domingo, novembro 30, 2003

Senhores, entreguei a monografia. Nesse mês complicado de novembro, o Godinho não me decepcionou e foi mais eficaz do que eu, também entregando sua monografia e ainda tendo tempo para atualizar o blog. Dá-lhe, God!

O fato é que eu quero um 2004 diferente e, antes de tudo, eu tinha que me esforçar para me formar. O jornalismo me deu meu terceiro registro numa faculdade e acho que três é uma média boa para conseguir, ao menos, um diploma. Daqui para frente, estudar, só se for para um mestrado. É claro que ainda falta defender o projeto, mas a banca será composta por duas professoras e, apesar de fora de forma, acho que eu ainda consigo jogar um pouco de charme por aí para umas coroas acadêmicas.

Outra meta importante para o próximo ano é me tornar um Metrossexual, assim mesmo, com M maiúsculo. Porque o mundo moderno é deles, dos Metros, com seus ternos Armani e gravatas coloridas. São chiques, dizem. Certa vez, entrei numa Macy´s em Nova Iorque disposto a comprar um Armani preto, onipotente, que com certeza me faria parecer mais homem. Desisti pelo preço e voltei com um terno mais vagabundo mesmo - meus amigos, pobres ignorantes, nunca notariam a diferença. Formado e trabalhando, tenho certeza que conseguirei comprar um legítimo Armani para fazer par com minhas cuecas Calvin Klein. Assim, pelo menos um passo para a Metrossexualidade já estará dado.

E não se pode duvidar do poder desse novo gênero do século XXI. Outro dia, num boteco qualquer, eu com três caldeiretas na cabeça, um sujeito aparece e pede um chope garoto com "apenas um dedinho de colarinho". Depois, ainda acende um Marlboro Light. Papai, um português tradicional criado sob preceitos cristãos, não apostaria nenhum escudo na masculinidade do indivíduo. Mas você estaria errado, meu velho. Ao seu lado, do aparente gay bebendo garoto com pouco colarinho e fumando baixos teores, estava uma bela morena, extremamente bem vestida, daquelas para qual qualquer macho soltaria correndo um sonoro gostosa. Quer dizer, qualquer macho não. Os Metros, e tudo leva a crer que aquele era um exemplar da espécie, ao invés de elogiar os atributos divinos da bunda feminina, virariam a cara e ajeitariam o cabelo. Seu próprio, óbvio. Antigamente, uma mulher daquelas nunca sairia com um sujeito fumando Marlboro Light. Mas os Metros são diferentes. São sensíveis e entendidos em perfumes franceses, e elas só querem saber deles.

Perguntando para uma mulher com mais de 17 e menos de 40 anos o que lhe atrai num homem hoje em dia, ela com certeza dirá que é a bem resolvida feminilidade do sujeito. Se a resposta for diferente, deve ser lésbica, a Maria. Antigamente, era o contrário. Bons partidos usavam blusas abertas com os pêlos à mostra e tênis velhos, quiçá furados. Um Metro nunca usaria um calça rasgada, a não ser que ele já a comprasse assim. Estilo? Que nada, o visual vem do coração. São cabelos penteados em desordem, barbas mal-feitas que demoram dúzias de minutos para serem aparadas e Armanis cuidadosamente amarrotados.

Oká, você tem todo o direito de achar que eu, André Miranda, só estou mais uma vez querendo entrar na onda e ficar antenado com o que há de mais cool na atualidade. E eu sou vou dizer que nem todo mundo entende minha sensibilidade e nem ligarei para as críticas. um bom Metro, este não se importa mesmo com o que dizem dele.

segunda-feira, novembro 24, 2003

A mulher de branco pedia silêncio. E talvez fosse por aquilo que minha boca havia se calado diante da brancura do corredor, onde, atrás da parede que emoldurava a mulher com o dedo em riste sobre dois lábios silenciosos que dissimulavam um riso sádico meu avô morria. Eu não poderia saber então como sei agora que meu avô estaria morto e há poucos dias sonhei que ele estava vivo e só fui me dar conta do silêncio em que ele havia mergulhado atrás daquela parede minutos após despertar, e então gritei, atrasado, mas gritei.

Quem não estava em silêncio era minha mãe, mas não posso culpá-la, pois decerto nunca perdi um pai. Ela perdia o dela, o meu avô, sufocado numa parede de silêncio. Minha mãe gritava, minha mãe derramava lágrimas pelo branco chão, engolia calmantes que nunca iriam saber o que é ter um pai para perdê-lo logo após, o que dirá ver um avô silenciado. Meu pai tentava tranqüilizá-la, minha avó estava ainda a caminho.

Como deveria ser o dia da morte ante os olhos de alguém que sabe que irá morrer (todos nós nascemos sob essa condição, a de morrer mais cedo ou mais tarde) mas não desconfia que dali a algumas horas ou minutos? Meu avô, me disseram, havia sofrido um ataque cardíaco ou infarto agudo ou parada cardíaca, algo relacionado ao músculo cardíaco. Ele estava sozinho em casa quando aconteceu, os vizinhos ouviram um barulho no apartamento dele e foram ver o que havia ocorrido. Foi a vizinha do apartamento de baixo, Dona Lucíola, que sempre me dava doces no dia de São Cosme e Damião, quem chamou a ambulância pois bem lembrava que o coração de meu avô já estava cansado e havia parado outra vez, anos passados.

Ele devia ter acordado cedo como sempre fazia. Minha vó saía cedo de casa, duas vezes por semana passava o dia na casa da filha e outras duas vezes na casa do primogênito. Naquele dia, ela estava na casa de meu tio. Enquanto fazia a barba, talvez se recordasse de seus tempo de ponta de lança do Campo Grande Atlético Clube ou da cerimônia num hotel cinco estrelas de São Paulo onde ganhou um relógio de ouro como reconhecimento após décadas de competência a serviço do CEASA, na ocasião de sua aposentadoria. Ou, mais provavelmente, estaria relembrando de dias ou horas ou segundos que havia compartilhado com minha avó, a mulher que ele amava havia meia década. Besuntava o rosto de creme de barbear e deslizava a lâmina.

Algo dentro dele rebentou e doeu. Eu, na minha ingenuidade de quem desconhece o rosto da própria fatalidade, apenas posso imaginar que tenha doído por uma ligeira impressão comparativa. O coração, apesar de músculo como o bíceps, é irônico tal qual o encéfalo - pelo menos é o que nós, ocidentais, gostamos de acreditar. Quem não gosta de sentir o coração pulsar valente diante do ser amado, seja ele uma menina bonita, o rapaz prometido, um cachorro sardento ou uma réptil tartaruga? E eu lembro bem de sentir meu coração gelar quando, muito mais novo, fui abordado no meio da rua por um par de simpáticos assaltantes e dele silenciar junto com o restante do corpo naquela curva impossível que Petkovic desenhou com a bola no Maraca e deu o tri pro Mengão aos quarenta e cinco do segundo tempo. Meu avô, alvinegro como minha mãe, deve ter sentido algo doer, porque alguém vivo não se apaga como uma calculadora.

Não sou um daqueles que se entusiasma com a idéia de um filme em preto e branco em câmera lenta ao som de sua canção favorita passando ante suas vistas enquanto seu coração pára de bombear sangue oxigenado em direção a seus órgãos vitais, ainda que faça sentido o torpor provocar delírios e afins. Meu avô era alguém prático, foi um trabalhador durante toda a vida e gostava do Frank Sinatra. Ele deve ter pensado que não poderia entregar algo importante para um de seus filhos ou netos dali a algumas horas, ou talvez que minha vó estivesse longe demais para socorrê-lo. E acho muito difícil que o refrão de "New York, New York" tenha começado a ressonar das trombetas do Paraíso naquele momento de tensão e desespero e falta de ar. Foi então que seu corpo tombou, fez barulho e assustou os vizinhos.

Era um dia de semana, uma terça ou uma quarta, meu irmão caçula me tirou da cama com o telefone na mão e a notícia nos olhos. Meu pai havia ligado, estava a família se dirigindo ao hospital, algo de errado acontecera no peito de meu avô. Fui tomado por algo que eu não compreendia, e não compreendo bem até hoje. A certeza de que meu avô havia sido feliz, que encontrara uma mulher que o amava e tivera filhos que lhe deram netos e outras alegrias me dizia que a morte era apenas a parte final da vida, muito mais dolorosa para quem a vê do quem a vive. Então veio aquele branco e aquele silêncio e meu avô morreu.

sexta-feira, novembro 21, 2003

Um Minutinho de (Contra)Cultura!

Durante 1967 os americanos consumiram cerca de 360.000 kg de barbitúricos - e mais ou menos dez bilhões de de comprimidos de anfetaminas - para contrabalnçar os barbitúricos.

Que americanos são esses? Freaks, hippies, grateful deads? Não, "o maior grupo dessa população cada vez mais dependente das drogas era formado não por adolescentes rebeldes, mas por mulheres idosas que necessitavam de auxílio para dormir e acalmar os nervos."
(Dica para vocês: tem um filme chamado "Réquiem Para Um Sonho" na locadora mais próxima de sua casa)

Francamente, deixem a Luana apertar e acender o dela em paz. Se ela aparecese no programa do Jô com uma camiseta decotada onde se lesse "Experimenta! Experimenta! Experimenta!" com sotaque paulistano e tudo mais, ela ganharia dinheiro. Como deu uma entrevista para um jornal vestindo um brinco ornamentado em forma de folha de cânhamo, ganhou voz de prisão.

Fonte para os americanos doidões: ROSZAK, Theodore. A Contracultura. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1972, p. 174.

quinta-feira, novembro 20, 2003

- Amor?
- (...)
- Amor... você já dormiu?
- Já, meu bem... dorme também, é tarde.
- Eu estou sem sono... e depois estava pensando nos últimos versos que você me escreveu.
- Poesia a essa hora, Catalina? Vá dormir, poesia não vai te levar a lugar nenhum.
- Acorda, amor, senão você vai ter um pesadelo agora.
- Pára de cutucar, Catalina. Você não vai deitar mesmo?
- Quero que você explique aqueles últimos versos.
- Ai, Senhor... não tem o que explicar,está tudo escrito.
- Mas o que você quis dizer pra mim?
- Não quis dizer nada, eu simplesmente disse. E os versos não foram pra você, deixe de ser convencida. Os versos são meus, e cada um os lê do jeito que melhor entende. Aliás, fariam melhor coisa se os ignorassem.
- Anh, não fale assim que eu não gosto. Você escreve tão bem... diz pra mim, pôxa, eram versos tão bacanas, sei lá, quase chorei quando li.
- Bom, pelo menos você já conseguiu acabar com meu sono. Vem cá, me dá um beijo que você vai entender porque escrevo tanta porcaria.
- Sossega, Fábio, sossega... ai, não, não vou... tira a mão daí... me fala dos versos.
- Caralho, também não precisava do tapa. Puts, que versos são esses, aliás?
- É lógico que você sabe que versos são esses. Foi você quem os escreveu.
- Sabia que a gente escreve pra poder esquecer depois? Funciona assim: a gente põe no papel e depois pode pensar em algo de útil. Ou algo mais bonito. E eu não lembro da poesia, agora.
- Mas EU lembro.
- Parabéns, Flipper.
- Ai, outro tapa. Porra, você me acorda às três da manhã, não quer me dar e ainda me bate? Qual o seu problema, Catalina?
- O problema é você, Fábio. Pôxa, pára de ficar enrolando. Você escreveu um poema e entitulou "Rosa dos Ventos". Você SABE que minha cor preferida é rosa, porque minha mãe se chama Rosa e morreu quando era era pequena ainda. E ainda colocou no fim (suspiro, fecha os olhos) "pois meus olhos surdos sem direção só sabem...
- ... seguir na cegueira rosalinda de seus vendavais."
- Viu só como você lembrava? Que lindo, amor, que lindo! Agora, me diz o que você queria dizer pra mim, eu achei muito lindo. Ei, não ligue a tevê agora!
- Você devia levar poesia menos a sério. E dormir mais à noite. Não quis dizer nada, foi só uma frase que passou na minha cabeça e eu achei que seria bacana pra fechar o poema.
- Mas você nem pensou em mim quando escrevia o poema?
- Que diferença faz? Você gostou dele de qualquer jeito.
- Pensou ou não?
- Veja bem, eu escrevo sobre aquilo que sinto, ou gosto, ou não entendo. Ih, alá, um show do Jane’s Addiction passando!
- Desligue essa coisa e me responda, Fábio.
- Já respondi. Escrevo sobre aquilo que sinto, ou gosto, ou não entendo. Eu sinto você perto de mim, gosto muito de você e não entendo nada disso que acontece conosco.
- Era uma poesia pra mim então, amor?!
- Era uma poesia, apenas.
- Mas eu era a Rosa dos Ventos?
- Que fissura, hein, coração? Acho que sim, pode ser, ficou feliz agora? Posso ver meu Jane's Addiction em paz?
- Ai, que lindo! Eu sabia! Rosalinda! Vou te encher de beijos, seu bobalhão.

Beijos, muitos beijos, Fábio ri e tenta ver o show na tevê. Catalina se aninha perto dele e dorme. Passa-se meia hora.

- Amor.
- O que é agora, Catalina?
- Desliga a tevê... vem brincar um pouco comigo, vem...
- Agora, não, agora eu quero ver o fim do show.
- Ai, amor... vem pra mim...
- Vá dormir, rosalinda. Vá dormir.
- Não disse que a poesia era pra mim?
- Puta que pariu. Desisto da poesia.

Se foram felizes para sempre ainda é meio cedo para se dizer. Mas que Fábio e sua Catalina rosalinda aproveitaram a guitarra de Dave Navarro para dormirem melhor o resto de noite que restava em silêncio e estrelas cadentes, não tenho dúvidas. O vizinho insone deles que o diga.

O mundo funciona assim, amores. Uma mão lavando a outra.

terça-feira, novembro 18, 2003

Abre parênteses.

Para se falar do rock, mesmo que o foco seja o seu espírito contestador, há que se considerar o fato de que ele sempre esteve ligado à indústria fonográfica. Elvis, Beatles, Dylan, Gil e Clash não foram apenas artistas capazes de criar músicas notórias, eles foram também produtos que geraram retornos satisfatórios para as suas gravadoras e empresários. A questão de que talvez seja o rock uma contracultura de massa passa por esta constatação – os artistas que mais impacto tiveram sobre a sociedade com a sua música e suas atitudes também foram os artistas que melhor retornaram os investimentos feitos pela indústria cultural no desenvolvimento de um produto (o rock), pois ela, a indústria, é o canal de comunicação entre mensagem e receptor.

(...)

Uma das características da personalidade jovem do rock é a sua inserção no universo da cultura pop. É daí que temos o seu dinamismo, pois, enquanto produto cultural ele precisou de algum grau de adaptação às diversas gerações de consumidores e seus diferentes desejos. A diferença entre o franzino Buddy Holly e o satânico Marilyn Manson é menos musical do que comercial. A música de ambos deriva da mesma fonte; o rock e suas raízes no blues negro. Mesmo a mensagem de suas músicas, ainda que num primeiro momento sejamos levados a pensar o contrário, são semelhantes pois são dirigidas a um público bastante próximo entre si, a classe média jovem interessada em música. Do rapazola que pedia o carro emprestado ao pai para levar a garota que sentava do outro lado da sala de aula ao cinema até o jovem que espera noite adentro conectado à Internet que a menina com quem trocou e-mails numa sala de bate-papo virtual reapareça na tela digital o tempo só veio a acrescentar aos últimos mais informação, tatuagens e piercings. A diferenciação entre os artistas nasce em duas fontes principais: a maneira como o artista irá interpretar o rock (a sua subjetividade) e a forma como ele irá transformar sua interpretação em música (a sua objetividade). Portanto, ainda que Buddy Holly possa ter tido um gosto musical bastante semelhante ao de Marilyn Manson, a catálise que ambos fizeram para transformar suas subjetividades em objetividades foi certamente diferente, no que resultou em músicas que atingiram públicos semelhantes de formas dissonantes. A indústria cultural se interessa pela objetividade dos músicos e busca adaptá-la dentro de seus preceitos para alcançar o seu objetivo: máximo consumo.

Caralho, a minha monografia está ficando um tesão.

Fecha parênteses.

sábado, novembro 15, 2003

Abre parênteses.

O fato é que a sua [referência a Elvis] imagem de rebelde ficara no subconsciente juvenil. O rock passou a ter uma significação maior dentro da sociedade e não era mais apenas uma música de negros com conteúdo prejudicial à moral da América. Os discos de rock seriam exportados para o resto do mundo ocidental. Nos anos 60, os Beatles, os Rolling Stones e Bob Dylan reacenderiam a fagulha juvenil presente no rock e adicionariam a ela maior conteúdo através de letras onde havia poesia e cobranças mais firmes para o seu público. Graças a eles, o rock também mostrou-se um negócio cada vez mais milionário. A cena contracultural que atuava na América desde os anos 50, próximo objeto dessa análise, teria significativa influência para esses acontecimentos.

Porém, a juventude já havia encontrado o seu distintivo, como escreveu Eric Hobsbawn em sua biografia . E afinal, como diria uma canção punk já nos anos 90: "Algo me pareceu engraçado quando ficamos sem dinheiro / Onde você pode ir agora que só tem 15 anos? / Com a música tocando e o papo de revolução / Isso me toca, e segue adiante / Dê a elas o início, as raízes, os radicais ".

HOBSBAWN, E. Tempos Interessantes. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2002, p. 290.
"Something struck me funny when we ran out of money / Where do you go now when you're only 15? / With the music execution and the talk of revolution / It bleeds in me, and it goes / Give em the boot, the roots, the radicals". ARMSTRONG, T. ; FREEMAN, M. & FREDERIKSEN, L. Roots Radicals. Música do álbum ... And Out Come the Wolves. Rancid. Estados Unidos: Epitaph, 1996.

Minha monografia está ficando um tesão.

Fecha parênteses.

quinta-feira, novembro 13, 2003

ICH LIEBE DICH - PARTE 1

Deixou a poeira da manhã assentar na janela e só então abriu os olhos. Sem muita pressa, estava cansada, estava sozinha e, como diria a si mesma após o quinto copo, cansada de estar sozinha. A cama ainda cheirava a sono, e demorou-se nela respirando o travasseiro e tentando lembrar se o dia nascente era sábado ou domingo. Na última vez, vejam só, tratava-se de uma quarta-feira e ela chegou meia hora atrasada no escritório com a boca beijada de hortelã.

Volta e meia acontecia de amanhecer um rapaz seminu ao seu lado, uns mais benquistos do que outros, porém não era o caso hoje, e afinal ela andava menstruada demais para introduzir gaiatos seminais em sua cama. Brincadeira tem hora, bem dizia a sua avó. A última vez que praticou o sexo em dias rubros o garotão se desesperou ao perceber que sua camisinha cruz-maltina havia rompido e quase teve um abcesso ao vislumbrar seu mastro embebido em sangue e líquido vaginal. Garotos. Ainda por cima teve que jogar uma toalha fora e nem ao menos teve a ilusão de um orgasminho.

Em Brasília, segunda-feira, seis de outubro de dois mil e três, sete e quarenta e três da manhã. Você está ouvindo a CBN, a rádio que toca notícia. Desgraça, o final de semana havia acabado ontem de noite, logo havia percebido que o dia amanhecera realmente dia. Pôs-se de pé após suas pequenas conjecturas matinais, e deixou na cama os seus tempos de menina espreguiçadeira sem maiores compromissos que o nescau quentinho da mãe; de fato, mal lembrava se ainda tinha na despensa algum achocolatado para acompanhar o pão torrado com manteiga que ela precisava para iniciar o dia desde moleca.

O escritório ficava perto, longe ficava o seu coração. Bobo, porém poesia. O nescau quentinho do microondas empurrava para dentro o pão com manteiga e sem muito tempo passado, mais depressa que este período, ela já tomara o caminho da rua. Era um dia realmente quente, o último dia da primavera na cidade do Rio de Janeiro e alguns ônibus já se atreviam a transportar os banhistas da periferia e seus gritos e assobios, alguns dirigidos às pernas apressadas que a minissaia deixava em público ao passo em que o restante do corpo acionava um táxi, pois se o escritório ficava perto, as distâncias entre os minutos estavam sempre a se comprimir.

Após essa manhã como tantas outras, ela já não esperava por nada ímpar no restante das horas que somariam o dia, pagou a corrida e deixou o motorista ficar com o real de troco, pois havia sido rápido o suficiente para que ela chegasse ao ofício sem despertar a atenção de patrões e serviçais em virtude de aparecer diante deles num ângulo mais obtuso formado pelos ponteiros do relógio. Era nesse mundo em que ela passava a maior parte de seus dias entre telefonemas e telas de computador, com pessoas que davam mais valor a um certo desenho analógico ou digital que os relógios, suiçamente acertados no quase verão carioca, lhes mostravam do que a certas lágrimas ou felicidades que seus rostos, ainda demasiadamente humanos, teimavam em tentar ocultar. Ela já nem sentia a execução do trabalho, era apenas algo que deveria ser feito, como respirar, ou beber água, ou fumar um cigarro após o almoço. Ali no ofício, ela era uma a mais e todos formavam um só, embriagados na obrigação contratual de sobreviver e capitalizar.

Nossa pequena sobrevivia e capitalizava enquanto pensava na praia que estava dando e numa ponta que havia deixado na cabeceira da cama e poderia se tornar um pequeno problema, pois às vezes a faxineira realmente aparecia no dia combinado, quando, para a vossa algria, queridos leitores, algo aconteceu. Sim, após eu tanto enrolar e descrever ações de menor porte, alguma alma caridosa ligou para o celular dela, que vibrou sobre a mesa até que ela atendeu, intrigada, pois o número não aparecia no visor do aparelho.

E agora, Batman, quem poderá nos salvar? Confira a continuação aqui mesmo, no seu Inventando Dogmas, qualquer hora dessas que me der na telha! Porque se o André pode, o Leandro também pode!

quarta-feira, novembro 12, 2003

Porque o mundo é uma montanha de merda: se vamos movê-la é preciso que lhe metamos a mão.

Não fui eu quem escreveu isso. Foi um cara chamado Allen Ginsberg.

sábado, novembro 08, 2003

A última vez eu havia acordado e fui escovar os dentes. Ela dormia, devia ser sábado ou domingo, daqueles bem clichês com o sol azul e a tevê ligada na sala passando futebol. Ela dormia, eu brincava com a escova fazendo espuma na minha boca enquanto o Ronaldinho se livrava de dois zagueiros mas perdia a bola para o goleiro. A torcida suspirava coletivamente.

De volta à pia, cuspindo a espuma e fazendo um bochecho, pensava em duas coisas básicas: se deixava a barba continuar crescendo e o que aquela mulher ainda fazia dormindo na minha cama? Dez da manhã, eu de dentes limpos, o Ronaldinho já havia feito dois gols e ela dormindo. Na minha cama. A minha barba eu resolveria sem maiores problemas, afinal, ela era bem crescidinha mesmo e já havia se decidido na vida. Mas aquela mulher, ela precisava acordar pelo menos.

Espiei pela porta do quarto, ela ainda parecia bonita, na verdade, ela era ainda mais bonita enquanto dormia, mas eu nunca confessava esse pecado capital porque a gente se divertia bem mais quando acordados. Quando uma mulher ainda é bonita após passar dois anos dormindo na sua cama, dá o que pensar. Você se torna cúmplice de si mesmo, cúmplice do corpo dela, cúmplice. Quando ela acordasse, eu teria inventado tramóias que o sono dela não poderia perceber. E Deus sabia que eu até havia infringido dogmas de Sua santa madre igreja por culpa do sono dela.

A questão é que ela era bonita, por isso eu não me permitia despejá-la de minha cama. Pouco me importava a opinião dela sobre os filófosos realistas franceses, sobre Bob Dylan ou sobre a conclusão de Matrix, quando ela estava em minha cama ela era apenas bonita. Nem uma mulher bonita, mas apenas bonita, intransitiva e bonita. Mas aquela beleza toda estava me deixando inquieto aquela manhã. E eu não sabia onde havia deixado o vinil do Hendrix que servia para amenizar meus desassossegos matinais.

Comecei a tentar ver o que sustentava aquela beleza ninando na minha cama pela manhã. Raramente tínhamos assuntos para conversar que não fossem frivolidades diárias, descarregos de trabalho ou rinhas de relacionamento. Ela detestava minha gravata azul marinho, eu sempre sabia quando ela precisava convencer o chefe a partir do decote da blusa. O sexo era sexo, como o sexo de qualquer casal, cada um sabe trepar à sua maneira. De vez em quando, um de nós surpreendia o outro com novos truques, palmadas, beliscões, xingos, rosas e trufas. Sabia que ela usava um colarzinho com um crucifixo, mas nunca a vira rezando ou usando o santo nome em vão.

Que diabos eu havia visto naquele corpo bonito que jazia em minha cama havia já um par de anos para me meter nele? Será que ela já havia me dito algo interessante a ponto de me fazer pensar que outra mulher, por mais bonita que fosse e melhor trepasse, seria menos que ela? Provavelmente sim, mas começava a duvidar de mim, pois nada que ela tivesse me dito de interessante me vinha à tona. Ela iria acordar, e não seria tão bonita sem ter nada o que me dizer de interessante. Então jurei a mim mesmo que aquela seria a derradeira manhã: ou aquele diabo de mulher me explicava porque era tão bonita, ou ela teria que procurar outra cama para amanhecer sua beleza definitiva. Fui tomado por um alívio publicitário após proclamar meu ultimato. O sono dela jamais poderia desconfiar que era cúmplice de minha conspiração. Ronaldinho, limpou um, trombou com outro, tirou o goleiro da jogada com o olhar e gol, mais um gol brasileiro, meu povo.

Senti a cama se remexendo com ela. Estava acordada, já não era sem tempo. Escutei a porta do banheiro se mexendo e alguns ruídos primeiros do corpo dela. Passos caramelizados. Descarga. Torneira. Gargarejo. Passos de creme de leite. Ela surge na sala com o meu vinil do Hendrix numa das mãos. Pior, ela surge muito mais bonita do que eu havia julgado. Pede para eu colocar o disco na vitrola, tem uma música no lado B que eu gosto de te ver escutando com os olhos fechados. Então, senta-se ao meu lado e pergunta quanto estava o jogo.

Pus o disco na vitrola e desliguei o jogo na tevê. Cúmplice do corpo que ela recostava em mim, resolvi dar a ela mais uma semana de prazo. Não havia de ser tão complicado assim. Era uma sensação estranhamente boa vê-la de olhos fechados, quase dormindo, impossivelmente bonita enquanto a velha Stratocaster de Jimi extirpava de mim quaisquer desassossegos matinais. Fechei os olhos e sorri, eventualmente castelos feitos de areia escorriam para o mar.

Nossa, alguém ainda ainda vem aqui?

De qualquer modo, até o dia 28/11/2003 não contem muito com as palavras daqui. Estamos terminando monografia, e monografia dá trabalho.

Grato, parte da gerência.

ps: Não encham nosso saco. O CD novo do Strokes já saiu. Vão se divertir. E escrevam as suas próprias histórias.