segunda-feira, agosto 29, 2005

Desconstruindo o dogma

Esse blog não tem mais o mesmo número de leitores de outrora, quando recebíamos dúzias de comentários por post - a maioria, estúpidos, comentários e posts. Então está na hora de olhar para o próprio umbigo e ver onde erramos em nossa recente trajetória. O Inventando Dogmas, neste momento, fica de quatro para ser enrabado com gosto e força. Fiquem à vontade que eu sei que dá tesão.

Nossa problema talvez seja todo esse alarde de que as coisas escritas aqui são pura ficção. Vocês sabem que é mentira, né? No meu caso, pelo menos. Eu estou por aí, tanto nos meus textos, quanto nos do Leandro. Não é o andreocentrismo voltando, acreditem, mas a comprovação de que não existimos se não nos enxergarmos nas coisas. Eu não consigo me ver, mas consigo ver meu reflexo no espelho, sabem? E há espelhos por todo o lado.

Eu acho, e acho mesmo, que eu não reflito os protagonistas dessas histórias. Eu seria um herói ultra-romântico, com necessidade de sofrer por amores impossíveis. E se heróis já são chatos, esses, então, seriam insuportáveis para os leitores. Isola, vai.

Estou mesmo nos detalhes, junto com a compreensão dos textos. Porque um bom texto se define nas vírgulas, nos parágrafos, nos pontos. O entendimento está no que não foi escrito, assim como a foto está naquilo que não foi mostrado.

Porque a literatura, mais do que a arte de escolher palavras, é a capacidade de deixar palavras de fora. E é muito mais fácil inserir duas mil palavras distintas num texto do que escolher as outras milhares que vão ficar para a próxima. É nessas horas que se pode cometer uma injustiça e se perder o fio da meada.

Mas isso tudo é balela, já que é perda de tempo ficar me procurando. Da mesma forma que enxergo aqui meu reflexo, vocês, leitores, enxergam os seus. E não adianta que não há viva alma que me conheça suficientemente bem para me achar por aí. Não vale o esforço.

Esses texto e descoberta surgiram depois de eu ler um texto antigo desse blog: "André Miranda ou Jan Saudek", de 4 de agosto de 2003. Lembrei de como gosto das fotos de Saudek e fui dar uma olhada numas que tenho guardadas no meu HD. Só que eu me vi na foto abaixo. Não estou sentado, nem de quatro, muito menos de pé. Mas eu estou aí. E não percam seu tempo imaginando onde, porque a resposta pode ser cabeluda ou inocente e, em ambos os casos, vocês não vão querer compartilhar sua imaginação - por constrangimento de falta ou excesso de pudor. E eu odeio quem não compartilha pensamentos.

(continua...)

sexta-feira, agosto 26, 2005

Saudades do Grande Amor

Ele passava noites a olhar pela janela da lanchonete sem nada enxergar do lado de fora. O que fazia era apenas sentir saudades de seu grande amor. O irônico da coisa toda estava nessa saudade e nessa grandeza do amor que lhe embaciava a vista e suspendia a voz. Ele jamais havia visto, nem de passante, nem sem querer, nem a penumbra, desse amor tão grande que acabou sendo o maior deles. Jamais. Só teve desse grande amor algumas frases trocadas em códigos via guardanapos naquela mesa onde ele se sentava noite após noite, na espera.

O amor não é nada fácil, um dia lhe disse uma garçonete que já tinha se mandado, ou fora mandada embora. Ela gostava de fazer companhia ao silêncio dele, a maior declaração de amor que ela poderia ter conhecido em vida. Ela invejava os olhos direcionados sempre ao mesmo ponto, o sinal da esquina e seus pedestres e freadas bruscas. Ela nada dizia, era apenas respeito e admiração. Trazia um copo de café preto, amargo e um sanduíche de mortadela com tomates e orégano, sentava-se e comia lentamente, numa esperança míope de que ele pedisse um pedaço ou quem sabe desabasse em lágrimas para ela poder lhe sorrir. E então ela sorriria para ele e diria que nunca haveria homem feito ele, que ela era eternamente grata por aquele amor alheio, por fazê-la saber que seu sorriso não era em vão.

Mas ela se foi sem ter a chance, ou a coragem. O dono da lanchonete conhecia a história, acompanhou entre sorrisos e petiscos os dois amantes se desencontrando naquela mesa, a menina escrevia depressa, havia medo, havia a possibilidade do desconhecido, havia mesmo até felicidade naquela situação. E deixava o bilhete na mesa para ele chegar e ler e responder. Ele sempre espiava, não era possível que aquilo fosse sério, alguém tinha que estar ali para ver a sua reação, ela poderia ser qualquer uma mas sabia, sabe-se lá como, que ao observar o local, que ela não estava lá. Estivera, não estava mais. E respondia. Algumas garçonetes se emocionavam quando ele respondia.

Um dia ele veio e a mesa estava vazia. Sem bilhetes. Esse dia ele lembra bem, porque era quase manhã e uma menina atravessou o sinal correndo e não chegou do outro lado da calçada. Ele chegou a gritar que o sinal estava aberto pros carros mas ela passou por ele e terminou ali na rua, sozinha. Ele chamou por socorro e esperou perto dela, viu a morte chegar, ela fechar os olhos e as sirenes. Descreveu o atropelamento a três ou quatro guardas. E seguiu adiante, atravessou a rua, foi na direção da lanchontete. Não reparou na tristeza das pessoas que faziam o turno da madrugada, talvez por ser madrugada. Sentou-se e escreveu, amo você, amo demais você. Não houve resposta. Não haveria mais palavra alguma. Ficou aquele grande amor no peito dele e a rua, os atropelamentos, o silêncio.

quinta-feira, agosto 25, 2005

Uh! Huh! Her!

Eu gozo, tu gozas?.

quarta-feira, agosto 24, 2005

O amor de cada um (xvi)

Eu resolvi me matar com 20 e tantos anos para tentar provar que eu poderia mostrar tanto amor quanto ela achava que seu ex-marido havia mostrado. Não criei cenário, nem acendi velas. Simplesmente fechei portas, tampei frestas, abri o gás e escrevi uma carta de amor enquanto agonizava. Não durou muito e não tenho certeza se consegui me expressar bem.

Mais jovem de quatro irmãos, aprendi a conviver com as comparações cedo. Silvio era o preferido da mãe; Arthur, do pai; e Flávio, das mulheres. Pai e mãe ainda tentavam esconder suas escolhas e afinidades, mas era impossível. O pai, quando aborrecido comigo por pichar os muros dos vizinhos, dizia que eu deveria ter o comportamento de Arthur. A mãe não suportava minhas manhas e lembrava da seriedade de Silvio.

Em relação às mulheres, minha sorte só foi melhor do que a de Arthur, que tinha o nariz grande e uma mancha no lado esquerdo do rosto. Eu estava acostumado com sua aparência, mas passado o tempo, admito que aquele irmão era horrendo.

Michele, a garota mais bonita da escola, a quem eu convidei para tomar um sorvete num sábado à tarde, respondeu impiedosa "você é tão fofinho, mas deveria pedir uns conselhos para o seu irmão Flávio". Anos mais tarde, descobri que Flávio havia sido o responsável pela iniciação sexual de Michele.

Cresci, então, assim, buscando o comportamento de Arthur, a seriedade de Silvio e o charme de Flávio.

As comparações de infância não se tornaram exatamente um trauma na vida adulta, mas construíram um sujeito competitivo com uma necessidade ímpar de auto-afirmação. Foi assim na escola e no trabalho.

E foi assim também com as mulheres e suas dúzias de histórias de ex-namorados, viagens, casos e noites intermináveis de cópulas. Eu precisava me inserir em suas lembranças, quaisquer que fossem, qualquer que fosse a maneira.

O suicídio do ex-marido de minha última namorada, então, provocou o pior dos sentimentos e me agonizou por meses em busca de um ato que superaria aquela fictícia prova de amor. Porque ela me lembrava sempre como aquele suicídio havia sido a maior prova de amor que alguém já havia lhe dado, e jamais lhe daria novamente. "E ele fez isso por mim", repetia, soltando uma ou duas lágrimas.

O suicídio é um ato covarde na sua essência, é a forma mais simples de fugir dos problemas. No caso do ex-marido, esta havia sido a explicação. Ele não agüentava a perda e preferiu se matar a insistir numa reconquista ou numa recuperação. Aborrecia-me, portanto, toda a ladainha de que seu suicídio havia sido movido por amor. Não foi.

E a única forma de provar a ela seu erro era mostrando a única forma de suicídio movida por amor. Confesso que antes de tudo, antes dos meses sofrendo em busca de um ato que pudesse superar aquele suicídio, não concebia, tampouco acreditava, que existia alguma forma de suicídio que não fosse movida apenas por covardia. Minha morte provavelmente foi o único suicídio em toda a história da humanidade motivado por um amor de qualquer natureza, não apenas pelo amor de um homem a uma mulher. Os minutos inalando o gás foram suficientes para me convencer.

Na carta, escrevi apenas "para provar que eu te amo mais do que qualquer um poderia amar". Espero que tenham sidos suficientes, essas palavras, para convencê-la.

terça-feira, agosto 23, 2005

Mudanças

Mudei a porra toda. Espero que gostem. Ainda há ajustes a fazer, lógico.

Belém, meu bem, Belém - I

Luana, estava sentindo falta dela. Luana, me olhou nos olhos e disse que tinha visto a camisinha, e eram duas, no lixo do banheiro. "Você poderia ao menos não me deixar descobrir, né?" Eu sabia, só não sabia que ela iria se importar, não sabia que ela tinha passado a se importar comigo, com quem eu andava, o que eu fazia, com quem trepava. Eu quis sorrir porque é o que se faz quando alguém confessa esse tipo de coisa, que gosta de você a ponto de se preocupar e sentir ciúmes, mas não era o momento. Olhei sério, falar o quê? Aconteceu, não vai acontecer mais, Lu. Ela não acreditou. Nem sei se eu mesmo havia acreditado.

Então, peguei o celular e liguei pro número dela. Seria inútil, ela estava com a família de veraneio em Algodoal, uma das cidades pra onde os belenenses fogem no verão, em busca de sol e água fresca e areia. O celular dela não pegava por lá, mas eu ligava de qualquer modo, um dia, por descuido ou poesia, a ligação completava e ela atenderia e me chamaria de fofo e perguntaria se estava tudo bem e eu ouviria a voz dela. Pouco? Era tudo o que eu precisava àquela hora do dia, o dia nascente invadindo pela janela. A operadora de telefonia não alterou a mensagem eletrônica gravada após os números discados, aquela ligação não estava disponetc. E pensar que tem gente que chora quando aquele robozinho de Inteligência Artificial desliga, finalmente, pra encerrar o filme.

Primeiro tocou o despertador, a voz do locutor da rádio anunciando mais um sucesso do Calypso. Era cedo demais pra mim e desliguei para voltar a dormir mais um pouco, eram apenas sete e quinze da manhã, era quarta-feira, fazia um sol de rachar, como havia de ser sempre, especialmente no verão. Belém está mais perto do sol que São Paulo ou Belo Horizonte ou Curitiba. Sente-se na pele. Sair às ruas após oito da manhã requer coragem e melanina. Aí veio um barulhão, era o timer da TV, um esporro, o aparelho tinha vinte polegadas e som estéreo, meus vizinhos certamente deviam me odiar a cada manhã. Sete e meia. Acordar, desenganar o estômago com leite e nescau gelado, aditivar com um teco de vodka pra se sentir malandrão, lavar a louça da janta da noite anterior, lembrar que a menina que lava e passa e costura virá para pegar uma camisa cujo bolso se estropiou. Rotina. A vida dum farrapo que não acerta na megasena. Banho, roupas, contas a pagar, rayban no rosto que a gente sabe ter estilo, escadas, bom dias, a vizinha ninfeta me sorri no ponto, ela sabe sorrir, ela sabe que escrevi um bilhete após algumas cervejas e passei por baixo da porta dela, ela sabe que é linda, ela sabe que eu faria alguma merda muito grande por um sorriso daqueles, ela sabe que caminho iluminado em direção a ela, beijo na bochecha e na outra e você também está saindo pro trabalho, pois é, meu ônibus já vem, então deixa eu atravessar que meu ponto é do outro lado e mais um par de beijos. Fico vendo o coletivo dela partir e ela paga a passagem, passa na roleta e uma curva e se foi.

Luana está longe, a vizinha se foi, Rosa está ocupada com minha camisa, Rosa gosta de mim, torce para eu roubar um beijo, escrever um poema, enfiar a mão por baixo da saia e descobrir sua calcinha e atrasar seu serviço. Rosa, Rosa, Rosa. Eu apenas cumprimento, pergunto se está tudo bem, reparo que cortou o cabelo, cobiço a barriguinha descoberta. Rosa seria uma boa forma de passar manhãs mas agora tinha Luana, ela merecia um cara menos calhorda, eu iria tentar.

O sol já a pino e peguei meu ônibus para o trabalho. Madonna canta feito uma virgem pelos alto-falantes, minha camisa já está molhada de suor na gola. Belém, meu bem, Belém.

sábado, agosto 13, 2005

O Lobo da Estepe

O Lobo da Estepe morava num quarto e sala fajuto no meio da cidade, mas isso não é problema seu. Ele apenas bebia mais uma cerveja na vida e coçava a pança, ou o pé, ou os bagos e pensava na próxima cerveja. Ou na próxima mulher. Pensava pouco, era mais um homem que buscava atos a pensamentos. Achava tolo pensar e a maioria das grandes cagadas e decisões acabavam sendo frutos do impulso mesmo.

A cerveja descia morna e alguém ligou. Olhou o relógio, três da manhã. Más notícias nunca podem esperar boas horas. Resmungou e nem era velho o bastante para tal. Atendeu. Alooou? Voz de mulher, forte sotaque, suspeitas de consumo alcoólico. O Lobo sorriu, sorriu porque adivinhou A Garota do outro lado da linha. Ela não era qualquer garota, era A Garota, ela lhe ligava para dizer que gostaria de ficar doida com ele e lhe morder o pau e as bolas e arrancar um pedaço de seus mamilos. Louca, mas ele gostava.

O Lobo da Estepe tinha dessas coisas na vida, mulheres loucas. Elas descobriam como chegar até a ele e vociferar suas loucuras, quando não o atacavam e destroçavam aos poucos aquele resto de fé na humanidade que ele insistia em conservar. Elas eram monstros, mas sabiam disfarçar isso todo o tempo, de forma que ele se via sempre tentado a ceder às tentações. Ademais, ele gostava, sorria, correspondia e até incentivava.

Ela, por sua vez, gostava também. Era dessas gurias que se acham semibêbadas e seminuas pelas ruas de Porto Alegre a alegremente procurar o acaso. "Me comas", dizia em sussuro inaudível. E repetia até o amanhecer. Putana sem rumo, piázinha ainda, deixava crescer os pelos pubianos numa classe sem classe e sem compostura e se julgava muito senhora disso tudo. Era virgem, mas não contaria essa verdade incriminatória jamais ao Lobo, temia o clique fatal na linha e o eterno silêncio daquelas noites.

Ela gostava da respiração e das perguntas do Lobo, que ela imaginava um senhor de 67 anos, escaras nas costas, lembranças apagadas, marcas de tiros e faca pelo peito. O Lobo apenas escrevia crônicas em jornais que ela consumia como se elas, as crônicas, algum valor tivesse além do preço de tinta e papel gastos nelas. A Garota morreria por aquelas palavras, pelo homem daquelas palavras, pelas histórias e mentiras daquele homem. Queria dizer a ele que amava e não queria mais desamar e que sonhava todos os dias em encontrá-lo ao pé de sua cama, velho, senil, as mãos cansadas de espancar teclados e macacos.

O Lobo já havia pensado em desistir de tudo tempos atrás, quando escrever era fácil e até gostoso. Aproveitava essas garotas lhe querendo sempre que dava e depois deixava o quarto antes do sol, silencioso, usado. Aí as palavras resolveram complicar as coisas, ele passou a estranhá-las e estranhar aquelas cartas, as ligações, as rimas pobres. Então A Garota o achou, numa tarde de quinta, num inverno, num bilhete manuscrito passado por baixo da porta de seu quarto e sala. Havia um número de telefone e mais sete letras enfileiradas a serem lidas "me comas". Isso já tinha um ano.

O Lobo da Estepe não tinha 67 anos, mas 42. Tinha escaras nas costas, mas nenhuma bala no corpo. Havia tatuado um amor falido no antebraço esquerdo e perdido um dente por conta do Sport Club Internacional de Porto Alegre. Havia publicado alguma literatura também, de onde apareceram as loucas e seu emprego nos jornais. Diante dA Garota e seus sussuros, tudo aquilo virava pó e desejo. Ela descrevia com requintes de crueldade como havia sodomizado motoristas de ônibus, coleguinhas de sala de aula, moscas de bar e pedófilos arrependidos fantasiando com seu glorioso pau, sua metafórica língua. Ela ofegava e chorava, um desespero. Mas nunca, jamais, lhe dizia quem era, onde estava. Desligava quando as palavras faltavam e pronto, não atendia mais ao telefone. Aquilo era um jogo e ela queria vencer.

O Lobo, derrotado, em lágrimas aliviava o desejo daquela fala sozinho e sujava o chão da sala e voltava ao teclado. As palavras, ou as palavras Dela, o guiavam sem rodeios rumo a algo que pudesse fazê-lo ter em suas mãos A Garota. A cada dia se mostrava uma luta mais perdida, mas ele esquivava, salteava e chamava seus monstros pro pau. De nada adianta apanhar da vida sem poder revidar os sopapos.

As próximas horas seriam muito boas para ela também.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Rebel Yell

Atrasado pro trabalho. Indo bater ponto de All-Star, camiseta Hering e Rayban. Atrasado porque o CD do Queens Of The Stone Age ainda não não acabou e Sonhos de Bunker Hill parece ser um grande livro.

Oh, behave, baby!

terça-feira, agosto 09, 2005

Toda Forma De Amor
Cena 5

Segurei na mão dela e saímos correndo pelo jardim, correndo mesmo, feito dois loucos. Aí paramos, cansados, ofegantes. Mas ela sorria. Tremia toda numa convulsão de felicidade e começou a tirar toda a roupa, blusa, meias, a calça, a calcinha o sutiã e ficou parada com aquele sorriso nu me encarando. Fiquei sem jeito, porque ela já tinha feito aquilo antes de tirar toda a roupa na minha frente, mas nós tínhamos 5 anos época, foi há vinte anos atrás. Eu era jovem e magro.

Ela voltou a correr mas soltou da minha mão e correu aos gritos, como se nada mais precisasse fazer sentido e só o seu corpo bastasse para a vida, correu e parou novamente. Eu fiquei olhando. Sentei no gramado, estava noite e era legal a grama de noite, era diferente dela de dia. Claro, era a mesma grama, o céu é que tinha mudado. Ela perguntou se eu ia parar. Tinha um sorriso branco em seus dentes amarelados. Vem comigo, vamos, é legal.

Levantei e comecei a desamarrar os cadarços, devagar, tímido, com vergonha da barriga que veio com os últimos anos. Ela percebeu e me jogou de volta na grama, arrancando o par de tênis e os varando noite afora. Aí, meias, o cinto, calça, a ceroula e fiquei só com uma camiseta igual à do Charlie Brown. Ela achou graça, apontou pra mim e voltou a correr naquela nada forrado de grama e ceracdo de estrelas. Nenhuma mulher poderia ser tão cheia de graça.

Corri atrás dela e comecei a gritar, feito ela, e tirei minha camiseta e estava livre, a barriga livre, os pés no chão, a garganta no mundo. Era engraçado, a gente parava sem fôlego para rir um na cara do outro e começava tudo de novo. Aí amanheceu o dia, a gente já tinha deitado por ali e caído no sono. Ela acordou primeiro, eu depois. Vesti as roupas e voltei pra casa. Nunca mais ela tirou a roupa na minha frente, nem quando transamos no banheiro do quarto dos pais dela na festa de seu casamento com meu primo.

domingo, agosto 07, 2005

O amor de cada um (xv)

Eu tinha acabado de sair de um bar na Rua do Matoso, próximo à Praça da Bandeira, onde tomei dois Dudus. Era uma mistura de quinado com conhaque Dubar, inventando pelo dono do boteco, um paraíba chamado Eduardo. Ruim, mas tragável. Fazia frio e a bebida naquela dia foi menos vício do que necessidade. A cidade estava vazia às 2h e andei até a Rua Ceará, a fim de procurar vida e calor. Mas nem as prostitutas pareciam interessantes. Eram de qualidade duvidosa.

Caminhei, então, em direção à Rodoviária Novo Rio, pela Leopoldina, para tentar encontrar algum viajante à espera de um ônibus. Seria uma boa companhia, pensei. Não era momento ainda de retornar para casa e encontrar com ela, depois de ter sido chamado pelas piores alcunhas jamais me atribuídas. Ela tinha raiva, eu tinha raiva, e não seria uma conversa numa madrugada fria que resolveria. Acabaríamos brigando mais ou, pior, trepando feito cachorros na rua, por instinto e odor.

Seu sexo não saía de minha imaginação, mesmo em momentos de raiva, mas não gostaria de fazer disso a solução de nossos problemas. Seu sexo ainda sacudia meu paladar depois de uma manhã tranqüila e prazerosa. À tarde, porém, tudo desandou, nós desandamos e saí de casa para ver mais uma derrota do Vasco no Maracanã. Assim fui parar na Praça da Bandeira e ignoro qual solução ela encontrou para curar a dor, se é que ela estivesse sentindo alguma. Só não queria que a solução mais uma vez fosse nosso sexo, por mais interessante que isso pudesse aparentar.

Na última vez que resolvemos uma de nossas brigas com sexo, há menos de duas semanas do dia em que traí minha mulher pela primeira vez, chorei sozinho no banheiro, abafando o som com uma toalha de rosto entre meus dentes. Havíamos trepado com raiva, mordendo, batendo e puxando os cabelos um do outro. E foi bom, muito bom, melhor do que as transas apaixonadas do início de nossa relação. E eu sofri por ter sido bom amá-la pela raiva. Quando voltei para o quarto, ela dormia um sono honesto e não parecia ter se importado com aquela forma de amor. Sofri ainda mais por sua indiferença.

Minha raiva naquele domingo não seria resolvida com Dudus e putas, mas alguma coisa precisava ser feita antes de voltar para casa, justamente para evitar um ato sexual como aquele, de duas semanas antes. Foi nesse contexto que conheci Camila num banco do segundo andar da rodoviária. E foi essa história, com os mesmos poucos mas importantes detalhes, que contei para ela.

Camila ouviu meu relato com aparente atenção e apenas perguntou se eu não queria tentar o sexo com ela. Parecia absurdo demais trair minha mulher com uma paraense conhecida na Rodoviária Novo Rio numa noite fria do cidade. Mas naquela noite eu precisava de Camila, até para descobrir se o sexo poderia existir com outra pessoa e se a TV poderia estar desligada. Porque minha mulher apenas topava transar com a TV ligada, qualquer que fosse a ocasião. Não tinha tara por filmes pornográficos, mas gostava de prestar atenção em novelas, séries e filmes de suspense enquanto transava. Ela me jurou que isso aconteceu em todos os seus namoros anteriores, mas eu não gostava de falar no assunto, além de temer que meu sexo pudesse ser enfadonho a ponto de ser necessário uma TV ligada. Father Oblivion não conseguiria tanto.

No hotel ao lado da rodoviária senti falta da TV num primeiro instante, antes de tocar no seios de Camila. Pensei nas etapas que era obrigado a cumprir com minha mulher e fui fazendo a mesma seqüência, por prática e instinto. Mas a TV fez falta e me toquei que seria um equívoco trepar daquela forma. Parei e chorei pela dor da minha traição e por me ver tão fraco em não conseguir manter uma relação com outra pessoa. Camila também chorou - por piedade, acredito. Enxugou minhas lágrimas, me disse que me faria feliz novamente e segurou meu pau com força e delicadeza.

. O sexo pecaminoso com a paraense não foi bom. Talvez os quinados, a longa caminhada ou a aflição pelo erro cometido tenham surtido algum efeito. Mas tive a revelação naquela madrugada que eu poderia, ainda que por força das circunstâncias, encontrar alguma felicidade fora de casa. Eu precisava ter essa certeza, antes de prosseguir minha vida conjugal.

Só voltei para ela no dia seguinte, incerto sobre o futuro. Ela me esperava chorando e não perguntou onde eu havia passado a noite. Mas eu contei, contei tudo. E perguntei tudo também, até mesmo sobre o motivo que a fazia deixar a televisão ligada enquanto transávamos. Exigi saber tudo. Ela chorou mais mas, surpreendida com tanto interesse, respondeu a todas as minhas perguntas. Sofri mais com as respostas do que ela com a traição e, tenho certeza, isso ficou claro. Nos sentimos vingados um do outro e decidimos continuar juntos. Não sei se foi uma boa decisão.