sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Morcego Negro - Procura

O aeroporto de Brasília não é nem mais nem menos aéreo do que todos os demais aeroportos do mundo, provavelmente. Congonhas, Galeão, JFK. Todos se acreditam grandes e grandiloqüentes, capazes de infinitos cabíveis em copinhos plásticos descartáveis, os aeroportos com suas aero-moças pré-moldadas.

E ali estava eu, no meio do caminho, quase três horas de espera para uma conexão que me levaria mais longe do que eu poderia desejar chegar, mas essa é a vida, ela não te obedece por nada, bicho chucro. É preciso ter ambição, diria o Dr. Lair Ribeiro, caso ele pudesse ter o supra-sumo da minha presença física e espiritual. O homem foi feito para a glória e talvez por isso fez os aviões, os aeroportos e tantos gols levantando a massa rubro-negra nas arquibancadas do Maraca. Eu devia sorrir quando diante do triunfo, mas medrava e sorvia goles tímidos duma cerveja em lata.

Como essa tão cantada glória que me aguardava noutras terras demorava a dar sinal de vida - não ligava, não escrevia cartas, não me dedicava nem uma mensagem via orkut - eu continuava a sonhar com Nina. Não que Nina fosse mais presente - havia sérias dúvidas de que ela seria apenas possível, afinal -, mas um homem precisa dum objetivo na vida e o meu, até onde eu poderia crer, era Nina.

Era Nina, portanto, que meus olhos cegavam em sua busca através de decolagens, sucos em caixinhas, últimas chamadas, reembarques e esplanadas.

Era Nina, portanto.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Ah, Emanuelle Béart, quanta besteira já deve ter sido feita em seu nome. Essas linhas seguem para computar outra mais na contagem. Ai de mim. Fui assistir Nathalie X por esses dias, que covardia. Emanuelle é Nathalie, mulher da vida que se vê contratada por uma esposa em crise com o intuito de seduzir o marido infiel e narigudo da tal esposa (que como disse, está em crise) e relatar, com detalhes, seus encontros para a contratante. Que covardia, precisei de uma dose de Absolut, a Playboy da Luma e dois chopes pra deitar e dormir em paz. Imagine você a Emanuelle Béart, os olhos submissos dela, seus lábios perenes, a fumaça do cigarro, o gosto do vinho, tudo isso descrevendo cientificamente um suposto adultério. Como o marido infiel a penetra, lambe, morde, cobiça e goza. A esposa pergunta se ela gosta, se é recíproco, se é bom e ela, Nathalie, responde com ares de Emanuelle que sua profissão é enganar, ela, atriz, meretriz. Uma Absolut, por favor.

Mesmo assim, com uma mulher dessas no mundo, o Irã quer explodir uma bomba-atômica no Texas, com certeza só pra liquidar com o Bush. A recíproca deve ser verdadeira, cada país tem seu próprio Bush que merece, seu próprio Texas, seu próprio erro. Eduardo Suplicy poderia pedir um microfone e cantar a todos, em nome de Emanuelle Béart, que fiquemos jovens para sempre, que paremos de matar, talvez possamos encontrar a salvação. Talvez Emanuelle Béart seja o algo a mais que os árabes fantasiem sob as burcas e o algo a menos que Bush vivencia em Barbara, nunca iremos saber.

Um sujeito que considera destruir o lugar onde pisa Emanuelle Béart só pode ser um idiota. Disso eu tenho certeza.

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Toda Forma De Amor
Cena 4

Tudo seria muito mais fácil se ele fosse bonito. Ou algo assim. Ele pensava nessa frase enquanto o primeiro gole do sábado lhe descia não tão gelado quanto custava, seria melhor se ele fosse bonito. Ou mais prático. Seria natural, ele nem iria se dar conta e Júlia logo que o avistasse preceberia sua presença.

Diabos, foi o pensamento seguinte. Diabos, não era bonito. E Júlia na fila, cara de tédio, diabos. Outro gole e se concentrou em olhar para ela, parecer um homem, ainda que um homem feio. A discoteca ainda não estava lotada mas ela não o percebeu, o olhar de um míope não devia ser lá muito cativante. Diabos, outra cerveja.

Resolveu na metade da segunda cerveja que não passaria daquela noite, a Júlia. Precisava dela, de ouvir a voz dela e vê-la mexer os ombros quando conversava. Não entendia nada daquilo, ele precisando de uma garota, mas precisava e torcia pra que ela gostasse quando ele lhe mordesse o mamilo. Então gozava. Mas entender, nem achava possível.

Foi lá pela sexta cerveja que se sentiu senhor da situação, ou apenas não sentia mais nada, tropeçava e seguia adiante. Júlia dançava, ainda sozinha, ele olhava a cena com os pés cravados no chão. O mundo que girava em torno de si e do sol cobrava dele os passos seguintes, na direção da menina. Hesitava.

Algo aconteceu nesse entrevero, porque armou-se uma confusão e todos começaram a correr na discoteca, alguns aos gritos. Ele não entendeu aquilo também, mas viu que Júlia olhava para ele e para mais ninguém. E daí se perdeu na correria, no alarme de incêndio, nos empurrões, nos coletivos e fachadas cheias de colorido e som. Foi tudo arrastado em meio ao tumulto, ele, Júlia, possíveis olhares. Quando deu por si, amanhecia outro dia e mal sabia onde estava.

Eu sei, essa é uma história de amor. Mas ele vomitou sozinho antes de cair na cama do mesmo jeito, sem entender nada. E continuava feio.