quarta-feira, janeiro 28, 2004

"Não acredito mais na distância entre nós"

Eu acho que não pisava numa Igreja há mais de um ano. E acho que não pisava numa Igreja com as intenções de hoje à noite há mais de seis anos. A placa "Igreja da Imaculada Conceição" me atraiu de alguma forma e eu fui para lá atrás de alguma missa, de algum padre e, até, de uma confissão. Não consegui nada disso, estavam apenas uns coroas reunidos para uma discussão e louvação da Bíblia. Resolvi me juntar a eles.

Bem, como eu não ando com uma Bíblia por aí, um gordinho muito simpático me emprestou a dele. E eu fiquei lá, cantando uns Salmos e lendo alguns versículos diversos. As pessoas fechavam os olhos, levantavam as mãos, tremiam os braços. Enfim, as pessoas se emocionavam. Emoções não são exatamente meu forte, mas confesso que em alguns instantes a Bíblia pesou e meu braço fraquejou.

Saí da Igreja depois de uma hora, escondido, quando todos viraram para o altar. Deixei a Bíblia do gordinho em cima do banco e nem tive tempo para agradecer. Faltou coragem para ficar até o fim e encarar aquelas pessoas me perguntando quem eu era e o que fazia lá.

A inspiração dos católicos, e eu já fui um, é atribuída ao Espírito Santo, um dos membros da Santíssima Trindade. Falou-se muito nele hoje, lá na Igreja. Aí eu fiquei pensando quais eram minhas inspirações, para escrever, trabalhar, viver. E se tem uma coisa que eu acredito é no amor de Deus, mesmo não acreditando exatamente no amor. Portanto, uma das minhas inspirações é o amor divino, que é diferente do amor por Deus - pelo menos diferente do amor daquelas pessoas cantando e se emocionando na Imaculada Conceição.

Sem entender bem a razão, descobri também que outras de minhas inspirações são a tristeza e o álcool. E estas coisas não podem conviver juntas, tristeza e álcool formam uma combinação perigosa, sabe? É inspiração demais e nada demais é bom.

De tudo isso, do meu tempo pensando na Igreja, eu decidi largar o álcool enquanto restar a tristeza. E isto pode durar muito tempo.

Favor não insistir.

terça-feira, janeiro 27, 2004

Retrato do artista quando vivo

Se estiver faltando emoção ou sexo (ou os dois, vá saber) no seu cotidiano, agradeçam a Deus e à Sony Music por um disco chamado Grace, de um rapazola chamado Jeff Buckley. Lá pelos idos de 93/94, o jovem deixou registrada a sua música para a imortalidade, e é uma bela música. Pérolas como Lilac Wine, Dream Brother, Corpus Christi Carol e Eternal Life somadas a uma versão linda de arrancar lágimas de um bloco de cimento de Hallellujah (de Leonard Cohen, a musiquinha que toca antes do casa mento do Shrek) e ao prelúdio nupcial Lover, You Shoud’ve Come Over fazem desse disquinho de rock uma excelente trilha sonora para o ato de fazer neném. Ou simplesmente curtir aquela fossa porque o(a) seu(sua) ex te deu o fora e a programação da TV não se importa muito com você.

Buckley gravou apenas esse disco, o que o torna além de belo, triste. Jovem e talentoso, ele foi adotado como sensação musical e queridinho do métier após o lançamento de Grace. Mal comparando, isso que a gente vê com os Hermanos hoje aqui desde Bloco do Eu Sozinho. A merda é que Buckley não soube ou não quis segurar a onda, tomou todas, se engraçou com a Courtney Love e um belo dia resolveu mergulhar no meio de um rio após se intoxicar como um bravo num passeio de barco noturno. Juntou-se a Mick Jones e outros que partiram deste mundo mergulhando em sua própria tragédia.

Deixo a dica, então. Junte umas Bohemias, tome um banhozinho, arrume esse disco e evite falar da desclassificação de Diego & Robinho para Atenas que você provavelmente come alguém. E não rogue pragas para seus(suas) ex que é feio.

Está grafado na minha bolacha da Bohemia:

"Henrique Kremer era um colono alemão que enriqueceu trabalhando como artesão para o Império. Mas um dia ele pensou: de que adianta todo esse dinheiro se eu não posso tomar uma cerveja? Vendeu sua empresa, comprou um galpão, e, em 1853, abriu sua própria fábrica. Nascia a Bohemia, a primeira cerveja do Brasil."

Obrigado, Henrique.

domingo, janeiro 25, 2004

Vou colocar essa música aqui só para lembrar que a gente também tem direito a ter coração. Parceria entre os bêbados habilidosos Tom, Vinícius e Chico. Recomendo muito a audição, apesar de surdo.

Olha Maria

Olha Maria,
Eu bem te queria
Fazer uma presa
Da minha poesia
Mas hoje, Maria
Pra minha surpresa
Pra minha tristeza
Precisas partir.

Parte, Maria
Que estás tão bonita
Que estás tão aflita
Pra me abandonar
Sinto, Maria
Que estás de visita
Teu corpo se agita
Querendo dançar.

Parte, Maria
Que estás toda nua
Que a lua te chama
Que estás tão mulher
Arnde Maria
Na chama da lua
Maria cigana
Maria maré.

Parte cantando,
Maria fugindo
Contra a ventania,
Brincando, dormindo
Num colo de serra
Num campo vazio
Num leito de rio
Nos braços do mar.

Vai alegria
Que a vida, Maria
Não passa de um dia
Não vou te prender
Corre, Maria
Que a vida não espera
É uma primavera
Não podes perder.

Anda, Maria
Pois eu só teria
A minha agonia
Pra te oferecer.

sexta-feira, janeiro 23, 2004

No outro lado do telefone, a voz era desconfiada e um pouco grave. Mal. Quando a voz é grave, o santo desconfia. Alôu? Tremi, e desliguei. Talvez fosse melhor deixar tudo como estava até então, ela do outro lado da linha falando grave e eu com o indicador no gancho do aparelho tremendo fino. Cocei a minha crescente calvície e retornei para o meu café da manhã ainda que já passassem das duas horas da tarde, entre taciturno e preguiçoso, certamente lerdo. Deixei Mick Jagger cantarolar no rádio, de vez quando você pode ter tudo o que você quer; sempre, nem tanto.

Não me censure com o seu olhar a hora em que havia despertado, leve em conta que eu havia encontrado a mulher da minha vida na segunda noite do ano e por obra deste encontro, com direito a sorrisos anônimos, música cubana, kabukis, suor, muito suor e afetos, havia eu ido dormir quando já surgia no horizonte (não no meu, mas deixe isso para lá) o terceiro sol de janeiro. E não esqueça de levar em conta que antes de eu encontrar a mulher da minha vida, eu havia encontrado o meu amigo André e logo após o meu amigo Luis, e nós três encontramos um lugar onde nos pusemos a esvaziar nossos copos denunciando um comportamento censurável para três homens em idade de chefes de família (o que era verdade no caso de André), e não paramos nem quando o nosso garçom, grande figura humana, nos disse que iria fechar aquela bodega, levantem-se, vamos, eis a conta. A última ficou por conta da casa, e, se você sabe como funciona esse esquema de saideira por conta da casa, já deve ter entendido que bebemos deveras.

Na saída do botequim, tropeçando em sílabas esparsas e uns nos outros avistamos com aquela que viria ser a mulher da minha vida, mas então ela era apenas mais uma das argentinas gostosas que esperavam um táxi na esquina do bar. Não sabíamos se eram ou não portenhas, mas as chicas tinham um ar borgiano e estávamos naquele estado de pileque criativo. Em tempo, eram quatro moças, todas bem apessoadas, duas de vestido justo e uma rindo da gente. Nenhuma era argentina. O mais próximo de uma argentina que havia ali era a irmã de uma delas, que se mudara para o Chile faziam três meses. Não descobrimos isso no meio da rua. De algum modo, e não deve ter sido tão complicado, elas convenceram a mim e ao Luis de darmos carona a elas até uma festa perto dali regada a sobras de ano-novo. Eu estava de carro, e mais um péssimo exemplo enquadro nessas linhas ao dirigir embriagado.

Lembrei, era Dora o nome dela, Dora. Vestido rosa, lábios vermelhos, olhos lilases, a mulher da minha vida. Trocamos uns pares de advérbios na festa e em quinze minutos as palavras já eram incômodas nas duas bocas que se mordiam na varanda. O resto você já pode compreender, eu espero. Da varanda alheia fomos, com uma breve escala num elevador cheio de espelhos, para o quarto dela e não pretendo me derramar mais em detalhes íntimos da mulher da minha vida e eu. Basta. Já deu para passar uma idéia básica de como encontrei a mulher da minha vida, agora, sorvendo o último gole de nescau, pensava naquela voz grave no outro lado da linha. Seria ela? Seria eu o sujeito que havia passado aquela noite monstra? Lembrava bem da promeira vez que nossos olhares se cruzaram de propósito e como aquele toque mediado pelo ar-condicionado do meu carro havia sido eloqüente, significando e expressando mais e melhor que todas as linhas acima escritas. Bobo, ela sorriu segundos após e foi quase como se fosse o melhor sexo oral daquela cidade, bobo.

De tudo restou somente o silêncio. Mais silêncio que a quase manhã onde me vesti ao pé de sua cama e ela dormia, anos-luz de mim. Senti-me quase um mestre do universo quando me dei conta que aquele sono nu e plácido digno de uma musa machadiana era uma elegia daquele corpo rosáceo ao meu corpo cansado, e cansado já não estava mais. O leve sorriso que embalsamava seus lilases era eu, e sorri também. Somente a mulher da sua vida pode ser capaz de te fazer um homem mais feliz por dormir bem, eu concluía. Eu me dei conta que havia descoberto o segredo da felicidade e então a voz dela, grave, começou a me soar num tom diferente, brando. Meus parcos cabelos já poderiam cair descansados. E o telefone tocou.

Bobo, soou a voz grave dela ao telefone e até a guitarra de Keith fez silêncio, o restante da minha vida deixara de ser uma bobagem.

sexta-feira, janeiro 16, 2004

Aquele sêmem que escorria em suas mãos era meu, bem eu o sabia. Reconhecia-o como um pai há de distinguir seu próprio rebento na multidão, e ficava pasmo. Como não poderia notar que naquele instante eu era uma coisa incômoda que ela escoaria ralo abaixo por lhe sujar os dedos, as mãos, o pulso?

Você gostou mesmo, hein? Ela me olhava, de joelhos, um sorriso sóbrio, mais que um anjo. Foi até o banheiro, reparei que ela tinha uma pinta no bumbum esquerdo de novo. Sempre esquecia. A cicatriz na coxa direita era maior e mais fácil de lembrar, também era mais bonita. A cicatriz mais bonita que devia existir.

Já havíamos sido namorados quando jovens e coloridos. O tempo nos fez amantes e desbotados. E agora nos acovardávamos no sexo, um sexo cego e por vezes rancoroso. A torrente das horas nos desnudou de virtudes e planos com o passar dos anos em forma de vagalhões, de modo que só nos restara um ao outro. Um dia acabaríamos cedendo e nos deixaríamos naufragar junto com o tempo, mas por ora, nossos corpos se prendiam e observavam os rumos que tudo ia tomando naquela enxurrada sem fim. Ela era o meu refúgio, e me custava menos do que sair com os amigos do trabalho para beber, fumar e cheirar a noite na veia e depois, quase dia, me sentir impotente diante duma desconhecida por mais vinte pratas. A vida havia tornado o riso mais amargo para nós, e ambos não gostávamos de pensar que nós é que havíamos amargurado as cores do mundo. Talvez não houvesse a tal torrente que a tudo arrastava, mas nós é que não sabíamos nadar e flutuar e por isso nos afogávamos em qualquer maré.

Nenhum dos dois puxava muito assunto. Nenhuma referência ao passado, o namoro já havia terminado anos atrás e o nosso caso fora uma estupidez, ainda que uma estupidez adulta. Desconfiava que ambos não seríamos mais capazes de conjugar o amor, pelo menos em nós mesmos. Os corpos não precisavam de luz, só precisavam de um pouco de veneno e dor. Morríamos cúmplices naqueles quartos sem fotos emolduradas e às vezes sem ar-condicionado também. Era o que o nos restava da vida, a morte. Morríamos, pois.

Escutava-a fechar o chuveiro e cantarolar uma dessas músicas de novela. Pela janela via-se o Cristo, a lua e um par de travestis atiçando um policial. Tive vontade de voltar a fumar ao redescobrir meu próprio cheiro invadindo o cenário. Como ela poderia deixar um homem com aquele meu cheiro dentro dela? Ouvi seus passos refrescados e ela se abraçou em minhas costas, nua, quase molhada, mulher.

Tu me amas?, perguntei. Nunca mais, ela me arrancou um pedaço da orelha e ronronou. Era a nossa morte. E eu que escoava ralo adentro.

segunda-feira, janeiro 12, 2004

O segundo dogma mais importante de 2004

Este blog está próximo de fazer um ano e, de lá para cá, muita coisa mudou. Comecei 2003, o instante mesmo após a virada, em Salvador, minha cidade de adoção, de mau humor. E não perguntem o motivo, porque não havia. Foram só aqueles instantes de mau humor, um pouco antes e um pouco depois. O resto, de Salvador, foi só alegria.

Dali, de Salvador para a Lagoa Rodrigo de Freitas onde eu comecei o 2004, o ano foi de amadurecimentos. Um ano de progressos, sem dúvida.

E não seria justo com o Inventado Dogmas renegar sua importância neste processo. Aqui, eu sempre tive um porto seguro para minhas emoções e tenho mais uma a compartilhar, uma importante. Esta, um dogma de fé mais do que todos os outros até aqui.

Três anos, um mês e alguns dias depois, meu namoro parece ter chegado realmente ao fim, apesar dos dois profetas deste dogma de 12 de janeiro de 2004 não parecerem ver bem a razão. E a razão, senhores, a cada dia fica mais claro para mim, não pode ser dissociada de uma contrapartida social. Que seja o sexo, que seja carinho, que seja o amor. Que seja o amor!

E este é o problema com os dogmas inventados. Não dependem de fé. Eu nunca vi uma pessoa mover montanhas, porra. Os dogmas dependem da razão, a nova razão que eu descobri em 2003. Só que este dogma de hoje, eu garanto, foi desprovido de razão. Mas e daí? O meu coração não é mais abrigo de amores perdidos, é um lado mais tranqüilo onde a dor não tem razão.

Continuando esta invenção, espero que o dogma que vai garantir a validade deste título não demore tanto a vir. Terei fé que não vai demorar.

ps. peço, não exijo, que este dogma, e apenas este, não receba comentários (apesar de nossos dogmas não serem coisas de nada, sentimentos indefinidos ou mesmo fotocópias de textos batidos numa olivetti 22 de uma agência matrimonial... apesar disto, acredito que eles também mereçam algum respeito).

quinta-feira, janeiro 08, 2004

Três filmes relativamente recentes nestas terras deram o que falar. Se você, assim como eu, teve (ou tem) a felicidade de cursar uma faculdade relacionada às Ciências Humanas, em algum momento se sentiu compelido a ver as películas, ou seus amigos poderiam desistir de te chamar pra bater papo num domingo qualquer. O curioso foi o porque do auê em torno deles. Basicamente, as polêmicas que eles alimentaram giravam em torno de um mesmo tema: sexo. Não qualquer sexo, sexo explícito. E, além do sexo ser explícito, com alguma perversão envolvida.

Os três filmes em questão são: Irreversível (ainda em cartaz, pelo menos no Rio), Ken Park (em breve) e The Brown Bunny (improvável, talvez em SP). Dos três, o visceral Irreversível, dirigido por Gaspar Noe, é o mais bem acabado. Estrelado pela musa absoluta Monica Bellucci, apresenta fotografia propositalmente obscurecida e por vezes sujas para compor a sua narrativa inversa. Recheado de violência, o ápice do filme é a cena de estupro e seus longos nove minutos na tela. A cena incomoda, porque de fato mostra uma mulher sendo currada num subterrâneo nada limpo, gritando, seu malfeitor arfando e gozando e sons e pesadelos tomando conta da sala de exibição.

Ken Park, do diretor de “Kids” Larry Clark, tem a proposta de mostrar um grupo de jovens que reside na pacata Visalia, subúrbio californiano, e possuem laços comuns entre suas famílias e amizades. O sexo explícito rola solto no filme: um garoto faz sexo oral na própria sogra, sexo grupal entre adolescentes e até uma gratuita seqüência que focaliza um dos personagens espancando o macaco. O excesso acaba prejudicando o filme que não consegue passar uma imagem clara da intenção do diretor ao inserir as cenas na história, e Ken Park, que poderia ser um bom filme, termina parecendo uma daquelas maldades bobas de adolescentes querendo chocar os avós (como se seus avós nunca houvessem falado um palavrão ou feito sexo na vida).

The Brown Bunny, segundo filme de Vincent Gallo, é um apanhado de imagens sem muito sentido a não ser na visão do próprio diretor. A intenção é narrar uma história envolvendo um piloto de corridas de moto (interpretado pelo próprio Gallo, espécie de faz-tudo no filme) que se recupera de uma antiga paixão mal-resolvida. O filme é uma droga, segundo consta por aí, nada faz muito sentido e nem é muito interessante. Acontece que os cinco últimos minutos do filme são dedicados a uma cena de felação (boquete, chupetinha, bolagato) realizada entre Gallo e sua namorada, Chloe Sevigny.

Fico me perguntando se, em 2004, praticamente quarenta anos após a explosão da contracultura, da revolução sexual e dos Stones sexo ainda é realmente tabu. Será que ainda vale a pena continuar explorando o tema, adotando cenas cada vez mais explícitas para chamar espectadores ao cinema? Salvando-se o estupro de Irreversível, que pode ser contado como necessário à trama (apesar de excessivo), as demais cenas de sexo chegam mesmo a incomodar plasticamente na tela. Em nada alterariam a história narrada, e ainda consomem o tempo do espectador que pagou um dinheirinho para ir vê-las. Francamente, sexo pode ser praticado das mais diversas formas em locais mais aprazíveis que a sala de um cinema e visto em locais mais íntimos. Sexo não é mais novidade, e temos aí a Sylvia Saint que não me deixa negar.

Poder-se-ia argumentar, e com alguma razão, que o sexo cinematográfico funciona como uma espécie de metáfora para a espetacularização do cotidiano que só faz aumentar e gerar até uma quarta edição do insaciável BBB. A falta de pudores e moral que assola a atual sociedade de consumo, tornando o sexo apenas outra mercadoria na plateleira. E por aí uma série de argumentos que tratariam os corpos nus e ofegantes na tela como quaisquer outros temas que não o verdadeiro: o tesão. Porque é disso que o sexo sempre tratou, de tesão. Pratica-se o sexo por conta dele, e por conta de mais nada – mas isso o cinema não pode veicular, senão vira pornografia. Quarenta anos trepando e a gente ainda fica com vergonha de sentir tesão pelo próximo, é isso que eu vejo, não sei vocês.

Não quero aqui iniciar uma cruzada contra o sexo no cinema, nada disso. Quem sou eu para pretender ter seguidores? Não tenho nem ao menos um emprego. Mas vou deixar aqui registrado esse protesto em favor do tesão. A nossa hipocrisia capitalista (fingimos ter pena daqueles que não podem saciar seus desejos, quando na verdade nos alegramos por realizar os nossos antes de todos) vai acabar culpando o tesão, e, por tabela, o sexo, por sermos incapazes de convivermos em paz com nossos demônios interiores.

Porque, numa boa, eu acredito que se Barbara Bush fosse mais mulher e George Bush fosse mais homem, algumas milhares de vidas ainda poderiam existir no Iraque.

segunda-feira, janeiro 05, 2004

2004, o ano de meu pai Oxóssi

E 2004 já começou e nenhum dogma foi inventado. Portanto, caro Godinho, vamos parar com as felicitações porque as falsidades mundanas não podem chegar a este cândido blog - que prega o cunnilingus, sim, mas apenas como forma de elevação espiritual.

Este ano, outrora do sonho olímpico carioca, tem muito a nos dar. Já me foi agradável, por exemplo, nas escolhas culturais. Vi O Retorno do Rei, o melhor de três ótimos filmes. Ganhei o disco novo do D2 e me apaixonei pelos versos "o gringo subiu o morro e bebeu cachaça/fumou maconha e obteve a graça/depois do samba sua vida nunca mais foi a mesma". Porra, tirando essa história de maconha, que é coisa de vagabundo, eu me identifico muito com esse gringo. Agora eu pretendo começar a ler o Em Busca do Tempo Perdido, somente para me firmar como um dos bacanas neo-intelectuais cariocas. Gente da estirpe de Hildegard Angel, Arnaldo Bloch, Seu Jorge, José Padilha e Romário. São apenas 2.444 páginas me separando da glória.

Mas não quero começar essa nova etapa cultivando implicâncias a pessoas que eu nem conheço. O que eu queria mesmo era casar com a Julia Roberts. No programa do David Letterman ela disse que adora lavar roupa, cara. Imagine só uma Julia Roberts lavando suas cuecas! Putz, foi justamente para isso que descobriram o cunnilingus. Em breve estreará por aqui um tal de Mona Lisa Smile, onde ela atua com a Kirsten Dunst. O melhor filme do ano, com certeza.

(um rápido interlúdio textual: Renata, por favor, aprenda a lavar roupa)

Porque são essas coisas, simples coisas, que nos fazem acordar feliz às 6h da madrugada e ainda assim achar que vale a pena sair por aí sorrindo. É como canta a Billie Holiday:

You must remember this/ A kiss is still a kiss/ A sigh is just a sigh/ The fundamental things apply/ As time goes by

E como canta essa tal de Billie Holiday!