado), estética (bonito ou feio) e moral (bom ou mau) entre as categorias explicadas apenas pela paixão. A razão, nesses casos, para o sociólogo, era mero instrumento, mas nunca respondia a coisa alguma.

E é assim no futebol. O que faz um time melhor do que o outro a não ser a paixão do torcedor? Jogadores são meros mecanismos para chegar à vitória e não duram para sempre. Existe um melhor time do mundo ou existe apenas aquele que ganha algumas boas partidas em uma sequência mais longa? Um exemplo da irracionalidade do futebol é a tal nação rubro-negra. O argumento de "maior torcida do mundo" é praticamente tão estúpido que poderia ser usado por qualquer equipe da terceira divisão da China. Lá, onde com certeza há bem menos times e bem mais torcedores do que aqui, qualquer timeco tem uma torcida mais extensa do que Flamengo, Corinthias ou Vasco.

Já com a política, as opções deveriam ser outras. Existem mecanismos puramente racionais para definir a capacidade de um político. Existem afinidades e interesses em determinada proposta que nos deveriam atrair para determinado candidato. Mas no Brasil as coisas não são tão simples. A discussão política por muitas vezes - quase todas, dizem os mais céticos - começa e acaba em paixões.

Até mesmo aqueles programas de governo que aparentam obter algum resultado para parcela da população, como é o caso deste Bolsa Família, são discutidos no campo da paixão e não da razão.

Assistencialismo é uma acusação típica da oposição em discursos ásperos contra o presidente, mas ninguém me explica o que não seria um programa assistencialista (o que é mais assistencialista, dar comida por voto ou aprovar emendas na lei de biosegurança por financiamento de campanha?). Outra acusação é o de populista, mas tenho dificuldades incríveis em achar na história um governo que não tenha sido "populista" (qual a diferença entre querer agradar classes sociais mais baixas e agradar banqueiros? e sem essa de esclarecimento, por favor).

No caso do viés governista, o Bolsa Família é sempre citado como uma vitória de décadas de injustiça de exclusão social. Apesar de exclusão social e décadas poderem ser definas pela razão, injustiça não pode. Falar sobre o que o Bolsa Família pode proporcionar a longo prazo para o país, ninguém fala. Ficam no sentimentalismo de que a fome está sendo erradicada do Brasil. Importante lembrar que este mérito, o da erradicação da fome, parece-me inquestionável, portanto questiono apenas o discurso político.

Assim, política e futebol, no Brasil, acabam tendo sentidos semelhantes: conflitos entre paixões. Quando uma se mistura com a outra, então, como foi o caso do mal-entendido entre Ronaldo e Lula, a briga aflora ainda mais. No dia seguinte da troca de farpas (muito mais do jogador do que do presidente), os principais jornais do país trouxeram em suas seções de cartas depoimentos de leitores indignados com um ou com outro.

O lema era, numa mistura exagerada de paixões: vamos reagir, vamos às ruas brigar pela honra do presidente ou pelo talento do jogador. Até fomos de certa forma, e um ou outro que encontro por aí pergunta "o Ronaldo está péssimo, né?". Gol do presidente. Se barrarem o jogador e ainda assim o Brasil for hexacampeão, aí sim ninguém mais consegue tirar a bi-eleição. Ninguém consegue entender mesmo as paixões dos brasileiros.

quarta-feira, maio 31, 2006

Erros

Era a 745a vez que o casal conversava e ela foi direta ao definir o relacionamento como findo, a partir de uma lógica simples, que não envolvia outras pessoas além deles dois, como devem terminar mesmo os relacionamentos.

- Você foi o erro mais sincero que eu cometi. Talvez o melhor, talvez ainda melhor que grande parte dos acertos, mas ainda assim um erro - disse Carolina.

Julio gaguejou. Ela tentou de novo:

- Não quero que você chore, nem lamente. Não se lamenta o fim de um erro e tenho certeza que você também considera que tudo tenha sido um erro. Espero que você também veja o erro da melhor forma possível e se recorde bem de nosso relacionamento no decorrer de sua vida. Espero que você tenha as melhores lembranças dele. Apesar de um erro e apesar de ter trazido problemas para nossas vidas de certa forma, sei que houve momentos válidos que farão de mim e de você pessoas melhores.

Pedir para conter o choro é o mesmo que pedir para chorar e ele, não desvirtuando lógica alguma, chorou.

- Pare, Julio, como disse, não se deve chorar pelo ponto final posto depois de um erro. Ele, o erro, não pode durar para sempre, sabemos disso. Lembra quando você me escreveu que mesmo que eu fosse um erro, eu seria o erro mais correto que você já teria realizado? Lembra que eu respondi que o perigo de se cometer um erro com consciência era que este nunca duraria para sempre, independentemente das boas intenções do erro. Em algum momento, o erro fica pesado demais para ser carregado por longas distâncias.

Ele se conteve, enxugou as lágrimas, levantou a cabeça.

- Além de tudo, nosso amizade vai restar e esta nunca consideraremos ter sido um erro. Uma boa amizade, mesmo atrelada a um erro, não pode ser considerada um erro. Aprendemos coisas juntos e vamos lembrar para sempre desse aprendizado. Mesmo que não lembremos com consciência um do outro, o que aprendemos juntos estará em você e estará em mim. Quando falarmos "eu te amo" novamente, um pouco do nosso amor, da forma que aprendemos a falar esse "eu te amo" estará lá. Nosso sentimento vai sobreviver nestas palavras, mesmo que elas não sejam mais dedicadas de mim para você ou de você para mim.

Ele não falou. Virou-se e foi embora. Encarava o erro de outra forma.

sábado, maio 06, 2006

Eloísa

Senti firmeza em Eloísa assim que botei meus olhos nela. Assim, sem dramas e apresentações. Celso foi logo nos apresentando, meu grande amigo Celso, uma vasta cabeleira made in Japan. "Essa é Eloísa, minha vizinha." Estavam lá jogando conversa e cigarros fora, eu resolvi passar no apartamento dele para ouvir um CD que ele ficou me recomendando por mais ou menos um mês.

Ela de vestido branco e óculos, descalça, sorriso. Ele me apresentou, eu era "Leandro, amigo, veio aqui ouvir aquele CD que te falei, dos Strings". Aí ele se levantou e foi catar o disco no quarto e ficamos os dois na sala, ela acendendo outro cigarro, eu de pé, calças jeans, sapatos, camisa de trabalho, bolsa de trabalho, celular na mão. Perguntei a ela se tinha cerveja, ela pediu uma. Fui buscar na geladeira e assim começamos.

Quando voltei, os Strings já ganhavam a sala através das caixas de som, pareciam bons os Strings, comentei. Deixei meus pertences no chão perto do sofá e me sentei perto, junto da minha cerveja, logo após entregar outra para Eloísa e fazer as honras de abrir uma terceira latinha para Celso. Conhecia Celso de anos atrás, de uma fila para ingressos para um festival de cinema mexicano. Os filmes não eram grande coisa, mas em dois deles Salma Hayek fazia com os atores e as câmeras tudo o que gostaríamos de fazer com ela. Celso e eu fomos para a fila com camisas da mesma banda (Molotov) e ele puxou papo comigo por conta disso. Meses depois, fomos colegas de turma num curso de espanhol e aí ficamos amigos.

"Salma Hayek nos uniu, Eloísa", sentenciei, fazendo um brinde. Puxei um cigarro do bolso da camisa e ela se ofereceu com o isqueiro. Neste intante, fui flechado e traguei fundo o momento, o sorriso, os olhos castanhos turvos, os caracóis, as alcinhas alvas sustentando o vestido e contornando os ombros. "O Celso me fez escutar tanto essa banda que já canto no chuveiro", ela disse sorrindo. Aí ela perguntou o que eu fazia, onde morava. Respondi que morava no outro quarteirão, de onde saía toda manhã para retornar só de noite após dar expediente como assessor de comunicação no Instituto Nacional do Coração, "um centro de referência mundial em corações partidos e afins".

Eloísa era professora e queria estudar música. Mas seu sonho era ser bailarina. "Quando tinha sete anos quebei o pé andando de bicicleta e nunca mais consegui executar um demi-plié decente", aí ela levantou do sofá e nos mostrou seu demi-plié indecente. Julguei mais-que-perfeito, e pelo que pude averiguar no olhar de Celso, ele também. "Essas professoras de balé não sabem de nada", Celso aferiu e todos concordamos. Mais um brinde e Celso foi fazer as honras de trazer mais um trio de latinhas. "Bacana conhecer você, o Celso me fala de vocês às vezes", Eloísa confessou e desta vez eu acendi os cigarros.

Celso era um dos meus melhores amigos, ia falando, e começamos a desencavar algumas histórias vividas parceiramente, eu e ele. Eloísa apenas bebia, fumava e sorria. Talvez houvesse sido um dia duro que terminava surpreendentemente leve, com dois amigos compartilhando um bem-estar com ela, pelo prazer de sorrir ou simplesmente ser. Talvez ela estivesse interessada em algo que ia além das palavras e dos gestos e daquelas paredes. Talvez ela apenas precisasse daquele sorriso para seguir tentando não chorar, por mais bonita que ela fosse, aquela cidade não poupava nada e nos exigia demais a cada cruzamento. Os Strings estavam esquecidos no CD player, em repetição.

As latinhas secaram e nos vimos cansados, apesar de contentes por estrmos juntos. Eloísa levantou primeiro, despedindo-se de Celso com um beijo e plantou-se de frente pra mim, indicando que eu também deveria me despedir dela. Levantei e disse que também estava de partida e peguei meus pertences e fomos. Celso combinou de passar no meu apartamento na tarde seguinte para vermos um jogo. Fechou a porta e de repente estávamos eu e Eloísa e a escada para o andar de cima onde ela morava.

Os corpos ficaram ali parados, suspensos do tempo e da dor. Eloísa era linda demais daquele jeito para ser verdade. "Outro dia" ela disse, me deu beijo furta-cor na bochecha, "outro dia você passa aqui e me devolve o isqueiro que esqueci no seu bolso". Subiu as escadas e eu desci as minhas.

Na rua, apalpei o bolso da camisa e o isqueiro dela estava lá. Ao lado de um sorriso, um beijo e um vestido branco, leve feito o sono que sentia em minhas vértebras.

terça-feira, maio 02, 2006

O bar dos meus sonhos

Quando entrei no bar, tocava "Heart of a Glass", do Blondie. É aquele tipo de música que meu inglês sofrível não ajuda a entender, mas sei que, apesar do ritmo alegre, fala de coisas tristes. Alguma coisa do tipo "once I had a love and it was a gas, soon turned out to be a pain in the ass". Fazendo analogia, eu também já tivera um amor turbinado que se transformou com o tempo numa "dor no traseiro", numa tradução porca. E sem alusões homossexuais, por favor.

Entrar num bar sempre teve dois vieses para mim: diversão, quando acompanhado por amigos, ou solidão, quando só. Tudo bem, às vezes os amigos me acompanhavam na segunda opção, mas era raro. Sou praticamente um sociopata quando tenho problemas pessoais me atormentando. Além de me tornar insuportável.

Mas essa afirmação de ir para um bar sozinho em busca de solidão é mentirosa, de certa forma. Nunca se fica solitário num bar, a não ser que se tenha a chave e não se permita que os empregados entrem. Há sempre um garçom lá, disposto a contar algum causo, alguma piada ou a perguntar se a vida não melhoraria com mais um chope. No bar que eu freqüentava, Zé, o garçom, foi logo oferecendo: "Vai um chope para descer os problemas goela abaixo?". Não se vai atrás de solidão num bar, não mesmo. É perdição o motivo da ida.

Aceitei o chope, como sempre. Mas aceitei a contragosto porque exatamente o que eu não buscava naquele dia era enfiar meus problemas goela abaixo. Não mais. "Sempre" varri os percalços cotidianos para debaixo do carpete e o acúmulo de poeira estava incomodando minha asma mal tratada. Entrei no bar para provar para mim mesmo que o "sempre" era tempo demais, até mesmo para mim, crente toda a vida. Estava na hora de encerrar aquele "sempre" e tomar alguma atitude. Estava na hora de alterar o rumo das coisas, inverter a ordem e ascender os problemas goela acima.

Um bar serve, como poucos lugares no mundo, para desvirtuar o tempo e me ajudar a entender que o mundo secular é muito menos interessante que o mundo dos dogmas. Se eu devia recomeçar sem olhar para trás ou pular uma etapa e prosseguir em frente, era ali o lugar ideal para descobrir. Eu sabia apenas que o "sempre" precisava ser desencaixado do meu futuro. Aquela perspectiva de que as coisas não mudariam definitivamente não fazia mais sentido.

Assim, aceitei o chope, mas fiz questão de dizer para o garçom: "Zé, hoje os problemas vão ficar aqui, junto com a gorjeta. Ou isso, ou não vou deixar gorjeta". Ele riu, provavelmente compreendendo melhor do que eu o que aquilo poderia dizer. Ele já deve ter ouvido coisas parecidas de outros duzentos bêbados antes de mim.

Depois do quinto chope, começou a tocar "More than this", do Bryan Ferry, "It was fun for a while, there was no way of knowing, like dream in the night, who can say where we´re going". É, o bar dos meus sonhos é assim: uma solução para meus problemas com um rockzinho simpático como trilha sonora. Poderia haver mulheres dançando nuas no balcão, mas nem os sonhos são perfeitos. E, na verdade, eu só queria uma única mulher nua dançando no balcão, num bar sem garçons, com dúzias de bolachas e chopes sobre a mesa e as portas fechadas. Era somente ela que eu imaginava no bar. Mas ela não estava lá, nem nua, nem dançando. Sonhos e bares não são mesmo perfeitos.

domingo, abril 30, 2006

Alguém precisava falar

Roubou as palavras da minha boca.

quarta-feira, abril 19, 2006

Conto antes de acordar

A última das estrelas morreu no céu. Meus olhos cinzentos na tevê e um filme demasiado pornográfico para ser sexo de verdade. Na rede, uma Lila morena e dorminhoca, nua e santa demais para aquele quarto. A atriz montava no falo e berrava a cada contração de seus quadris. Eu não acreditava em nada. O que me enchia de vontade de sexo era Lila, mas Lila precisava dormir, como eu insistia em não fazer.

A última das estrelas morreu em vão. Ninguém iria chorar por ela, pelo seu brilho agora breu. Lila não iria acordar por uma estrela morta anos-luz atrás. Lila gostava das coisas quando vivas, dos homens quando sorridentes. Eu deitado na cama sozinho era um homem morto, bem o sabia. Lila dormia em paz porque não sabia, mas eu era um homem jurado de morte. Tente dormir podendo não acordar.

A última das estrelas não vai nunca saber o que é uma semana sem conseguir fechar os olhos. Nem eu sabia direito, depois do segundo dia, tudo virou mancha e talvez. Lila tentava me resgatar e me colocar para ninar em seu colo. Depois do quarto dia apelei para bolinhas e virei delírio. Em casa, vidrado, a magnun debaixo do travesseiro. Será que alcalço o gatilho a tempo? A mão é fugaz e tenho a porta da cozinha logo na mira. O revólver desliza até Lila, e até a noite.

A última das estrelas é à prova de balas. Eu não sou. Há uma bala fora deste apartamento me aguardando e Lila não sabe disso. O revólver voltou para debaixo do travesseiro e a mulher suga com a força da terra a seus pés todo o sêmem que o homem da tv tem a lhe gozar. Enganei o homem que quer me matar, enganei sua esposa e engano Lila. Lila desperta, me vê morto na cama, cinza. Desliza até alcançar minha boca. E então ressucito.

A última das estrelas queimou tudo o que pôde. Lila vai me consumir por todos os seus poros. É uma questão de tempo para que ela vença a bala que me aguarda. Quando grito, ela morde. Respiro, transpiro. Não morri ainda. Não posso fechar os olhos.

segunda-feira, abril 10, 2006

Conto antes de dormir

Falta de sono, um teclado e um disco do Velvet na vitrola em conjunção geram a vontade de escrever um conto. Femme Fatale na voz da Nico bate no coração, enquanto Heroin na voz do Lou Reed entra na veia. Os versos parecem dialogar e eu fico voltando de uma canção para a outra, ouvindo "I don't know where I'm going" e "Here she comes, you better watch your step", e achando que tudo se trata do mesmo assunto.

Tomo uma dose de whisky e penso em acender um cigarro, mas me lembro que parei de fumar. Quero trepar, mas não tem ninguém por perto e não tenho paciência para sair de casa e pagar uma prostituta. Essa rotina de drogas e sexo cansa, principalmente quando é realizada com as mesmas drogas e com um sexo boçal, pago com dinheiro e favores.

Quero falar com meu filho, mas está tarde para telefonar. Não quero aumentar o ódio de sua mãe por mim, mesmo sabendo que seria divertido provocar algum ciúme no imbecil do seu novo marido. Ele é um troglodita quase inofensivo de tão mobral, e arquiteto por formação. De tão estúpido, duvido que ele saiba explicar o significado de um ângulo de 90 graus - nenhuma formulação é mais interessante do que a do ângulo oriundo de duas retas que se encontram num único ponto e que se afastam com a maior velocidade possível. É daqueles caras que ficam horas se masturbando com imagens de meninas de olhos grandes, pele clara e seios pequenos, baixadas dos piores mangás que se encontram na internet.

Ela o conheceu meses depois de me deixar e levar nosso filho embora. Digo para todos que choro à noite por não ter querido brigar pela guarda na Justiça, o que não é verdade. Sou péssimo pai e não pretendo ser um bom pai. Estou velho para mudanças.

Quando adolescente, considerava-me marxista e não pensava em filhos, prostitutas ou heroína. Eu dizia lutar pela superação da classe operária sobre a burguesia exploradora, através da formação de um estado socialista. Na verdade, nunca fiz nada além de ir numa ou noutra passeada de partidos de esquerda, mas vou contar para meu filho, depois que ele entender a importância da luta política, que eu fui um revolucionário. Quando ele crescer, vai sacar que tudo isso não passa de balela para justificar uns serem mais fudidos do que os outros. Só que tenho certeza que ele vai repassar minha história para meu neto, perpetuando minha imagem heróica por pelo menos duas gerações.

Escrever sobre gerações, falta de sono e todo o resto que já relatei me fazem pensar na morte, além de querer escrever um conto. Poderia falar dela neste conto, falar de como se joga xadrez com a dona todos os dias, num jogo lento e finito, sem possibilidade de empate. Ex-mulher, filho e o mobral do punheteiro de mangás são todos peões. Nunca movimentei uma das peças da primeira linha. E, também, para falar a verdade, nunca me considerei jogando xadrez com a morte para escrever sobre isso, apesar de já ter assistido ao filme do Bergman.

terça-feira, abril 04, 2006

Andy, you're a star

Foi uma amiga que me falou da música "Andy, you're a star", do The Killers. É bacaninha apesar do tom meio gótico. Bauhaus e Siouxsie & The Banshees influenciaram na música, tenho certeza.

Eu não tenho nada de estrela, mas, vai lá, não é qualquer dia que se ouve uma canção com nosso nome. E essa é a mais legal desde Man on the moon. Portanto, divirtam-se:

Andy, You're A Star

On the field I remember you were incredible
Hey shut up, hey shut up, yeah
On the field I remember you were incredible
Hey shut up, hey shut up, yeah
On the match with the boys, you think you're all alone
With the pain that you drain from love
In a car with a girl, promise me she's not your world
Cause Andy, you're a star

Leave your number on the locker and I'll give you a call
Hey shut up, hey shut up, yeah
Leave your legacy in gold on the plaques that line the hall
Hey shut up, hey shut up, yeah

On the streets, such a sweet face jumping in town
In the staff when the verdict is in
In a car with a girl, promise me she's not your world
Cause Andy, you're a star
In nobody's eyes but mine
Andy, you're a star
In nobody's eyes but mine
Andy, you're a star
In nobody's eyes
In nobody's eyes but mine

terça-feira, março 28, 2006

Prazer em conhecê-lo

Eu já pensei em ser padre. Isso foi há muito tempo, eu sei, mas por pouco, muito pouco, me livrei da batina. Foi num show de uma banda cover de Beatles que enxerguei as trevas e tudo de bom que poderia reluzir dela. A banda não era boa e eu nem sou lá muito fã de Beatles, mas Here, There and Everywhere é bonitinha demais para não se deixar impressionar: "Here, making each day of the year/ Changing my life with a wave of her hand/ Nobody can deny that there's something there".

É lógico que show, banda e música apenas decretaram o fim de um processo que já vinha se acelerando havia algum tempo. Minhas dúvidas não surgiram ali, naquele show. Não mesmo. Se ainda estivesse completamente crente de minha vida religiosa, diria que a canção é um exemplo da onipresença de Deus. Aqui, acolá, em qualquer lugar. Como são ridículos os religiosos, querendo associar qualquer coisa no mundo a Deus.

Mas eu acredito em Deus e Ele não teve nada a ver com minha desistência. Foi o demônio o principal responsável. Mas o demônio agiu da maneira menos óbvia, irônica até, ao provocar questionamentos na minha fé. Numa reunião do meu grupo católico, insitiram que ele, o capeta, existia mesmo, e estava entre nós. Disseram, até, que músicas de Led Zeppelin e Xuxa traziam mensagens subliminares. Ao aprender que o demônio sentava ao lado, questionei, pela primeira vez, aquele catolicismo cego que eu pregava. Dali em diante, segui ladeira abaixo e rumo ao horizonte.

Depois de largar completamente a Igreja, tive uma fase - curta - de completa negação, onde meus desejos mais primitivos eram movidos por súcubos e pela vontade de trepar com uma freira. Isso nunca aconteceu, mas de repente pode ser um ensejo para uma boa história. Vocês sabem, ando com uma baita dificuldade em voltar a escrever boa ficção - se é que já escrevi boa ficção algum dia. Talvez eu deva apelar para o demônio. Talvez para Deus. Só acho importante lembrar que até mesmo nos tempos de Igreja eu já preferia os Stones e sua "Sympathy for the Devil", aos iê iê iês dos Beatles.

segunda-feira, março 20, 2006

O pior dia da minha vida

Às vezes a vida pode ser uma merda e às vezes ela pode ser ainda pior. De longe esta segunda-feira foi o pior dia da minha vida. Houve dias piores, lógico, mas este é o que eu consigo lembrar agora. Portanto, se, para este texto ficar ainda mais dramático, precisamos de um superlativo, deixem-me associá-lo com esta segunda-feira, dia 20 de março.

Acordei cedo, fui para o trabalho cedo, tirei sangue para uma droga de exame periódico que somos obrigados a fazer e que eu sempre esqueço. Mais exemplar impossível. Era daqueles dias que eu realmente tinha muito trabalho a fazer, tinha duas matérias grandes para fechar. Não parei um minuto.

Mas as coisas começaram a acontecer fora do planejado. Até que meu humor não estava dos piores pela manhã, mas pensamentos ruins vieram à tona e coisas ruins foram ditas e escritas. A coisa toda, então, começou a degringolar. O bom humor e disposição habituais sumiram. Mesmo assim procurei reclamar o mínimo possível das coisas, tentei evitar que um dia ruim se transformasse numa catástrofe.

Mas o dia fez isso por mim, sem que eu pedisse. No momento que me falaram que eu estava com uma cara nunca antes vista, eu deveria ter percebido que era obrigação ir para casa. Mas resolvi bater uma bola, para tentar algum conforto. A pelada foi até boa e fiz uns gols.

Só que o pneu traseiro do meu carro furou logo depois. Parei no escuro, à noite, no meio da Pacheco Leão para trocar. Me sujei todo e limpei com a blusa molhada do suor do futebol. Sujei o rosto todo mas só reparei nisso horas depois, quando cheguei em casa.

Na Barra, policias me pararam numa blitz e constataram que eu não tinha feito a vistoria de 2005. Pausa: não fiz porque não tive dinheiro para pagar as meia-dúzias de multas recebidas por trafegar a 72 km/h às 3h da madruga em pistas onde a velocidade máxima permitida é de 60 km/h. As multas foram pagas na semana passada por mamãe, como presente de aniversário. E eu pretendia marcar a vistoria para a semana que vem.

Expliquei tudo isso para os guardas, mas mesmo assim eles quiseram rebocar meu carro. Argumentei, mas eles foram irredutíveis. Peguei um táxi, paguei R$ 30 para chegar em casa e hoje, terça-feira, vou ter que ir no Centro, no prédio do Detran, antes de retirar o carro no depósito da Gardênia Azul. E eu não tenho a menor idéia de onde fica a Gardênia Azul. Isso, sem contar que tenho que estar às 13h30m na casa do Tunga, artista plástico, para uma entrevista. E que às 19h, eu tenho a primeira aula da pós em sociologia política.

A vida pode ser pior? É claro que pode. Quando cheguei em casa, não havia ligação, nem mesmo e-mail, para me confortar. Nada.

Resumindo: acordei cedo, tirei sangue, trabalhei demais, soube de coisas que definitivamente eu não queria que acontecessem, tive que trocar o pneu e logo depois rebocaram meu carro. Ah, eu fiquei mais ou menos trinta minutos sujo, calçando uma chuteira e usando um short laranja florido (não tomei banho porque estava sem toalha) no meio da Avenida das Américas, discutindo com policiais.

Eu não costumo fazer essas coisas assim, apenas por percalços rotineiros da vida, mas se existiu um dia que me deu vontade de chorar, este dia foi ontem. O pior de tudo, gente, é que o domingo também não foi dos melhores e que a semana está apenas começando. E, acreditem, o fim de semana promete muito mais.

terça-feira, março 07, 2006

Como se chama o vão entre a perna e a vulva?

Eu tenho que escrever pornografia, eu tenho que escrever pornografia, eu tenho que escrever pornografia. Há dois posts, prometi que escreveria pornografia puramente pela diversão do tema. Mas não está fácil.

Depois de algum tempo escrevendo eventualmente num blog, aprendi que textos afetam sentimentos tanto quando estes afetam aqueles. É óbvio que não é fácil descrever felicidade em situações de tristeza. Mas, acreditem, textos otimistas já levantaram meu astral diversas vezes. A coisa funciona de forma simples: fico triste por algum motivo, sento em frente ao computador e crio uma história engraçadinha. É tiro e queda, melhor que Prozac.

Melhor até que sexo, pelo menos para resolver uma depressão considerada incurável. Sexo é muito bacana, lógico, mas é mecânico demais quando a cabeça não está concentrada na atividade exercida. Ambas as cabeças.

É a mesma situação ridícula do filme Munich, quando o 007 trapalhão do Mossad trepa com sua esposa enquanto imagina o atentado terrorista nos Jogos Olímpicos de 1972. Por mais que a parceira seja gostosa, fique de quatro e rebole alegremente, é impossível o sexo ser bom num momento de tristeza. É preciso resolver uma coisa, antes de se arriscar em outra. Nem mesmo um bom cunnilingus amenizaria problemas.

Mas com um texto é diferente. A atividade sexual é limitada por pudores ou limite de criatividade. Já a escrita não tem fronteiras. Todos os dias, momentos ou instantes, pode-se criar novas histórias e viajar em mundos inimagináveis. O conjunto atividade sexual, aliás, está incluído no conjunto ficção.

Assim, sai o pênis e entra a caneta; sai a vagina e entra o papel. O movimento com a caneta é praticamente sexual, considerando o prazer associado ao adjetivo erótico. Terminar um bom texto talvez não seja melhor que um orgasmo, mas dá um alívio e uma satisfação que sexo algum pode proporcionar.

Toda essa divagação foi gerada pela necessidade de se escrever um cartão de aniversário e pela dificuldade de se pensar num cartão fofo numa época que meu humor, historicamente, não é dos melhores. Um viés erótico seria uma boa opção, mas nem sempre o erotismo é bem interpretado e quase nunca fica bem no papel. Ah, sim, é possível ser fofo e erótico ao mesmo tempo, basta perder algumas linhas descrevendo como sua pele macia pode nublar a razão e fazer com que a consciência se perca em pensamentos libidinosos, condenáveis em outros tempos, mas justificáveis, até perante Deus, se considerada a beleza do vão entre sua coxa e sua vulva.

Este vão, que não sei se tem nome, é um bom exemplo de como palavras escritas podem afetar completamente as sensações de uma pessoa. Só em pensar nele, meu pênis enrijeceu e eu acabo de ter a idéia para o cartão de aniversário mais fofo que jamais escrevi. Então, mãos à obra. É que, assim como no sexo, depois de se acabar um texto, o que mais gosto de fazer é escrever outro.

quinta-feira, março 02, 2006

Sobre a Carolina

Conselho: num momento de tristeza, olhe para uma foto da Carolina. E, não, não vou entrar em detalhes de quem é a Carolina, para não dar chances para que algum astuto tire fotos dela por aí. Mas vou descrever a Carolina e espero não ser injusto economizando em suas qualidades.

Ela, a Carolina, tem pouco mais de um ano. Às vezes torço para que ela tenha essa idade para sempre, mas às vezes fico imaginando como ela será com dez, vinte ou trinta anos a mais. Qual imagem seria a mais aconchegante? A da criança inocente, a da adolescente instigante, a da jovem cheia de vida ou a da adulta serena?

A imagem que amenizou meus últimos momentos de tristeza foi uma foto onde Carolina está com uma carinha assustada, fofa como apenas ela consegue ser. Está do lado do primo, com a avó atrás e um terço de uma pessoa em sua extrema direita, cortada pela inabilidade do fotógrafo. Era a foto mais próxima, a que chama a atenção quando se está sentado naquela cama, por ficar na altura dos olhos de uma pessoa de 1,86 metro. Mas tenho certeza que é a única foto naquele quarto que me daria algum conforto naquele momento. Cama, quarto e momento em questão não importam mais que a foto, portanto deixo os detalhes de lado.

Quando estou triste - por qualquer motivo - procuro alguma coisa para aliviar a dor. Encarar o problema de frente, nem pensar. Prefiro dar uma relaxada para pensar no assunto e só depois tentar resolvê-lo. Nunca dá certo, mas acredito ser uma boa tática. O problema é que usualmente - às vezes propositalmente - esqueço de buscar uma solução. As coisas não são ruins 100% do tempo e há sempre algo positivo para se apegar.

A foto da Carolina, portanto, encaixa-se com perfeição nos momentos que é necessária uma lembrança do alto valor da vida. É ela, a Carolina, que me faz lembrar que o mundo pode ser muito melhor do que parece e que as pessoas podem não ser tão ruins como eu sempre pensei. Na foto, ela está com os olhos bem abertos, deixando evidente duas bolas pretas e atraentes. Sua boca também está aberta, assustada com alguma coisa que ignoro por não ter importância. Crianças são assim mesmo e se assustam com facilidade. Mas rogo praga para qualquer pessoa que faça a Carolina, aquela Carolina, se assustar com qualquer coisa. Carolina merece tranqüilidade, porque em vários momentos ela já foi responsável pela minha tranqüilidade.

O nome Carolina, aliás, é tão marcante que já foi fruto de diversas músicas, de gente que eu respeito até, como Chico e Toquinho. Mas não há Carolinas como essa, a da foto, acreditem. E eu já conheci algumas. Carolina, a da foto, possui o olhar mais magnífico que eu já vi. Assim, sou mais feliz olhando para ela. Por esta Carolina, e só por esta, eu falaria, mentiria, choraria e sorriria. E que sua foto esteja sempre em minha visão então.

Eu não me chamo Leandro

Fico impressionado como as pessoas nunca me chamam pelo meu nome. Nunca. São poucos os amigos que lembro terem se dirigido a mim como André. Talvez seja o acento na última vogal, que faz a palavra oxítona ser agressiva demais para os ouvidos. Talvez seja a origem do termo: varão, viril, másculo, do grego.

Assim, sou chamado mais pelos carinhosos Deco e Dedeco, o formal André Miranda, o gaiato Andy Foca, o provocativo Cabeça, o fofo-provocativo Cacá, o intolerável gatinho, o afetivo Miranda ou até o preferido Andy. Há, ainda, adjetivos genéricos como cara, amor, rapá, mané ou safado. É difícil lembrar de tudo e nem tudo caberia num post família.

Mas eu gosto do meu nome, apesar de achar que realmente a última sílaba é forte demais e pode dificultar a pronúncia. Só não gosto de lembrar que André rima como mané, apesar de achar - na maioria das vezes - que não tenho nada de mané.

Não ter nada de mané, porém, não me faz ser obrigatoriamente uma pessoa interessante. Houve outros Andrés na história, muito mais bacanas e charmosos do que eu. Cito, de cabeça, o Warhol, o Lloyd Weber, o Summers. E cito também o Santo, cuja cruz era em forma de X. E deve ser muita onda morrer numa cruz em forma de X.

Ah, vale lembrar que não me chamo apenas André, mas André Luiz, fato que poucos sabem. Se ninguém me chama de André, de André Luiz, então, nem Deus e o Diabo durante a partida de xadrez onde sou um peão. Mas não vou escrever agora sobre o Luiz porque nem eu estou aguentando esse egocentrismo todo. Chega de falar de mim. Acho que cheguei ao cúmulo com esse post sobre meu nome (meu consolo é estarmos no fim do carnaval e o Inventado Dogmas historicamente ter pouquíssimos acessos nessa época). Está na hora de voltar definitivamente a nossa ficção real, que é muito mais interessante do que essa realidade ficcional. Os próximos posts serão eróticos, quiçá pornográficos, prometo. Mas antes preciso de mais um post, mais um post para escrever sobre uma pessoa.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Trilhas sonoras ou O que vou cantar na minha festa de aniversário?

Eu não tenho a menor idéia do que a tal Chava Alberstein canta, mas a música "Had Gadia", presente no filme Free Zone, do Amos Gitai, é bacana demais. A cena inicial do filme, aliás, é fantástica, uma das melhores que eu vi no ano passado: Natalie Portman, lindinha como ela só, chora dentro de um carro, chovendo lá fora, num close constrangedor se ela tivesse vinte anos a mais. E toca "Had Gadia" incansavelmente, um verso atrás do outro, em tom sempre crescente, cada estrofe mais acelerada e comprida que a anterior. Talvez, se deixassem tocar a música durante toda a projeção, um filme medíocre poderia até se transformar num bom filme.

Segundo o wikipedia, "Had Gadia" é uma canção tradicionalmente entoada no fim de uma festa judaica, que conta a história de um pequeno cordeiro comprado por um pai, e tudo de interessante que pode vir daí. Para evitar decepções, é melhor não conhecer a tradução, tenho certeza.

Outra canção presente em filme e que também pouco importa a tradução é "Suo Gan". Lembram do Cristian Bale correndo com aquele coro infantil no fundo em Império do Sol, do Spielberg? Não teria a mesma graça sem a "Suo Gan" lá. A música galesa fala do carinho da mãe para com o filho, com ritmo e objetivo de ninar a criança. Garanto que funciona. Eu mesmo, que há muito deixei de ser criança, volta e meia deixo "Suo Gan" tocando à noite, para pegar no sono. Raramente preciso de mais de uma audição.

Na onda de músicas fofas para crianças, nada supera "Por que te vas", de uma tal Jeanette. Também presente num filme, lógico, o ótimo Cria Cuervos, do Carlos Saura. Neste caso, porém, eu entendo a letra: Hoje na minha janela brilha o sol/ E o coração/ Fica triste contemplando a cidade/ Porque você vai. Filme e canção deveriam ser dados como exemplos em escola do bom uso do diminutivo não-depreciativo: fofinhos e lindinhos.

"Por que te vas" é tão impressionante que eu não vejo Cria Cuervos há pelo menos dez anos, mas as crianças brincando com a música ao fundo não saem da minha cabeça. Nem "Llorando" em Mulholland Drive, do Lynch, melhores música, filme, cena e diretor do que a equipe do Saura, me marcou tanto (mas eu choro lembrando que "no hay banda").

E eu acho que é justamente este o barato de uma boa canção num filme: imortalizar uma cena. Nem é necessário entender a letra. O filme é a letra que importa naquele momento. E a música, quando o editor não é bobo, cai com perfeição como trilha sonora, independentemente do que ela diz.

É assim com a gente também, não? Duvido que eu seja o único maluco que fica imaginando músicas fofas para os momentos da vida. Aliás, já até pensei numa para o meu próximo aniversário: "You Got It", do Roy Orbison. Mas eu queria como em Somente Elas, com uma Whoopi Goldberg cantando com uma voz fraca e um olhar apaixonado. Ou então eu poderia cantar. É isso, quero cantar "You Got It" na minha festa de aniversário. "Every time I hold you I begin to understand/ Everything about you tells me I?m your man/ I live my life to be with you/ No one can do the things you do".

Mas antes é apropriado que eu aprenda a cantar.

domingo, fevereiro 12, 2006

XI

A prática me ensinou a beber. A prática me ensinou a fumar. A prática me ensinou a foder. Ela já havia me ensinado até a escrever, mesmo sob forte ressaca e cheirando a cigarros e rum. Ninguém mais que a prática poderia ter me ensinado a mentir.

O problema da mentira é justamente a verdade que ela carrega em si. E a verdade, se não estiver nos fatos, estará nos sujeitos. Foi Paola, num telefonema após ouvir uma das minhas desculpas oficiais, quem decretou. "Você está me saindo um belo safadão". Rimos ambos. Ela, nervosa, eu, cínico. A cidade já começava a ficar pequena diante de mim dando amor a duas mulheres que me queriam mais, que não poderiam saber uma da outra, que não gostariam de descobrir que havia outras. Eu era um homem marcado em Belém. Carregava nas costas uma tatuagem inesquecível, todas comentavam assim que a viam. Luana sabia duma prima sua que havia terminado uma noite num quarto de pensão perto do centro com um carioca, moreno, de óculos que tinha uma tatuagem vistosa nas costas. A gente estava juntos já havia um par de meses, a prática me ensinava a trair.

Ela me olhava furiosa enquanto eu fazia a melhor cara de espanto para salvar nosso namoro, my own private Idaho. Nosso Belém Affair. Eu tinha medo de perder Luana e pior, jamais me perdoaria se ela deixasse de sorrir e voar naquela cidade tão pesada por minha culpa. Luana me dava uma alegria quase infantil em me amar, em ser apenas uma garota que fazia questão de dar as mãos para desfilar comigo perto da rua onde morava. Ela sabia que eu era, por bebida demais ou juízo de menos, o carioca da tatuagem que havia saído da festa com sua prima, caminhou meia quadra, alugou o pernoite na pensão e apenas fechou a porta para, ainda de pé, fodê-la contra a porta. Depois fizeram no chão. Na segunda vez no chão ela se apoiou na cama e foi o máximo que eles usaram da cama. E por fim, quando ela queimava o baseado que o homem do Rio preparou sem pressa e calado, ela gozou pelo cu olhando a cidade sob o efeito do beck apoiada na janela, ele mordendo as costas. Desabaram no chão e ali dormiram um par de horas até o interfone tocar anunciando o fim da diária.

"Claudiane me mostrou até as dentadas nas costas", Luana me odiava, "ela disse que nunca mais vai gozar daquele jeito outra vez". Ela maldizia o safado por oferecer a erva pra bichinha, a sua prima só tinha dezoito anos, mal cursava o segundo grau. Eu nada dizia, tomado pelo medo da minha voz me trair e por um pânico sincero de levá-la a atos perigosos, porque ouvir a narração pormenorizada duma foda ocorrida cerca de três meses passados causava em mim uma poderosa ereção. Lembrava de Claudiane chorando sobre mim após ter inaugurado o cu, lembrava dos meus cabelos sendo arrancados enquanto eu a fodia contra a porta, sua buceta levantada do chão pela minha língua. Quis contar tudo a Luana naquele instante, reproduzindo nela o que fizera com a prima. Era uma manhã de domingo, estávamos comendo pão e tomando nescau, havia sido uma noite morna, ela quis dormir abraçada comigo porque a tia estava no hospital. A tia, mãe de Claudiane. Naquela noite, prometi que cuidaria dela, Luana, fiz cafuné, beijei seus olhos que choravam sem escândalo. Ela percebeu pelo meu short a urgência, me apertou de leve, me deu um beijo e se virou para dormir de conchinha. Aninhou sua bunda fundamental de modo que a minha urgência ficasse bem feliz entre suas maçãs sob o lençol, sob o short, ante a sua calcinha. Usava o meu braço direito feito bicho de pelúcia e não disse boa noite, amor naquela vez. "Obrigada por me amar". Eu quase chorei.

De repente, ela desatou a rir diante da narrativa da trepada de Claudiane. Ria e me olhava. Eu não entendia nada e cada vez entendia menos. "Ela me disse que não quer mais o namorado porque ele não sabe comer o cu dela! Viciou a Claudinha, o safado!" e ria. Resolvi arriscar e acompanhei sua instantânea felicidade naquela manhã, ela era mulher mais linda do mundo quando queria. Ela jamais poderia saber que vê-la sorrindo com o pedaço de pão na mão me cortou em pedaços mil de arrependimento e tristeza e meu riso foi na verdade pranto. Ela se levantou e veio sentar no meu colo, me cobriu de beijos. E perguntou se era eu o carioca que havia viciado Claudiane em sexo anal. Você não vai me dizer que também negaria? A cozinha foi pouco para aquela manhã. O quarto foi pouco para a tarde. Ela destilava em meus ouvidos crimes que a prima a descrevera, eu os reproduzia em seu corpo. E depois tivemos que inventar mais pecados.

A prática, meu bem, a prática.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Evolução

Não se espantem, este é mesmo o terceiro dogma escrito e publicado num mesmo dia. Também não me julguem achando que não tenho nada para fazer no trabalho. Não é verdade. Além de escrever bastante rápido (o que não é a mesma coisa do que escrever bastante bem), percebi que fiquei muito tempo sem atualizar isso aqui e resolvi compensar com mais de uma besteira. No caso, mais de duas.

Além disso, esta última história tem sua relevância para entender o ser-humano e para explicar como me tornei um homem evoluído. Vindo para o trabalho hoje, quase tomei um tiro. Passava por um dos túneis da Linha Amarela, andando devagar pela direita e ouvindo Chico. Conhecem "Eu te amo"? Sabem "Como, se nos amamos feito dois pagãos/Meus seios ainda estão em tuas mãos/Me explica com que cara eu vou sair"? Não é momento para se estressar, definitivamente.

Não andava como uma lesma. Estava a uns 100 km/h. E na pista da direita, repito. Mesmo assim, um imbecil grudou na minha traseira, piscou os faróis e insistiu que eu saísse para que ele ultrapassasse. Foi demais. A pista correta para ultrapassagens, como todos sabem, é a da esquerda. Aquele infeliz forçando a barra pela direita definitivamente não fazia sentido e eu não cedi, obviamente.

Não saí da direita, não dei passagem e ainda coloquei o braço para fora, apontando a pista da esquerda como a correta para aquele tipo de atitude estúpida e fiz um sinal feio com o dedo médio. Maldito André e sua intempestividade. O infeliz me ultrapassou pela pista do meio, fez sinais não mais honrosos para mim e ainda fechou meu carro. Não sei se ele pretendia provocar um acidente ou apenas me assustar. Sei que definitivamente nada adiantou. Não me assusto com facilidade e dirijo muito bem para um idiota me fazer bater de carro.

Ele, porém, prosseguiu com as gracinhas até o pedágio. Lá, parou o carro em frente ao meu, na pista do passe expresso, local de onde não era possível fugir. Havia um guarda municipal no local, o que me deu certa tranqüilidade. Quando estamos certos, não costumamos temer represálias oficiais. O sujeito falou qualquer coisa para o guarda, saltou do carro e veio em minha direção.

Esses segundos duram em média milésimos de segundos. Eu tenho uma certa vantagem em relação a outrem de estar preparado para surpresas durante a vida. É isso, pelo menos, o que eu laureio por aí. Deve-se pensar rápido para não se fazer besteiras, ensinavam os Dons no São Bento. Na minha profissão, então, é importante estar preparado para respostas e atitudes de todo tipo, a fim de não ser enganado. A única pessoa que consegue me surpreender, aliás, é minha namorada. Não vou dizer se negativa ou positivamente porque não quero arrumar confusão.

O que quero dizer mesmo é que o sujeito me ameaçou, perguntou qual minha moral para xingá-lo com o dedo médio e disse que eu deveria tomar cuidado para não morrer. Sua camisa era larga e parecia haver algum volume.

Nessa situação, normalmente eu sairia do carro e deflagraria uma discussão que, possivelmente, terminaria com dois trogloditas rolando no chão. Mas me contive. Muito pela possibilidade de ele estar armado, muito pela falta de necessidade de um ato de afirmação machista.

Assim, eu apenas o lembrei de que ele estava correndo demais na pista da direita, mas pedi desculpas pelo meu gesto. A maturidade me trouxe humildade e consegui conter meu orgulho.

O guarda, depois, veio dizer que o sujeito estava um pouco alterado e que eu deveria relevar. O cara, provavelmente, era policial. Retratos de uma cidade onde pessoas agem sem pensar, brigam, atiram e fazem suas leis. Eu, pelo menos, me senti superior.

Não há dogmas reais ou Como espantar caretas desse blog?

Eu odeio gente careta. Certa vez inventei, para um amigo que recentemente havia largado a batina, que havia dado o rabo na noite anterior. Ei, Lucas, eu dei o rabo ontem à noite, dei para o João. Lembra do João? Não acha que fiz muito bem?

Lucas ficou chocado, como imaginava. E eu acho mesmo que há situações em que devemos chocar os outros, com o objetivo de trazê-los mais para próximo da realidade. Ele desligou e disse que iria rezar por mim. Vou oferecer minhas preces para você, André, para que você reencontre Deus. Ele ainda ligou para o João que, malandro, confirmou a história.

Mas Deus não tinha nada a ver com o fato de eu dar ou não o rabo. Eu sentia a dor, o problema era meu, portanto. Assumir a passividade no sexo anal, naquele caso, foi a forma que encontrei para espantar a caretice de Lucas. Não sei se ele melhorou, mas sei que parou de me procurar até que eu desmentisse a história. Porém, até hoje, quando nos encontramos, ele fala que não acredita em desmentidos.

Com o objetivo de espantar a caretice, adoro falar para familiares ingênuos que determinadas pessoas, preferencialmente as de comportamento ilibado, usam drogas usualmente. Mas não tem nada demais, mãe, o Matheus cheira uma carreirinha só por diversão. Deus, nestes casos, também é evocado com palavras. Esquece-se que mais uma vez Ele nada tem a ver com isso e que ninguém tem o direito de evocar Deus.

Os caretas têm essa mania de reclamar de drogas. Eu, que quase nunca sou careta, não tenho problema algum com drogas, apesar de não as usar muito. Um amigo, Marcos, certa vez me ofereceu umas bolinhas coloridas dizendo que daria uma baita onda. Recusei. Porra, André, você é muito careta, cara, precisa se liberar mais. Mas eu encho a cara, faço minhas merdas e pouco tenho pudores, Marcos. Será que sou tão careta assim?

As bolinhas de Marcos, a carreirinha de Matheus, a confirmação de João e o espanto de Lucas são a maior prova que consigo lidar com distintas personalidades, sem me espantar. Até aceito os caretas na minha vida, com o mesmo afeto que aceito os ditos "modernos" (uma praga pior que os caretas, garanto). Só que não os quero aqui, no Inventando Dogmas. Eles nunca me entenderiam.

Reciprocidade, expectativa e hipocrisia

Cheguei de viagem e o que mais queria era vê-la. Poderia ficar horas apenas observando sua boca semi-aberta e ouvindo sua respiração ofegante enquanto dormia, como já havia feito tantas vezes. Bastava que ela estivesse próxima e acessível, que eu me daria por satisfeito. Não pedia reciprocidade. Nunca pedi.

Poderia até chover torrencialmente e eu ter que me aventurar com água até o joelho pelas ruas do Rio, que estaria tudo bem. Aprendi que é muito mais divertido pensar no momento que se vai encontrar novamente alguém do que no trabalho maravilhoso que se pretende fazer. Empregos passam e podem ser substituídos. Pessoas não. Assim, meu trabalho se tornou irritante e dia após dia mal espero a hora de ir embora.

Mas nem sempre as coisas acontecem como planejamos. O grande problema da expectativa é, lógico, a possibilidade de ela não se concretizar. A gente quer alguma coisa, pensa nela o tempo todo e na hora H, merda, nada feito. Eu, instável pra cacete, sei bem o que é isso.

Acreditem, sou o tipo de sujeito que pode ficar horas parado na frente de um lugar, em troca apenas de um instante próximo a alguém. O problema começa quando este instante que, para um foi um sacrifício, para o outro não tem a menor importância. Tudo bem, tudo bem, deixo vocês me acusarem de hipócrita: às vezes a reciprocidade é bacana, sim.

Assim, eu ter querido vê-la depois de chegar de viagem pareceu não ter surtido efeito algum. Acho que faltou comprar um presente. Talvez flores, talvez crisântemos. Ou, talvez, tal como aqueles caras que iam para a guerra e ficavam anos fora, eu tenha voltado cedo demais de uma viagem cujo retorno não era mais esperado.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Cadeia alimentar

Relido meus últimos dogmas, triste conclusão: foram todos muitos ruins. O pior é que ando num bloqueio criativo impressionante, sem idéias para começar uma simples história. Antes dessa confissão, pensei na alternativa de me aventurar pela poesia, mas não escrevo versos há três ou mais anos e não quero passar vergonha. E nem eram interessantes, dignos de publicação, garanto:

A samambaia foi comida pelo gafanhoto,
Que foi comido pelo sapo,
Que foi comido pelo lagarto,
Que foi comido pelo lobo,
Que foi comido pela cobra,
Que foi comida pelo homem,
Que foi comido pela leoa africana.
Pobre leoa, comeu logo o homem!
Teve indigestão
E morreu.

Escrevi esse em 1995. E eu era uma criança em 1995, vocês têm que entender. Achava o comunismo o máximo ao mesmo tempo em que me sentia tentado por uma vida religiosa. Tinha espinhas na cara e só não me masturbava todos os dias porque um monge me perguntava se eu havia pecado contra a castidade semanalmente. Sim, pecava, mas me arrependia, caralho. Só que o arrependimento era inútil e o Dom abaixava a cabeça e lamentava com os olhos. Um dos maiores traumas da minha adolescência foi justamente não poder me masturbar sem culpa e com prazer.

Desde aquela época, como os versos acima podem mostrar, eu já tinha uma certa intolerância com o ser-humano. Uma intolerância hipócrita, lógico. Não era possível julgar meus pares da pior forma possível enquanto me considerava quase perfeito. Se me perguntassem na época minhas qualidades, cravava sedutor e perspicaz. Humilde, jamais.

Já a humanidade era considerada por mim o maior erro divino. Porém, entendam, eu acreditava na infalibilidade de Deus. Como o homem poderia ser mau se havia sido criado a Sua imagem e semelhança? Seria pecado duvidar da fôrma. Meus poucos pesadelos na época eram todos a respeito desses paradoxos que eu mesmo criei: homem x André; homem x Deus.

Apenas como informação de pouca relevância, os sonhos eram todos recheados de belas mulheres, com Juliete Binoche sendo a recordista de aparições. Acho até que já escrevi aqui, em forma de dogma, sobre as retas paralelas que eu imaginava serem formadas entre os bicos de seus seios e seu nariz empinado. Retas paralelas, ha. Intolerante, religioso, convencido e nerd. Deveria ser bastante difícil encontrar alguém que gostasse de mim realmente.

Mas eu deixei esses quatro adjetivos de lado na vida adulta. Sou cada vez mais condescendente com os erros alheios, menos suscetível a crenças, mais incrédulo quanto a meu potencial e menos viciado em rpg, internet e congêneres (apesar de escrever regularmente num blog e ter aceitado recentemente colaborar com outro).

Quem me conhece além dos meus dogmas vai duvidar desta humildade laureada, eu sei. Para estes, um conselho e um pedido: não achem, como eu já achei, que somos melhores que outrem. Sempre me coloquei noutro canto da cadeia alimentar. Mas sabem aquela música sofrível da Pitty que diz "quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra"? Pois é mais ou menos por aí. E eu ainda tenho a impressão que foi Outra Pessoa que escreveu esses versos.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Charles, Camilla, Harry.

"Harry, como você consegue andar por aí com essa coisa horrível amarrada em seu braço?"

"Eu iria te perguntar o mesmo."

segunda-feira, janeiro 23, 2006

X

O leitor mais apercebido deve ter notado que há um certo excesso de mulheres que esperam do protagonista um retorno sentimental nessa epopéia toda. Luana, Adèle, Paola. A namorada, a ex, a puta. Adèle, bem verdade, já estava na América, o coração cicatrizado, o corpo ausente. Sobram Luana, que amava, ou pretendia amar a mim e Paola, que nem queria falar de amor, o tempo urgia, vamos gozar antes de morrer. Eu me ressentia, todo aquele teatro armado por vezes não era agradável na hora do banho, logo após eu acordar, quando o telefone tocava diante de Luana. Poderia ser uma das duas, apesar de que quase nunca era ninguém importante.

Mulheres podem até parecer, mas jamais são sonsas. Elas sabem, meu amigo, reconhecem e esperam o momento oportuno para encruzilhar você. Adèle quis se despedir de mim ainda no Rio, telefonou e perguntou onde eu estava e apareceu. Não estava mais de terno, não havia mais a valsa e eu ainda era o ex-namorado que terminou tudo e foi morar milhares de quilômetros além dela e de seu amor, tão mudo outrora. Seus olhos cegavam a minha fala. Mas sua fala me dizia que estava indo embora do país por um tempo para tentar voltar um dia e encontrar a cidade sem meus vícios espalhados por ela. Não foi gracioso ouvir, não tentei retrucar. Aí disse que não queria ir, assim como eu não precisava estar tão longe. Foi quando o telefone tocou, o celular, e era Paola. Não atendi, mas ela percebeu o motivo. Adèle então desatou num choro miúdo e me transformou no pior dos homens. "Custava você deixar eu te amar mais um pouco?", ela chorava e foi assim a despedida. Ao final do dia, ela estava decolando.

Luana vasculhava sempre o meu celular, como quem não queria nada. Eu deixava, como quem não tinha nada a temer. Ela parava em nomes femininos eventuais e perguntava, porque alguns calhavam de repetir. Há muitas jornalistas na cidade, eu dizia, a gente se fala para trocar informação. Ela não acreditava em nenhum som daquela resposta, mas fazia que sim. Continuava a bisbilhotar, mantinha a esperança de me subjugar pelos meus crimes. Ela franzia o cenho, suas mãos se impacientavam, ela era linda demais para essa cidade. Meus olhos não cansavam de percorrer seus perímetros, de desejar aquela mulher, aquela cidade toda dentro dela. Ela um dia largou o telefone e disse que simplesmente sabia que eu não havia tomado jeito. Neguei, como não? Jurou que eu dia iria me pegar, entre irônica e enraivada. Continuei na negativa, ela continuou com a pulga atrás da orelha. Eu já disse, citando um provável bêbado dessas sarjetas da vida, o pior inimigo do homem é uma mulher enganada.

Um dia, vejam só, Paola cismou que devia passar um domingo comigo, no meu apartamento. "Eu queria cozinhar teu almoço", ela dissimulava. Ela me dizia essas palavras com um sorriso de mãe e a cabeça do meu pau me impedindo de ver seu nariz. De onde teria vindo aquele súbito desejo de cozinhar para mim, ela que nunca nem havia me oferecido nem cigarro nos silêncios e entreatos? Vi ali algo mais, algo mau. Ela mencionou como se não fosse nada adverso, como se meus domingos fossem algo a seu alcance, tal como a sua língua que me adiava resposta ou, melhor, induzia, porque ela sabia como poucas me fazer repetir a palavra sim em alto e bom som se necessário fosse. E me fodeu com ganância naquela vez, sem olhar hora e me olhando nos olhos. De dar medo. Ao final, se aninhou no resto que deixara de mim se decompondo em meio a suor e dúvidas e voltou a falar de domingo. Eu disse que talvez, gostava dos domingos para ler meus livros de tarde entre um cochilo e um jogo na tevê. "E eu achando que você era diferente do restante que me come pra esvaziar a porra do saco" foi a resposta. E ela não tocou mais no assunto.

Havia uma tensão sobre a minha existência, feito as nuvens carregadas no céu da cidade com a chuva acumulada daqueles suores tropicais. Uma hora haveria de desabar a tormenta, destelhar as farsas, fazer vir à tona as mentiras. Eu sabia o tempo todo que não tinha como acabar bem. E tudo o que eu fazia era beijá-las diferente, aqueles corpos, aquelas verdades que me custariam partes significativas de mim. Eu as beijava para ser devidamente apedrejado quando fosse a hora.

No tal domingo, Luana me acordou com o toque da campainha. Quis me fazer uma surpresa e fazer um almoço para nós dois. Ela estava linda, sempre estava linda. O almoço demorou a sair e quase virou janta. Eu lutava contra o tempo, uma derrota anunciada desde o início do jogo.

O tempo, meu bem, o tempo.

Delírios pornográficos II

Recentemente aprendi a técnica do shibari. Foi uma amiga, daquelas que costuma ocupar um espaço além do lado a lado no sofá, que me ensinou. Ela havia viajado para o Japão a trabalho, conheceu um velho japa tarado e, pronto, aprendeu o tal shibari. O telefonema, com o relato e o convite, é digno de nota:

- André, amigo, sentiu minha falta? A gente precisa se ver. Com urgência. Um japonês, Kenjiro, de uns 60 anos, me ensinou mais sobre sexo do que você jamais poderia imaginar para um conto. Até agora não consigo me controlar.

Minha amiga é um pouco afetada e, não por menos, desconfiei da potencialidade do tal ensinamento. Até porque meus contos são inventivos demais e minha imaginação é incontrolável, tanto para o bem, quanto para o mal. Fui conferir incrédulo, pensando mais no sexo habitual que compartilhávamos há anos do que na dita cuja novidade.

Admito que o shibari me conquistou. Ela me mostrou livros, cordas, posições. Inicialmente pensei em se tratar de mais um bondage requintado. Que nada. As posições do shibari são o melhor que se pode conseguir em níveis de excitação entre um homem e uma mulher. Para alguém como eu que nunca deu muita bola para o sexo psicológico, garanto que o shibari vai muito além da observação e da submissão.

A técnica se originou no Japão feudal. Cada clã dominava uma forma de shibari que era passada apenas para descendentes. Era utilizado por samurais para imobilizar e punir prisioneiros até que, nos anos 60, passou por uma valorização erótica, com apresentações em teatros fechados para demonstrações.

As combinações de cordas e nós rende posições extremamente estéticas que valem muito mais do que qualquer brincadeira com algemas e correntes. A dorei (nome dado à mulher submetida ao shibari) fica exposta de uma forma surpreendente, mesmo quando pouco se mostra de seu corpo. O que mais impressiona é a imobilização de membros e a expressão de terror sexual que isso provoca às doreis.

As possibilidades do shibari, aliás, também são impressionantes. Eu e minha amiga, poucas semanas depois da descoberta, ainda estamos tentando reproduzir uma que consegue amarrar perna esquerda com braço direito deixando a bunda exposta. Não é fácil, acreditem.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

You can't hold me down

Andy, não te abandono. Apenas peço para alocar ali na coluna do lado um linkzinho simpático para minhas resmungarias. Do mais, abraço.

Dúvida de alguém que não matou Bia Falcão

Sério, gente, qual foi a última vez que vocês leram no jornal sobre um carro que desceu uma ribanceira ou bateu num ônibus ou bateu num poste e explodiu?

Aguardo respostas, porque eu nunca soube de nada parecido - e leio jornais todos os dias há um ano, pelo menos.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

"Se estrume vende mais que flor, vamos encher os jarros de merda."

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Caro André,

Que bom que as pessoas ainda insistem em ler o nosso blog, com tanta coisa mais interessante que há de haver a ser feito nessa vida. Que bom. Não que eu vá de deixar de escrever se ninguém mais virar pra mim e dizer algo a respeito das minhas elucubrações, mas sou humano feito qualquer um, gosto de saber que sou lido, mais ainda de saber que sou gostado. Modéstia é o caralho. Escrever só não me dá mais gosto do que trepar - trepar bem, sexo dos bons, não qualquer trepada.

Mas daí a gente começar a se policiar para não magoar olhos alheios, aí discordo. Claro, eu sei, a Josy é um doce de coco, um achado, uma pérola. Se ela se virasse pra mim e pedisse com biquinho pra eu não escrever mais frases do tipo "... ela gritou, a boca transbordando em esperma e baba e pediu pra ele gozar dentro de seu cu, seu glorioso cu, seu não mais tão apertado cu, seus não mais tão seu cu" eu tremeria. Porra. Mas seria um pedido injusto. É só ler o que a gente enuncia lá no subtítulo da página - As narrativas ficcionais aqui alocadas são exatamente o que parecem: ficção. Se as palavras incomodam, que se procure algo melhor. Há muito a ser lido no mundo, acreditem.

Já passei pela situação e sei que o estigma do "namorado que sabe escrever" pode ser sacal. Uma coisa é o namorado, outra é o escritor. São a mesma pessoa, mas não estão fazendo a mesma coisa. Como tenho uma tendência a escrever na primeira pessoa, é normal que o leitor imagine (e ainda mais num blog) que quase não há ficção na minha ficção. Você, leitor(a), pode achar o que bem entender, isso não me compete avaliar. Só não pode entrar numas de que realmente pego minha rotina aqui e batizo de ficção, porque não dá pra ser assim. Coletar elementos do dia-a-dia é uma coisa, transcrever minha rotina (sonífera, acreditem) é outra completamente diferente. Minha vida quero guardar pra mim. Minha ficção eu gosto de mostrar pra vocês.

Daí eu implicar com quem acha que, por exemplo, Luana, Nina, Paola, etc. já passaram pela minha cama. Implicar com a tendência a relações auto-destrutivas e cínicas das minhas personagens. Implicar com a quantidade de excreções e palavras chulas. Se você não acredita que eu invente as coisas ou não gosta do modo como coloco tudo no papel, veja bem, você não gosta do que eu escrevo. Não quer dizer que você não goste de mim, não é ofensa, não é nada. Eu provavelmente irei morrer sem que um mísero daqueles bilhões de chineses possam me ler porque duvido que algum dia eu seja traduzido para o mandarim. Nunca perdi uma horinha de sono por conta disso.

Ademais, as atrizes pornôs namoram, têm filhos e pais. As putas, em sua maioria, têm um namorado. Nenhuma delas deixa de fingir seu gozo na hora do vamos ver. Somos todos profissionais aqui. Se elas fecham os olhos e pensam em seus respectivos pra enganar a gente, não há como saber. Se usamos a ficção pra atiçar a realidade, a graça só existe se for feito em segredo. Escrevemos porque precisamos escrever. Escrevemos como precisamos escrever.

Relaxe, André. Essas moças são confusas (hormônios demais), mas espertas e malandras. Elas sabem muito bem o que lêem.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Uma história de adultério

Numa história de adultério são necessários apenas três personagens e nada além deles importa, a não ser que o escritor faça do adúltero um pervertido com várias consortes. Pode-se, ainda, usar sogra, cunhado, amigo etc, mas esses são inseridos no texto como um sofá e uma geladeira, só para encher mais páginas. Não se preocupem, então, que nesta história de adultério, a que vou descrever abaixo, não vou perder tempo relatando detalhes do ambiente, garanto.

Mesmo quando não se fala sobre um dos três personagens, ele está lá. Na história de adultério que vou descrever, só vou usar um dos personagens, mas o leitor vai identificar com clareza os outros dois, sem dúvida. Porque num adultério, as personalidades dos outros dois movem a ação daquele que sobrou, não tem jeito. É um triângulo confuso, cheio de medianas, bissetrizes e mediatrizes. Arrasta-se um vértice mais para a direita e a o ângulo dos outros é modificado.

Importante esclarecer que, numa história de adultério, antagonista é sempre o adúltero e protagonista sempre é a mulher ou o homem traído. E não sejam tolos em achar que faço juízo de valor - esperem mais de mim, por favor. Só que é da dor dos traídos que são gerados tensões e sofrimentos necessários para aproximar o leitor da história. Apesar disso, leitores e escritores, em sua grande maioria, sempre dão mais atenção e carinho às ações do antagonista. A transgressão atrai e comprova o que eu sempre digo: o ser-humano não presta.

Aos amantes cabe sempre o papel do tritagonista numa história de adultério. Por mais interessante que possa ser a personagem, as motivações passionais ou eróticas dos amantes nunca são mais importantes do que sofrimentos e catarses de protagonistas e antagonistas. Mesmo quando o tritagonista age e tem fundamental importância na decisão do antagonista para se tornar um adúltero, é este, o adúltero, o responsável pela traição. O amante é apenas um caminho, existe porque é necessário para o adultério, mas sua relevância é terciária. Ele pode até se envolver amorosamente e sofrer pelo adúltero, mas seu envolvimento viria depois do da pessoa traída e teria uma importância menor para a história.

O adultério básico pode ser dividido em quatro fases: dúvida, traição, dúvida e (não) arrependimento. O antagonista sempre fica em dúvida antes de trair e sempre fica em dúvida, também, antes de confirmar suas ações e não se arrepender ou de arrepender-se e interromper suas ações. Se não há dúvida, o casamento está findo e a história, em vez de ser uma de adultério, é apenas sobre a mediocridade de um casal que não toma atitudes em relação a sua situação. Ah, protagonista e tritagonista também têm dúvidas, acreditem.

E é em cima de dúvidas que descrevo um adultério onde só um dos personagens é necessário para a história. Uma história real e curta, aliás:

""Sempre achei que o adultério seria mais necessidade do que crueldade. Mesmo assim, consciente disso, mantive-me fiel por sete ou oito anos, talvez por acreditar naquele amor, talvez porque o sexo me satisfazia plenamente. Assim, só comecei a me relacionar com outra pessoa depois que percebi que aquele era o único caminho para a felicidade. Mas rogo por um fim".

Era como se eu estivesse numa igreja novamente, com os sinos tocando para a missa de domingo. Mas não havia ninguém comigo. Olhava para os lados e só via cadeiras e mesas vazias. Às vezes aparecia um ou outro garçom, mas era como se eles não existissem. Li o bilhete pela sétima vez ali, sentado, alheio ao mundo. Queria fugir de uma vida agonizante, que cada vez mais eu tinha a certeza que não poderia ser a minha. Tomei um chope para tomar uma decisão. Eu tinha encontrado com ela na noite anterior e mal pude olhar para sua cara. Saí com o bilhete de casa hoje pensando no que fazer. Não agüentava mais esperar que alguém resolvesse aquilo por mim, que alguém desse um rumo para minha vida. De todas as perguntas que eu fazia, a mais importante era entender a motivação para o adultério. O que leva alguém a cometer adultério?"

domingo, janeiro 08, 2006

Possibilidades

Caro Leandro,

Descobri por acaso que há uma pequena chance de uma de minhas cunhadas ser leitora de nosso blog. Duvido que seja assídua, mas talvez ela seja uma leitora esporádica, talvez escolha apenas os posts com títulos mais sugestivos como "A pornografia deixada de lado pela ternura" ou algum de meus "Delírios pornográficos". Não, não ache, amigo, que uma de minhas cunhadas goste demais de saliências. Vamos manter o respeito. É que, talvez, e apenas talvez, o comportamento sem pudores de seu cunhado chame sua atenção. Se eu tivesse uma irmã mais nova, meu cunhado estaria fudido, garanto.

Desde que descobri que meu irmão mais velho vem no meu blog, comecei a tomar cuidado com as coisas que escrevo. É lógico que tudo não passa de ficção, sabemos bem disso, mas semelhanças com a realidade podem causar confusão na cabeça daqueles que pouco conhecem o que se passa em nossas cabeças. Esse tipo de confusão, aliás, acontece também quando a irmã da minha cunhada escreve em seu blog que está aflita por não ter casado ainda. Medo, Leandro, medo.

Mais medo ainda em pensar que um dia sogra, sogro e um bando de lutadores de Krav Magá podem vir aqui conhecer nosso blog. Porra, uma vez, há uns dois anos, escrevi um texto relatando meu sonho de chegar em casa e pedir para minha esposa um sexo anal sem reclamações ou lubrificantes. Consegue imaginar o namorado da sua filha escrevendo isso, amigo? Duvido que o namoro continuasse por muito tempo.

Enfim, vou ter que parar de escrever sacanagem neste blog. Ou isso, ou termino o namoro. Qual opção é mais apropriada? Existe a possibilidade, ainda, de eu pedir para a cunhada não vir aqui em hipótese alguma. Mas, você sabe, estou cada vez mais paranóico e, na realidade, ela pode nunca ter lido um de nossos dogmas. E, se eu falar, vou acabar atiçando sua curiosidade. Melhor deixar quieto então.

Ah, caro Leandro, essa cunhada que talvez, e somente talvez, venha a nosso blog de vez em quando, é casada, oká? Portanto, comporte-se.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Mentiras

Eu nunca tive lá muito jeito para a sinceridade, sabe? Sempre inventei coisas e maquiei a verdade. Questionado, repetia "a verdade é uma mentira muito bem contada", dando o crédito à Emília, a bonequinha de pano. Uns amigos próximos, há dois ou três aniversários, até me presentearam com uma miniatura do Pinóquio, que guardo carinhosamente ao lado da minha cama.

Mas é dogma que eu sempre me arrependia depois, mesmo achando graça em determinados momentos. Há aquelas mentiras bobas, que não causam grandes danos e que, a princípio, não magoam outrem. O problema é a recorrência. E é nesses casos, os da recorrência, que elas perdem o status de bobas e se tornam nocivas. Pode-se mentir uma vez, ninguém perceber e bola para frente. Mas na primeira vez que se é pego na mentira, a confiança vai para o espaço e é foda retomá-la. Aprendi isso na prática, tanto de um lado, quanto de outro, portanto sei do que estou falando.

Não se enganem pensando que vou escrever agora que pretendo viver um 2006 livre das mentiras. Elas estão soltas no ar e, pintando a oportunidade, vou acabar catando uma coisa ou outra e mandando brasa. Mentir faz parte da minha vida há bastante tempo e uma ou outra já contada são difíceis demais para corrigir ou voltar atrás.

Só que eu realmente pretendo mentir menos. Nem que seja para quem realmente importa. Eu posso até mentir no trabalho, mas não posso mentir para minha namorada, por exemplo (não que eu minta para ela, mas sempre é importante deixar isso claro). Algumas mentiras causam determinados estragos impossíveis de serem consertados a curto prazo. E eu não quero mais um desses para minha vida. Nem de um lado, nem de outro.

Toda essa baboseira é para dizer que ontem à noite revi "A última tentação de Cristo". E a analogia do filme mostra como qualquer um pode ser afetado pela mentira. Até mesmo aqueles de quem se espera mais, como o sujeito do título. E esse é o mal da mentira. Espera-se muito de alguém e se decepciona quando descobre-se que este alguém mentiu. É assim na vida, foi assim no filme. E nem sempre, ao contrário do arrependimento de Cristo, é possível voltar atrás e reparar o erro.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

IX

Eu gostava de caminhar pelo Rio adormecido. Ainda gosto, é o único lugar onde me sinto em casa, onde tenho algumas certezas. Certezas idiotas e provavelmente não-concretizáveis, apesar de serem minhas verdades absolutas. Caminhar pela cidade após a maioria de sua população economicamente ativa ter se deitado sempre foi dos meus passatempos favoritos desde que o hábito de beber até mais tarde se apegou a mim, praticamente virando um cartão-postal do homem que tentava ser.

Caminhar por Belém era diferente. Não que fosse ruim, porque era bom, mas era diferente. As luzes brilhavam diferentes, o espaço nas ruas entre os carros eram diferentes, as pessoas nos bares ou nas janelas ou nas calçadas eram diferentes. O ar que eu respirava era outro. Eu era outro. A própria noite era outra, não era o Rio, não era São Paulo sem estrelas em seu céu, não era Belo Horizonte. E aquela era uma noite surpreendentemente fresca naquela cidade tão calorenta, tinha saído do cinema e não havia mais ônibus até minha rua naquela hora. Porém havia o Bar do Parque, que não fechava nunca.

Os garçons circulavam madrugantes, era dia de semana, poucos e heróicos fregueses naquela hora no lugar. Tratava-se de um quiosque estilo colonial onde um balconista tomava conta dos pedidos, dava algumas ordens aos garçons e providenciava cigarros, chicletes e afins. A cozinha ficava num subsolo da praça onde o bar se instalara, as mesas ficavam numa área elevada em relação à Praça da República, ao lado do Teatro da Paz. Abaixo dos fregueses, a cozinha, onde pedi ao Teixeira, meu garçom, um sanduíche de calabresa com mortadela e cebolinhas fritas. Um primor. Acendi o último de meus Luckies e deixei a Cerpa descer devagar.

O grande porém de eu morar em Belém era a minha preguiça em conhecer muita gente. Aquela coisa de você não criar muitas raízes numa cidade onde só se está a caminho de outra, porque, mais dia, menos dia, acabaria indo embora. Então, de vez em quando batia a carência absurda de ter uma amigo ou um desconhecido qualquer para falar sobre qualquer coisa, dividir uma ceveja, marcar um futebol. Só que já passava das onze da noite e eu não estava com paciência para mulher alguma. O jeito foi abrir um livro e esperar o sanduíche. Ler de noite sem paredes é uma experiência renovadora, altamente recomendável. Então, veio a surpresa. Teixeira assossegou-se perto de minha mesa e falou de lado, enquanto anotava qualquer coisa num bloco que "Fante bom é o de 1933". Para John Fante, grande escritor norte-americano, criador do imortal Arturo Gabriel Bandini, 1933 foi um ano ruim e digno de ser transformado em romance. Romance soberbo e lido por Teixeira, quem poderia imaginar. Eu estava no meio de "O Caminho de L.A." e concordei com o homem.

Eu lia Fante com um misto de admiração e inveja, porque tenho plena consciência de que minhas palavras nunca alcançarão aquele nível de rancor ou dedicação a uma mulher. Teixeira concordava, Fante amava e odiava além daquelas páginas, o homem era real, seus livros nos diziam algo sobre a incongruência de estarmos vivos e não aproveitarmos os dias. "Você veja, rapaz, a cidade está vazia e são apenas onze da noite. Cadê a vida das pessoas aqui?" Teixeira poderia apenas reclamar que o bar estava com movimento fraco, mas fez algo mais e eu concordei. A vida não acontece em silêncio, Belém merecia uns gritos. E ele foi trazer meu sanduíche. Voltei ao Fante, Bandini perseguia uma mulher por ruas e portos.

Já era tarde quando cheguei em casa e desabei na cama. Sozinho, meu bem, sozinho.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Escolhas e outras coisitas mais

Eu tinha algumas opções. Na dúvida, não escolhi nada e voltei a fumar depois de dois anos livre do cigarro. Fumo um atrás do outro, principalmente quando dirigindo. É uma praga, a porra do cigarro. A gente tenta largar de qualquer maneira, mas não há razão que nos faça tomar a decisão certa. Assim define-se o vício, acho.

Foi uma decisão estúpida, mas prometo parar de fumar na próxima semana. Só que eu sou especialista em prometer coisas novas para a próxima semana. O problema é que, quando chega a hora de cumprir a palavra, putz, vai tudo para o espaço. No caso do cigarro, todo momento em que me pego tendo que decidir alguma coisa, sinto vontade de fumar. E fumo, merda. Pensei que as coisas poderiam ser mais simples. Talvez realmente possam e eu goste de complicar.

Acho importante perder algumas linhas para explicar minha motivação para começar a fumar. Peguei um trabalho de três meses meio intenso, segunda a segunda, das 8h às 20h. Ficava com sono e descobri que o cigarro me mantinha acordado. Daí para frente, um abraço, virei fumante. Já li num lugar que só é possível dizer que se largou o cigarro depois de três anos livre do vício. Vou ter que esperar ao menos o fim de 2008, agora, para alcançar a paz.

Escrevi sobre fumo, decisões e promessas. Prometo decidir largar o fumo ou decido fumar para cumprir promessas ou fumo para decidir quais promessas cumprir? O jogo de palavras é divertido, faz efeito, mas não leva à nada. Promessas e decisões são substantivos inócuos, sem significado fora de um contexto. O cigarro, ao contrário, é nocivo sempre. Taí a prioridade.

Mas eu gosto de charuto, disso não tenho dúvida e disso eu não quero me livrar.