sábado, agosto 05, 2006

Primeiro mês

Jane não sabia o que fazer. Porque não havia mais nada a ser feito e ela não sabia esperar. As horas demoram a passar para certas pessoas, pessoas como Jane que róem unhas nos trens, impacientam nas filas dos bancos, do leite, do pão. Jane não sabia o que fazer diante de tanto amor.

Não, não estamos tratando de romantismo barato. Estamos tratando do côncavo e do convexo, get it on, dolce far niente. Jane olhava o calendário, dia 17 de maio. Dali a um par de dias faria um mês e no dia 17 de junho já seriam dois os meses em que ela talvez estaria fora da regra. Estaria grávida. Jane palpitava em suspiros e excitação. Jane sempre quis ser mãe, o problema era o Mário, que nunca quis ser pai.

Mário este que sumiu diante de tanto amor.

Ele surgiu no início da festa, reapareceu quando a bebida estava prestes a faltar e na hora da valsa, se pôs disponível, olhar na pista, copo na mesa, estrelas no céu. Jane, já sabemos, não era de esperar e fez a hora acontecer. Mário concedeu a dança, uma carona e subiu porque a escada àquela hora era meio deserta, e Jane não estava certa de desafiar os lances vertiginosos com seu vestido longo e o cansaço do dia e da festa - e algumas taças de espumante.

Jane atacou Mário diante da porta ainda fechada. Planejou tudo quando a bebida ameaçou faltar. Um vizinho apareceu e reclamou do barulho e, logo em seguida, da indecência, da falta de respeito, da corrosão dos valores. Mário pediu desculpas enquanto ela girava a chave na fechadura, o riso mal-contido, a maquiagem borrada. Mário desconfiou e achou melhor tentar outro dia, talvez ela apenas estivesse bêbada e ele não gostava de interpretar o papel. Antes de terminar as desculpas, sentiu o roçar de dentes em sua glande e fez-se o homem que Jane desejou por algumas horas.

Mário não dormiu. Na verdade, esperou Jane dormir, sibilar e se pôs para fora daquele apartamento. Nas outras quatro vezes, apesar de diferentes prólogos, encenou o mesmo final. Jane estava apaixonada na manhã de 17 de abril. Mário, não sei, não deu para descobrir. Ao fechar a braguilha de seus jeans, calçou por instinto os sapatos enquanto as mãos buscavam seus Luckies no bolso do casaco. Foi quando percebeu que os havia deixado no porta-luvas do carro.

O velho truque de deixar os cigarros no porta-luvas do carro jamais falhou.