segunda-feira, janeiro 08, 2007

Luchar, luchar

O tema é batido e a história é mais ou menos bem conhecida pelos letrados, mas nunca é demais fazer o apelo. Saiu numa coleção - ótima, diga-se - da Video Filmes o documentário "A Batalha do Chile", ultra-premiado e simplesmente fundamental para aqueles que se interessam por cinema, história, sociedade e quetais.

O diretor, Patricio Guzmán, estava terminando seus estudos na Espanha quando Salvador Allende venceu as eleições presidenciais chilenas em 1970. A democracia mais tradicional da América Latina elegia um comunista no poder, 11 aninhos depois da Revolução Cubana. Guzmán conta que largou tudo e correu de volta à sua pátria para documentar aquele momento mais do que histórico. Realizou um filmaço.

No filme, duas coisas impressionam: o apoio popular ao governo socialista de Allende e como o discurso burguês engrossa sempre que o povo chega mais ou menos perto de tomar o poder. Não recomendo a película a tucanos, que podem se constranger - se bem que Zé Serra estava Chile quando o pau comeu, exilado devido ao golpe de 64. Nos extras, o cinismo de dois americanos envolvidos no golpe (a história se repete mesmo) diante do massacre empreendido a uma democracia é de revirar o estômago.

Ficam no ar certas questões inexplicáveis. Como podem nascer sob a mesma bandeira o gênio de Bob Dylan e a mesquinhez sórdida dum Richard Nixon? A bravura elegante dum Caetano e a pequenez ridícula dum ACM Neto? Essas questões não estão explícitas no filme de Guzmán, mas o filme trata basicamente de pessoas e suas posturas - o mesmo Pinochet que manda bombardear o palácio do governo (com gente dentro) e oferecer um avião para Allende se exilar no além-Chile (com a ordem de abater esse mesmo avião) foi o chefe do dispositivo militar que deveria garantir o governo constitucional chileno, eleito democraticamente e aprovado em eleições parlamentares um ano antes do golpe.

Talvez haja quem não saiba, mas o golpe que tirou Allende do poder e o levou à morte (ele se suicidou, após sua resistência armada se mostrar infrutífera) aconteceu no dia 11 de setembro de 1973. Exatos 30 anos antes do 9/11 que tombou o WTC. Se eu fosse chileno, faria como a canção, "seguiremos nossas vidas e mesmo assim, não tenho pena de ninguém". Comemorar, só se Pinochet fosse enforcado num 11 de setembro perfurado em suas medalhas com suas tripas lhe estrangulando a vida. E seria muito pouco.