Reciprocidade, expectativa e hipocrisia
Cheguei de viagem e o que mais queria era vê-la. Poderia ficar horas apenas observando sua boca semi-aberta e ouvindo sua respiração ofegante enquanto dormia, como já havia feito tantas vezes. Bastava que ela estivesse próxima e acessível, que eu me daria por satisfeito. Não pedia reciprocidade. Nunca pedi.
Poderia até chover torrencialmente e eu ter que me aventurar com água até o joelho pelas ruas do Rio, que estaria tudo bem. Aprendi que é muito mais divertido pensar no momento que se vai encontrar novamente alguém do que no trabalho maravilhoso que se pretende fazer. Empregos passam e podem ser substituídos. Pessoas não. Assim, meu trabalho se tornou irritante e dia após dia mal espero a hora de ir embora.
Mas nem sempre as coisas acontecem como planejamos. O grande problema da expectativa é, lógico, a possibilidade de ela não se concretizar. A gente quer alguma coisa, pensa nela o tempo todo e na hora H, merda, nada feito. Eu, instável pra cacete, sei bem o que é isso.
Acreditem, sou o tipo de sujeito que pode ficar horas parado na frente de um lugar, em troca apenas de um instante próximo a alguém. O problema começa quando este instante que, para um foi um sacrifício, para o outro não tem a menor importância. Tudo bem, tudo bem, deixo vocês me acusarem de hipócrita: às vezes a reciprocidade é bacana, sim.
Assim, eu ter querido vê-la depois de chegar de viagem pareceu não ter surtido efeito algum. Acho que faltou comprar um presente. Talvez flores, talvez crisântemos. Ou, talvez, tal como aqueles caras que iam para a guerra e ficavam anos fora, eu tenha voltado cedo demais de uma viagem cujo retorno não era mais esperado.