quinta-feira, outubro 23, 2003

Momento Meu Querido Diário - Início

Para aqueles que compartilharam minha aflição em ter o DVD de Notting Hill, tenho uma boa notícia. Meu querido irmão me disse que possui o cobiçado disquinho. Agora, mandemos todos e-mails para claudio@boogiemen.com.br convencendo o melhor irmão do mundo a me presentear com o DVD.

Ainda falando em filmes, comprei o recém-lançado box do Indiana Jones. Acabei de assistir ao Caçadores da Arca Perdida e estou pensado em virar a noite para ver logo os outros dois. Se mais tarde eu estiver com olheiras, não reclamem, foi por uma boa causa.

Momento Meu Querido Diário - Fim

A cidade e a cilada de Júlio Sarmento (parte 08 e final por aqui)

(continuação do dia 11 de outubro de 2003)

Só que ainda havia mais por vir. Ela, a Bia, resolveu me mostrar a tradução literal de seu agrado e tirou a blusa. Assim mesmo, sem dizer nada, bem na minha frente. Fiquei sem ação, atônito com tanto pecado e tanta beleza. Ela não usava sutien e deixou seus seios à mostra, ali, somente para mim. Não consegui me mover, queria tocá-los, mas estava nervoso demais. E eram seios tão bonitos, ligeiramente empinados como seu nariz e pequeninos.

Não era o correto a se fazer, Bia, ficar mostrando os seios. Eu estava em seu lar, me declarara apaixonado, mas não tínhamos ainda intimidade para tanto. Naquela situação eu só tinha uma coisa a fazer. Espero que você me perdoe, Beatriz Carvalho, mas minha consciência não aceitará outra atitude que não essa. Eu já havia ido longe demais quando entrei naquele quarto.

- Olha, isto não é certo, não deve acontecer desta forma. Acho que o melhor é que eu vá embora.

Seus olhos, aqueles olhos, eles pareceram se espantar. Ela não acreditou que eu iria embora realmente, parecia esperar alguma risada, revelando alguma brincadeira. Mas era verdade mesmo. Como eu poderia ficar lá, num quarto com minha Bia de seios nus e não pecar? Fazia tempo que eu não dava a devida atenção à saúde religiosa de meu espírito, mas eu ainda era cuidadoso para não cometer tantos erros num só dia. Eu deveria ir.

- Desculpe-me, não é nada com você, mas é que eu bebi demais e tenho que voltar para casa.

Em vão, tentei convencê-la a não se aborrecer. Ela se mostrava seca, sem dizer palavra alguma ficou em pé à minha frente com os seios me observando, decepcionados. Achei melhor nem beijá-la, como uma breve despedida, para não me tentar em permanecer junto a ela. Simplesmente me levantei, abri a porta e caminhei para fora do cortiço, contando os passos necessários até a saída, somente para deixar meu pensamento ocupado e não cogitar um retorno àquele quarto, àqueles seios. Foram 26 passos, 12 deles usados para descer a escada. E ainda chovia lá fora.

Não olhei para trás, não quis buscar os olhos daquela menina, minha Bia, atrás de mim para me fazer desistir. Não queria, também, me decepcionar em não os encontrar. De volta à Joaquim Silva, reencontrei a chuva que continuava caindo com intensidade. O panorama era o mesmo de quando eu entrei na Pensão da Jana: poucas pessoas à vista, a maioria bêbados e mendigos. Estava na hora de partir, Júlio Sarmento, já estava tarde e sua avó poderia estar preocupada em casa.

Caminhei até a rua Maranguape para pegar um ônibus. Um sujeito, bem em frente ao Asa Branca, vestia uma blusa preta encharcada com um "100% Negro" escrito em branco. Apanhei ali mesmo, na rua, quando o chamei de irmão e disse que eu também era negão. Oi, irmão, eu sou Júlio Sarmento, 100% negão. Ele não gostou, achou que eu estava fazendo pouco caso de sua raça. Sou mais ou menos 75% branco, afinal.

- Seu racista, filho-da-puta, vou te enfiar a porrada.

E me bateu muito, o 100% Negro, continuando até com chutes quando eu caí na calçada. Meu corpo doía demais, mas eu só queria sair dali, perigava minha Bia aparecer e me ver naquela situação humilhante. Seria um trauma para ela e para nosso amor.

Mas acabei ficando um bom tempo estendido na sarjeta. Vomitei de novo, por causa dos chutes no estômago. Meu corpo doía, principalmente as costas. Um pouco depois apareceu outro sujeito, um crente me dizendo que só Jesus mudaria minha situação. Não respondi, achei que iria doer se falasse. Maldito crente que, ao invés de me ajudar, perdeu tempo para me dar sermão. Se ele fosse realmente penitente a Jesus, teria me ajudado, não perdido tempo em me dar sermão. É claro que Jesus poderia me salvar, mas já era tarde, eu havia cometido diversos pecados mortais e não me sentiria bem em apelar a Jesus naquele estado ébrio. O tempo passava e eu só conseguia pensar em Bia.

Depois, muitos minutos depois, levantei-me com a ajuda de um vendedor de cachorro-quente que trabalhava pela área e disse se lembrar de mim. Não sei precisar quanto tempo se passou desde que eu entrei no cortiço até o momento em que eu peguei o ônibus. Algumas cenas pareceram durar bastante, como os meninos brincando na chuva e a surra do 100% Negro. Outras foram rápidas, e restaram apenas instantes em forma de sensações em minha memória. E os primeiros momentos junto a minha Bia, estes foram eternos.

A viagem de ônibus para casa durou pouco. Dormi por boa parte do percurso, pensei em Bia sempre quando acordado e me martirizei por não estar mais lá com ela. Em frente a meu prédio, agradeci ao Senhor por ter me trazido de volta.

(continua por aí)

quarta-feira, outubro 22, 2003

A Época desta semana deu como tema de capa novamente um tema recorrente: traição. Na reportagem, há um depoimento revelador da psicóloga Maria Helena Matarazzo, autora de Coragem Para Amar e talvez parenta de Marta Suplicy. Diz ela que ?estudos feitos no mundo inteiro mostram que a paixão dura de 18 a 30 meses. Depois disso, é preciso escolher entre uma viver uma tranqüila relação de amor com a mesma pessoa ou uma nova e arrebatadora paixão com outro.?

Vejam só que bacana, agora também podemos limitar as relações entre homens e mulheres com datas de validade. É supimpa ver os bacharéis e quetais esgarçando-se pelas vidas alheias com o fim de nos ensinar como deveríamos orientar a nossa. Sempre que me deparo com esse tipo de informação, sinto que estou ficando para trás na marcha da evolução das espécies, pois, que diabos me levou a pensar que estamos sempre à procura de alguém que seja pra sempre e, mesmo que o pra sempre seja breve, importa continuar procurando esse alguém?

Psicólogas e sonetos à parte, a minha lógica (bêbada, míope, de barba por fazer e surda, mas minha) acredita que homens e mulheres não foram feitos uns para os outros. Nossos poréns e horários dificilmente coincidem, nossos espaços se invadem. Desconheço qualquer amigo meu que seja entusiasta da afamada Sex & The City nem do Saia Justa, o que dirá do Meninas Veneno. E desconheço qualquer mulher que compreenda sem rancores que nós gostamos tanto de jogar quanto de ver jogado o nobre esporte bretão, seja no campo, seja na TV ou mesmo no video-game. Elas procuram por campeões olímpicos dispostos a sacrifícios e flores, nós procuramos apenas uma menina que goste de gostar da gente.

Pela lógica, eu devo acreditar que ser feliz sozinho é muito mais fácil. Mas não, não acredito nem um pouco nisso. Essa é a graça de ser humano, a lógica não nos justifica. Como vários, e talvez até como a Srta. Matarazzo, estou aí procurando a minha suposta cara-metade. Estamos todos correndo atrás de nossos dezoito meses, que podem muito bem durar dezoito anos ou dezoito minutos, tudo depende da gente querer. Mas, no fundo, o que buscamos mesmo é alguém que nos faça perder o controle, que nos faça maiores e nos faça eternos.

Então, retomando o ponto inicial, não nos custa nada lembrar que alguns casais permanecem mesmo após trinta e um meses juntos. Homens e mulheres, juntos, em impossível harmonia, comungando-se mutuamente. Será que duas pessoas poderiam se amar tranqüilamente por anos e anos sem estarem apaixonadas? Será que alguém consegue amar sem tesão? Será que estudos no mundo inteiro ignoram o que quem já amou sabe tão bem quanto eu: sacanagem com amor é muito mais sacana?

Acho que a Srta. Matarazzo está precisando de alguém pra ela. Um alguém que seja capaz de deixar de ver os gols da rodada para que ela não perca o beijo da novela. Afinal, tudo que nós precisamos mesmo é amor. Se possível, com cafuné e café na cama.

terça-feira, outubro 14, 2003

Culpabilidade e cumplicidade

Existe punição possível para um assassinato? Como chegar para a família do brasileiro Galdino e dizer que ele estava sem dinheiro para pagar um hotel, resolveu dormir num banco de praça e uns moleques que tinham dinheiro de sobra brincaram de ATEAR FOGO EM ÍNDIO com o pobre coitado? E isso é pior do que as guerras ditas santas (aliás, uma associação de palavras espetacular, guerra e santa), que pelo menos são declaradas e tem uma explicação, mesmo que ignóbil. Já os quatro marginais que colocaram fogo no índio tinham o único propósito de se divertir, nada a mais, apenas preferiram matar um sujeito qualquer a pagar uns R$ 20,00 para comer uma puta.

Tudo isso aconteceu em 1997, lá em Brasília, capital do Brasil, cidade que todos enchem a boca para dizer que foi planejada. Os bandidos são filhos de funcionários públicos, de um juiz federal e de um ex-ministro do TSE. Nós, zé-povinho em dia com nossos impostos, pagamos a educação dessa garotada. E com certeza pagamos também a mesada usada para comprar os fósforos.

Acho importante repetir porque talvez não tenha ficado claro, talvez já tenhamos esquecido: eles atearam fogo num ser-humano. E, mesmo assim, têm o direito a prisão semi-aberta. Podem até trabalhar, enquanto o IBGE apontou um índice de 13% de desempregados no país em agosto de 2003. Continuam estudando, mesmo com os níveis alarmantes de analfabetismo no Brasil.

Eles, os assassinos, arranjaram até namoradas, como informou uma matéria do Correio Braziliense desta terça-feira. Que mulher é essa que namora um sujeito que colocou fogo num índio? Eles não são nem aqueles bandidos charmosos, que escapavam da polícia, recitavam literatura e ajudavam os pobres. Nenhum Lucio Flávio, Hosmany Ramos, Robin Hood ou Leonardo Pareja. São apenas playboys que choraram e se esconderam debaixo das togas dos pais quando presos. Desculpem-me as mães destas namoradas, mas ou elas estavam sendo enganadas ou elas são putas. Se fosse minha filha, eu dava uma boa coça: ou para parar de ser otária, ou para parar de se prostituir.

A mesma matéria também informou que os marginais dirigiam, bebiam e iam a festas. Enfim, divertiam-se à vontade por aí. Eles foram agraciados com o regime de prisão semi-aberta no ano passado. Desde quando eles se divertiam como pessoas normais? Um, dois, seis, doze meses? Será que as fotos dessas pessoas não foram amplamente divulgadas? Será que seus rostos macabros não são bem conhecidos na cidade?

Vendo um desses bandidos na rua, há outra atitude possível que não chamar imediatamente a polícia? O que explicaria a permanência desses assassinos por tanto tempo num meio social e pretensamente sociável?

Seus compatriotas, nós, brasileiros, parecemos ter vergonha de admitir que alimentamos este tipo de marginal. Às vezes alguém lembra que os bandidos de favela, os traficantes pé-de-chinelo, estes são vítimas da exclusão social num país que, há muito tempo, vai dar certo apenas no ano seguinte. Alguns aceitam esta explicação, lamentam, e dão uns trocados para os jovens clowns em sinas de trânsito, com a tola certeza de que estão salvando mais uma alma do caminho do mal. Alguns até montam ONGs, a nova mania das dondocas sem nada para fazer depois do chá das três e antes do grupo de estudo de arte contemporânea.

Mas alguém precisa lembrar essa gente, nos lembrar, que o assassinato do brasileiro Galdino também é nossa culpa, máxima culpa. Nós pagamos os salários de seus pais, que não foram responsabilizados pela educação desastrosa. Existem pais ruins, mas estes nem a importância da vida ensinaram - o valor mais primário. Sim, nós compramos seus livros e pagamos as escolas caras, com a disciplina Moral e Cívica na grade de horário. E não as responsabilizamos. Compramos também os fósforos. São baratos, quase uma pechincha perto das excursões para a Disney que devemos ter pago.

Só que agora nós temos vergonha e não encaramos os assassinos de frente. Eles ficavam andando livremente por aí na rua sem que pessoa alguma olhasse fundo nos seus olhos. E é óbvio que todos sabem quem eles são, Mas nós temos vergonha do que fizemos, do que os tornamos. Em muitos casos, temos até vergonha por sermos iguais a eles, com vontades doentia, prontos para cometer um crime hediondo com a cumplicidade de toda sociedade. Esses assassinos de Brasília, que voltaram aos jornais agora, são os únicos capazes de nos lembrar de nossa culpa em sua formação. E que punição devemos dar para cúmplices de um assassinato?

segunda-feira, outubro 13, 2003

Definitivamente, toda minha pretensão intelectual sobre cinema vai para o espaço quando eu percebo que eu adoro Um Lugar Chamado Notting Hill. E, ainda, que este deve ser o filme que eu mais vi na vida.
Aliás, se alguém conhecer algum lugar onde venda o DVD do filme, avise-me.

domingo, outubro 12, 2003

A arte do espanhol Luis Royo é muito bacana.

sábado, outubro 11, 2003

A cidade e a cilada de Júlio Sarmento (parte 07)

(continuação do dia 27 de setembro de 2003)

- Não, Bia, eu não quero e acho que você também não deveria usar este tipo de coisa.

Ela riu, gargalhou. Não disse nada e continuou aspirando com prazer. Eu não tinha muito o que fazer ali, seria um chato se arriscasse algum discurso moralista e poderia afastá-la, minha Bia. Em relação a ela, talvez este tenha sido o único porém daquele nosso primeiro encontro. Ah, e como eu tentei apagar de minha memória, deixar apenas as lembranças agradáveis e nem ao menos dar espaço em meu relato à maconha! Mas seria impossível contar todo meu infortuno que se sucederia àquela noite chuvosa sem dizer que Beatriz Carvalho foi honesta comigo e confessou logo de cara um de seus maiores pecados. E eu a perdoei.

- Eu jurava que você fumava, você parecia estar chapado lá embaixo, falando aquelas coisas na chuva...

Eu já sabia que minha declaração de amor viraria chacota em algum momento da relação que eu aspirava ter com Bia, mas não imaginava que isso poderia acontecer tão cedo. Ela me provocava, sim, mostrava-se uma fanfarrona aquela Beatriz Carvalho, com o pouco respeito por coisas importantes para outrem, característica de sua idade e personalidade. Envergonhei-me com a situação, mas não tive muita alternativa a não ser confirmar minhas primeiras palavras. Fui sincero, Bia, estou realmente apaixonado, tenho certeza que você é a mulher da minha vida. Eu não tinha para onde fugir mesmo, estava num quarto fedorento com aquela maldita fumaça pecaminosa, com a porta fechada atrás de mim, com a janela fechada atrás dela e aqueles olhos me encarando e aguardando uma resposta.

- Eu só havia bebido um pouco, mas o que falei foi verdade. É que você é encantadora.

Finalmente retomei o juízo de minhas palavras e acreditei que a partir daquele momento eu conseguiria controlar a situação. Ela pareceu gostar do encantadora, deixou a maconha de lado, com a ponta acesa apoiada na tampa da lata em cima da cama, e sorriu. Abriu o armário, pegou uma toalha verde e me deu. Eu sequei meus braços e, enquanto encoberto pela toalha que secava meus cabelos, ela me puxou para sentar na cama. Já havia transferido todos os objetos dali para a o criado-mudo.

Sentou-se ao meu lado na cama, a Bia, e deitou sua cabeça no meu peito, apertando sua bochecha contra minha blusa molhada. Eu estava com as costas tortas, encostado na parede, apoiado pelos antebraços na cama, numa daquelas posições que um médico não aprovaria. Passei meu braço em volta de seu ombro esquerdo e a abracei com intensidade, porém suavemente. Meus dedos alisavam seu cabelo e eu até ousei alguns carinhosos arranhões. Meu coração acelerou e acredito que ela tenha reparado porque afundou com ainda mais força sua cabeça em mim. Beatriz Carvalho, você é minha, sou seu suporte, você está aqui, parte deitada sobre meu corpo. Não senti desejo, mas regozijei com a doçura daquela cena. Era como se nos conhecêssemos há muito tempo, como se ela fosse uma irmãzinha mais nova que pedia algum carinho ao irmão protetor.

Ficamos pouco tempo assim, porque num mundo machista onde eu deveria tomar alguma iniciativa, Bia não perdia tempo. Levantou-se e eu sofri momentaneamente pela perda daquele agradável encosto.

- Até que você me faz sentir bem à vontade, Sr. Júlio Sarnento.

E lá vinha ela novamente me provocando, adicionando tratamentos desnecessários a meu nome e ainda trocando meu sobrenome. Ah, Bia, sua sacana, você parece se aproveitar de um coração bêbado e apaixonado. Mas até que o que você disse dessa vez me agradou, apesar da escolha jocosa de palavras. Vou mais além e digo com certeza que esta frase, esta declaração de sentimento, este "à vontade" foi a melhor coisa dita por você a mim naquele dia. Voltando para casa um pouco depois, num ônibus qualquer que passava por Copacabana, lembrei desta frase acima de tudo. Mais até do que seus fascinantes olhos, mais até do que seus seios que você viria a me mostrar logo em seguida. Eu a fazia, minha Bia, se sentir à vontade. E que fosse num quarto, num cortiço ou pegando chuva na Joaquim Silva: eu, Júlio Sarmento, a fazia se sentir à vontade. Esta sensação foi suficiente para fazer aquela noite ter valido a pena.

(continua em breve)

sexta-feira, outubro 10, 2003

Elefante, o novo do Gus Van Sant, poderia ser melhor. Mas, de maneira geral, é um filme bem acertado, com narrativa esplêndida.

Mostra, quase documentalmente, como os princípios individualistas do consumo imediato estão nos transformando, de modo sutil, em pequenos homicidas. Ao retratar momentos na vida dos jovens que tomaram (ou teriam tomado, é um filme de ficção) parte na tragédia de Columbine, onde dois estudantes chacinaram colegas de classe e professores para depois se matar na Columbine High School, lá na Matriz (mais detalhes, o Michael Moore fez um bom documentário sobre o tema intitulado "Tiros Em Columbine"). Van Sant demonstra que não há grandes culpados, e por conseqüência, também não há grandes vítimas.

Todos eles simplesmente estavam ali. Alguns suportaram a pressão, alguns conseguiram sorrir, outros resolveram sair matando. E o mundo continuou em frente. Essa foi a grande sacada do filme, que quase se perde por deslizes menores do diretor, que tentou temperar a salada com pitadas de nazismo e homossexualismo. Diante da rapidez atual com que a vida segue, diante da possibilidade de encomendar armas por computador e recebê-las via sedex, diante das barreiras que as pessoas criam para evitar ao máximo conhecer o outro matar alguém ou matar alguéns ou não matar ninguém hoje em dia (para nós, que não morremos de fome) resolve-se da mesma forma como decidir ou não ler esse post até o fim. É uma decisão individual, em que cada vez menos importa um outro olhar. E o humano só pode ser humano quando coletivo.

Para quem já viu e pretende rever e para os que ainda pretendem assistir ao filme, reparem na fotografia. Em poucos filmes as imagens disseram tanto e com tanta profundidade.

segunda-feira, outubro 06, 2003

Elephant é genial!!!

É genial ao mostrar que tempo e espaço foram casualidades para aquele grupo de pessoas, vítimas, todas, de certa forma.

É genial ao não tentar julgar as pessoas e não perder seu tempo tentando explicar o que não tem uma resposta simples - sim, é fácil comprar armas; sim, os jogos de violência influenciam crianças; sim, muitos jovens sofrem uma situação de repressão na escola; mas não, não dá para culpar essas coisas com tanta propriedade e facilidade porque outros jovens também com problemas semelhantes, como a primeira menina a ser baleada, não seguem o mesmo caminho.

É genial por mostrar visualmente que existem pontos de vista diferentes e estes também são relevantes - não apenas para entender a história, mas para entender o próximo.

ps. Mais genial ainda é eu ter visto este filme numa tarde de quarta-feira no São Conrado Fashion Mall. Conselho que eu dou para todos aqueles que não têm nada para fazer numa tarde de quarta-feira: passeiem pelo Fashion Mall, lá concentra-se o melhor IDH feminino da face da terra, considerando as tardes de quarta-feira como espaço temporal de pesquisa.

ps2. Não olhei para nenhuma menina porque sou um cara comprometido (segundo os padrões tradicionais do ocidente) e, sobretudo, correto.

quinta-feira, outubro 02, 2003

O amor de cada um (IX)

Todos os sábados, César Toledo deixa seu prédio na Rua Joana Angélica, em Ipanema, às 15h e caminha até a Praça Nossa Senhora da Paz. César conta para sua esposa, Lúcia, que quer aproveitar a tranquilidade da praça para ler. Lúcia nunca questionou as intenções de seu marido e também nunca quis acompanhá-lo. César tem 54 anos e está casado há 25. Lúcia é uma boa esposa, atenciosa e compreensiva, mas nunca teve muita paciência para os delírios solitários de César. Ao menos, ela também não se importa.

No último sábado, véspera da comemoração da independência do Brasil, ele seguiu sua rotina. Sentou, o César, num banco próximo ao parquinho das crianças e abriu A Peste, do Camus. Na verdade, ele pouco lia livros naquele banco. César ficava ali, sentado, atento, agoniado, observando as crianças que brincavam na praça. Ele não entendia exatamente seus sentimentos, mas gostava de observá-las, meninas e meninos brincando inocentemente ao ar livre. Não entendia, ou não queria entender.

Ele até tentou disfarçar naquele dia, mas Castel, Tarrou, Rambert e Rieux não conseguiram prender mais sua atenção do que Aninha, Marcinha, Pedrinho e Carlinho. Foi a sapeca Márcia Francisca de Oliveira, de 8 anos, filha de uma editora de livros infantis e de um tenente da aeronáutica, que pediu para César ajudar seu grupo de amigos. Ele apenas teria que dizer um número, de 1 a 4, para designar aquele que começaria contando até 30 em voz alta com os olhos cerrados em frente à lateral do escorrega, para depois sair à procura dos outros que iriam se esconder.

Mas César não esperava que logo ela, uma criança que viera ver, fosse falar com ele. Gaguejou a princípio, mas logo aceitou a tarefa, como não poderia deixar de ser. A mais, propôs às crianças ser ele, também, um fiscal da brincadeira, garantindo justiça ao resultado de cada rodada. Elas, as crianças, concordaram.

Enquanto isso, quatro babás, cada uma responsável por cada uma das quatro crianças, conversavam alegremente sobre os namorados, existentes ou não, e também sobre samba. Jussara, mulata, moradora de São João de Meriti e babá de Pedrinho, defendia o grupo Os Travessos como o mais representante símbolo da musicalidade brasileira. Já Juliana, também mulata, moradora de Ramos e babá de Aninha, dizia com propriedade que o Fundo de Quintal nunca seria igualado. As duas eram boas babás, apesar de seus patrões, Suzana, José, Maria e André, não parecessem se importar tanto assim. Eles, os patrões, nem tinham idéia de seu gosto apurado por samba. Provavelmente nem lembravam os locais onde elas moravam.

As babás viram César dialogar com as crianças. Ali, na Praça Nossa Senhora da Paz, é bastante comum que pessoas mais velhas brinquem um pouco com os filhos dos outros. Elas eram boas babás e ficaram atentas ao objetivo de seu trabalho, mas continuaram sentadas à distância, conversando sobre assuntos diversos.

Ele, César, passou pelo menos 10 minutos mais próximo do que o habitual àquelas quatro crianças. Reparava em seus gestos, cabelos, olhos, narizes, mãos, braços e pernas. Algumas vezes abraçava uma ou outra para comemorar uma boa performance na brincadeira. Seu preferido para os abraços era Carlos Aguiar Alves, de 10 anos, filho de dois médicos - ele, pediatra, e ela, oftalmologista - e bom aluno no colégio. O garoto fazia natação e tinha os ombros largos, ideais para um abraço mais gostoso. César também dava carinhosos tapinhas nas bundas das crianças, como incentivo à brincadeira. Se alguma delas se importou, pelo menos não demostrou.

Pouco tempo depois, sem se despedir, César saiu de perto das crianças e caminhou para fora da pracinha. Ele não reparou, mas um senhor, Josias, pai do menino Fernando Rodrigo Albuquerque, que estava sentado num banco da praça enquanto seu filho brincava no balanço, ficou observando seus passos por todo o tempo. Todo sábado, Josias via César ali na Nossa Senhora da Paz e alguma coisa nele o chamava a atenção. Só que ele não sabia exatamente o que era. Ou não queria acreditar.

César partiu dali direto para a igreja próxima ao parquinho. Ajoelhou-se por trás do banco mais afastado do altar e passou meia-hora rezando. Todos os sábados, César, depois de sair da praça, passava um tempo rezando naquela igreja.