XII
O telefone tocou uma vez. Ignorei. Na segunda, eu estava numa outra chamada conversando com um secretário do estado. Na terceira, tinha ido ao banheiro. Na quarta, alguém da redação me entregou o celular em mãos quando eu já me preparava para atender outra ligação do palácio do governo. Um dos secretários havia sido pego com a mão no meio da merda, havia dado no noticiário da televisão no dia anterior e os jornais da cidade agora procuravam mais coisas. Ninguém queria declarar nada e todos suspiravam a desgraça em off. "Este governo está podre, meu filho", ouvi de um deputado governista. Não pude publicar.
Era Luana e chorava. Não conseguia completar as frases. Disse que estava no trabalho, pedi calma, não estava entendendo. "Eu preciso te ver" ela disse naquele vendaval de choro, eu entendi que ela precisava me ver naquele instante. Falei pra ela me encontrar na praça do Relógio, que era perto do palácio do governo. Ela morava perto da Cidade Velha, chegaria lá sem maiores dificuldades. Disse que iria pessoalmente tentar arrancar alguma declaração do governo sobre o escândalo e me mandei da redação.
Havia aquele medo em mim permanente de Luana chegar à verdade sobre mim. Mentiroso. Adúltero. Cínico. O medo de como ela iria reagir, o medo de saber que eu era culpado pelas minhas ações. O medo de como seria a minha reação diante de minhas próprias faltas passadas a limpo. Coisas da vida, da minha vida, da minha cidade.
O carro da redação não demorou a chegar no palácio do governo. O reino da Dinamarca papa-chibé apodrecia a olhos vistos, homens de ternos esbaforidos entravam e saíam. Cinegrafistas e fotógrafos estavam a postos, alguns mais sábios no boteco próximo, bebericavam e sorriam. Luana estava perto de uma árvore, tentando me localizar e fui ao encontro dela depois de cumprimentar o Rogério, companheiro de redação. Ele também só obtivera novidades em off. Luana correu e me abraçou, tremia um pouco.
"Diga que me ama" ela pediu, "Diga que ama", pediu outra vez. "Te amo", não vacilei. Era a mais pura verdade, talvez a única verdade dita em voz alta naquela hora por aquela praça. Éramos únicos naquele instante, nervosos, apressados e verdadeiros. E em meio às nuvens que já carregavam o próximo temporal e o cheiro do Ver-O-Pêso, Luana finalmente sentenciou. "Já é o segundo mês que o sangue não vem". Dois meses. Não consegui conter uma ereção de pânico.
"Talvez ele não seja teu, amor", ela terminou e as lágrimas voltaram. Minha ereção cresceu. Abracei Luana como jamais pude imaginar que faria.
Talvez seja, meu bem, talvez seja.