segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Trilhas sonoras ou O que vou cantar na minha festa de aniversário?

Eu não tenho a menor idéia do que a tal Chava Alberstein canta, mas a música "Had Gadia", presente no filme Free Zone, do Amos Gitai, é bacana demais. A cena inicial do filme, aliás, é fantástica, uma das melhores que eu vi no ano passado: Natalie Portman, lindinha como ela só, chora dentro de um carro, chovendo lá fora, num close constrangedor se ela tivesse vinte anos a mais. E toca "Had Gadia" incansavelmente, um verso atrás do outro, em tom sempre crescente, cada estrofe mais acelerada e comprida que a anterior. Talvez, se deixassem tocar a música durante toda a projeção, um filme medíocre poderia até se transformar num bom filme.

Segundo o wikipedia, "Had Gadia" é uma canção tradicionalmente entoada no fim de uma festa judaica, que conta a história de um pequeno cordeiro comprado por um pai, e tudo de interessante que pode vir daí. Para evitar decepções, é melhor não conhecer a tradução, tenho certeza.

Outra canção presente em filme e que também pouco importa a tradução é "Suo Gan". Lembram do Cristian Bale correndo com aquele coro infantil no fundo em Império do Sol, do Spielberg? Não teria a mesma graça sem a "Suo Gan" lá. A música galesa fala do carinho da mãe para com o filho, com ritmo e objetivo de ninar a criança. Garanto que funciona. Eu mesmo, que há muito deixei de ser criança, volta e meia deixo "Suo Gan" tocando à noite, para pegar no sono. Raramente preciso de mais de uma audição.

Na onda de músicas fofas para crianças, nada supera "Por que te vas", de uma tal Jeanette. Também presente num filme, lógico, o ótimo Cria Cuervos, do Carlos Saura. Neste caso, porém, eu entendo a letra: Hoje na minha janela brilha o sol/ E o coração/ Fica triste contemplando a cidade/ Porque você vai. Filme e canção deveriam ser dados como exemplos em escola do bom uso do diminutivo não-depreciativo: fofinhos e lindinhos.

"Por que te vas" é tão impressionante que eu não vejo Cria Cuervos há pelo menos dez anos, mas as crianças brincando com a música ao fundo não saem da minha cabeça. Nem "Llorando" em Mulholland Drive, do Lynch, melhores música, filme, cena e diretor do que a equipe do Saura, me marcou tanto (mas eu choro lembrando que "no hay banda").

E eu acho que é justamente este o barato de uma boa canção num filme: imortalizar uma cena. Nem é necessário entender a letra. O filme é a letra que importa naquele momento. E a música, quando o editor não é bobo, cai com perfeição como trilha sonora, independentemente do que ela diz.

É assim com a gente também, não? Duvido que eu seja o único maluco que fica imaginando músicas fofas para os momentos da vida. Aliás, já até pensei numa para o meu próximo aniversário: "You Got It", do Roy Orbison. Mas eu queria como em Somente Elas, com uma Whoopi Goldberg cantando com uma voz fraca e um olhar apaixonado. Ou então eu poderia cantar. É isso, quero cantar "You Got It" na minha festa de aniversário. "Every time I hold you I begin to understand/ Everything about you tells me I?m your man/ I live my life to be with you/ No one can do the things you do".

Mas antes é apropriado que eu aprenda a cantar.

domingo, fevereiro 12, 2006

XI

A prática me ensinou a beber. A prática me ensinou a fumar. A prática me ensinou a foder. Ela já havia me ensinado até a escrever, mesmo sob forte ressaca e cheirando a cigarros e rum. Ninguém mais que a prática poderia ter me ensinado a mentir.

O problema da mentira é justamente a verdade que ela carrega em si. E a verdade, se não estiver nos fatos, estará nos sujeitos. Foi Paola, num telefonema após ouvir uma das minhas desculpas oficiais, quem decretou. "Você está me saindo um belo safadão". Rimos ambos. Ela, nervosa, eu, cínico. A cidade já começava a ficar pequena diante de mim dando amor a duas mulheres que me queriam mais, que não poderiam saber uma da outra, que não gostariam de descobrir que havia outras. Eu era um homem marcado em Belém. Carregava nas costas uma tatuagem inesquecível, todas comentavam assim que a viam. Luana sabia duma prima sua que havia terminado uma noite num quarto de pensão perto do centro com um carioca, moreno, de óculos que tinha uma tatuagem vistosa nas costas. A gente estava juntos já havia um par de meses, a prática me ensinava a trair.

Ela me olhava furiosa enquanto eu fazia a melhor cara de espanto para salvar nosso namoro, my own private Idaho. Nosso Belém Affair. Eu tinha medo de perder Luana e pior, jamais me perdoaria se ela deixasse de sorrir e voar naquela cidade tão pesada por minha culpa. Luana me dava uma alegria quase infantil em me amar, em ser apenas uma garota que fazia questão de dar as mãos para desfilar comigo perto da rua onde morava. Ela sabia que eu era, por bebida demais ou juízo de menos, o carioca da tatuagem que havia saído da festa com sua prima, caminhou meia quadra, alugou o pernoite na pensão e apenas fechou a porta para, ainda de pé, fodê-la contra a porta. Depois fizeram no chão. Na segunda vez no chão ela se apoiou na cama e foi o máximo que eles usaram da cama. E por fim, quando ela queimava o baseado que o homem do Rio preparou sem pressa e calado, ela gozou pelo cu olhando a cidade sob o efeito do beck apoiada na janela, ele mordendo as costas. Desabaram no chão e ali dormiram um par de horas até o interfone tocar anunciando o fim da diária.

"Claudiane me mostrou até as dentadas nas costas", Luana me odiava, "ela disse que nunca mais vai gozar daquele jeito outra vez". Ela maldizia o safado por oferecer a erva pra bichinha, a sua prima só tinha dezoito anos, mal cursava o segundo grau. Eu nada dizia, tomado pelo medo da minha voz me trair e por um pânico sincero de levá-la a atos perigosos, porque ouvir a narração pormenorizada duma foda ocorrida cerca de três meses passados causava em mim uma poderosa ereção. Lembrava de Claudiane chorando sobre mim após ter inaugurado o cu, lembrava dos meus cabelos sendo arrancados enquanto eu a fodia contra a porta, sua buceta levantada do chão pela minha língua. Quis contar tudo a Luana naquele instante, reproduzindo nela o que fizera com a prima. Era uma manhã de domingo, estávamos comendo pão e tomando nescau, havia sido uma noite morna, ela quis dormir abraçada comigo porque a tia estava no hospital. A tia, mãe de Claudiane. Naquela noite, prometi que cuidaria dela, Luana, fiz cafuné, beijei seus olhos que choravam sem escândalo. Ela percebeu pelo meu short a urgência, me apertou de leve, me deu um beijo e se virou para dormir de conchinha. Aninhou sua bunda fundamental de modo que a minha urgência ficasse bem feliz entre suas maçãs sob o lençol, sob o short, ante a sua calcinha. Usava o meu braço direito feito bicho de pelúcia e não disse boa noite, amor naquela vez. "Obrigada por me amar". Eu quase chorei.

De repente, ela desatou a rir diante da narrativa da trepada de Claudiane. Ria e me olhava. Eu não entendia nada e cada vez entendia menos. "Ela me disse que não quer mais o namorado porque ele não sabe comer o cu dela! Viciou a Claudinha, o safado!" e ria. Resolvi arriscar e acompanhei sua instantânea felicidade naquela manhã, ela era mulher mais linda do mundo quando queria. Ela jamais poderia saber que vê-la sorrindo com o pedaço de pão na mão me cortou em pedaços mil de arrependimento e tristeza e meu riso foi na verdade pranto. Ela se levantou e veio sentar no meu colo, me cobriu de beijos. E perguntou se era eu o carioca que havia viciado Claudiane em sexo anal. Você não vai me dizer que também negaria? A cozinha foi pouco para aquela manhã. O quarto foi pouco para a tarde. Ela destilava em meus ouvidos crimes que a prima a descrevera, eu os reproduzia em seu corpo. E depois tivemos que inventar mais pecados.

A prática, meu bem, a prática.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Evolução

Não se espantem, este é mesmo o terceiro dogma escrito e publicado num mesmo dia. Também não me julguem achando que não tenho nada para fazer no trabalho. Não é verdade. Além de escrever bastante rápido (o que não é a mesma coisa do que escrever bastante bem), percebi que fiquei muito tempo sem atualizar isso aqui e resolvi compensar com mais de uma besteira. No caso, mais de duas.

Além disso, esta última história tem sua relevância para entender o ser-humano e para explicar como me tornei um homem evoluído. Vindo para o trabalho hoje, quase tomei um tiro. Passava por um dos túneis da Linha Amarela, andando devagar pela direita e ouvindo Chico. Conhecem "Eu te amo"? Sabem "Como, se nos amamos feito dois pagãos/Meus seios ainda estão em tuas mãos/Me explica com que cara eu vou sair"? Não é momento para se estressar, definitivamente.

Não andava como uma lesma. Estava a uns 100 km/h. E na pista da direita, repito. Mesmo assim, um imbecil grudou na minha traseira, piscou os faróis e insistiu que eu saísse para que ele ultrapassasse. Foi demais. A pista correta para ultrapassagens, como todos sabem, é a da esquerda. Aquele infeliz forçando a barra pela direita definitivamente não fazia sentido e eu não cedi, obviamente.

Não saí da direita, não dei passagem e ainda coloquei o braço para fora, apontando a pista da esquerda como a correta para aquele tipo de atitude estúpida e fiz um sinal feio com o dedo médio. Maldito André e sua intempestividade. O infeliz me ultrapassou pela pista do meio, fez sinais não mais honrosos para mim e ainda fechou meu carro. Não sei se ele pretendia provocar um acidente ou apenas me assustar. Sei que definitivamente nada adiantou. Não me assusto com facilidade e dirijo muito bem para um idiota me fazer bater de carro.

Ele, porém, prosseguiu com as gracinhas até o pedágio. Lá, parou o carro em frente ao meu, na pista do passe expresso, local de onde não era possível fugir. Havia um guarda municipal no local, o que me deu certa tranqüilidade. Quando estamos certos, não costumamos temer represálias oficiais. O sujeito falou qualquer coisa para o guarda, saltou do carro e veio em minha direção.

Esses segundos duram em média milésimos de segundos. Eu tenho uma certa vantagem em relação a outrem de estar preparado para surpresas durante a vida. É isso, pelo menos, o que eu laureio por aí. Deve-se pensar rápido para não se fazer besteiras, ensinavam os Dons no São Bento. Na minha profissão, então, é importante estar preparado para respostas e atitudes de todo tipo, a fim de não ser enganado. A única pessoa que consegue me surpreender, aliás, é minha namorada. Não vou dizer se negativa ou positivamente porque não quero arrumar confusão.

O que quero dizer mesmo é que o sujeito me ameaçou, perguntou qual minha moral para xingá-lo com o dedo médio e disse que eu deveria tomar cuidado para não morrer. Sua camisa era larga e parecia haver algum volume.

Nessa situação, normalmente eu sairia do carro e deflagraria uma discussão que, possivelmente, terminaria com dois trogloditas rolando no chão. Mas me contive. Muito pela possibilidade de ele estar armado, muito pela falta de necessidade de um ato de afirmação machista.

Assim, eu apenas o lembrei de que ele estava correndo demais na pista da direita, mas pedi desculpas pelo meu gesto. A maturidade me trouxe humildade e consegui conter meu orgulho.

O guarda, depois, veio dizer que o sujeito estava um pouco alterado e que eu deveria relevar. O cara, provavelmente, era policial. Retratos de uma cidade onde pessoas agem sem pensar, brigam, atiram e fazem suas leis. Eu, pelo menos, me senti superior.

Não há dogmas reais ou Como espantar caretas desse blog?

Eu odeio gente careta. Certa vez inventei, para um amigo que recentemente havia largado a batina, que havia dado o rabo na noite anterior. Ei, Lucas, eu dei o rabo ontem à noite, dei para o João. Lembra do João? Não acha que fiz muito bem?

Lucas ficou chocado, como imaginava. E eu acho mesmo que há situações em que devemos chocar os outros, com o objetivo de trazê-los mais para próximo da realidade. Ele desligou e disse que iria rezar por mim. Vou oferecer minhas preces para você, André, para que você reencontre Deus. Ele ainda ligou para o João que, malandro, confirmou a história.

Mas Deus não tinha nada a ver com o fato de eu dar ou não o rabo. Eu sentia a dor, o problema era meu, portanto. Assumir a passividade no sexo anal, naquele caso, foi a forma que encontrei para espantar a caretice de Lucas. Não sei se ele melhorou, mas sei que parou de me procurar até que eu desmentisse a história. Porém, até hoje, quando nos encontramos, ele fala que não acredita em desmentidos.

Com o objetivo de espantar a caretice, adoro falar para familiares ingênuos que determinadas pessoas, preferencialmente as de comportamento ilibado, usam drogas usualmente. Mas não tem nada demais, mãe, o Matheus cheira uma carreirinha só por diversão. Deus, nestes casos, também é evocado com palavras. Esquece-se que mais uma vez Ele nada tem a ver com isso e que ninguém tem o direito de evocar Deus.

Os caretas têm essa mania de reclamar de drogas. Eu, que quase nunca sou careta, não tenho problema algum com drogas, apesar de não as usar muito. Um amigo, Marcos, certa vez me ofereceu umas bolinhas coloridas dizendo que daria uma baita onda. Recusei. Porra, André, você é muito careta, cara, precisa se liberar mais. Mas eu encho a cara, faço minhas merdas e pouco tenho pudores, Marcos. Será que sou tão careta assim?

As bolinhas de Marcos, a carreirinha de Matheus, a confirmação de João e o espanto de Lucas são a maior prova que consigo lidar com distintas personalidades, sem me espantar. Até aceito os caretas na minha vida, com o mesmo afeto que aceito os ditos "modernos" (uma praga pior que os caretas, garanto). Só que não os quero aqui, no Inventando Dogmas. Eles nunca me entenderiam.

Reciprocidade, expectativa e hipocrisia

Cheguei de viagem e o que mais queria era vê-la. Poderia ficar horas apenas observando sua boca semi-aberta e ouvindo sua respiração ofegante enquanto dormia, como já havia feito tantas vezes. Bastava que ela estivesse próxima e acessível, que eu me daria por satisfeito. Não pedia reciprocidade. Nunca pedi.

Poderia até chover torrencialmente e eu ter que me aventurar com água até o joelho pelas ruas do Rio, que estaria tudo bem. Aprendi que é muito mais divertido pensar no momento que se vai encontrar novamente alguém do que no trabalho maravilhoso que se pretende fazer. Empregos passam e podem ser substituídos. Pessoas não. Assim, meu trabalho se tornou irritante e dia após dia mal espero a hora de ir embora.

Mas nem sempre as coisas acontecem como planejamos. O grande problema da expectativa é, lógico, a possibilidade de ela não se concretizar. A gente quer alguma coisa, pensa nela o tempo todo e na hora H, merda, nada feito. Eu, instável pra cacete, sei bem o que é isso.

Acreditem, sou o tipo de sujeito que pode ficar horas parado na frente de um lugar, em troca apenas de um instante próximo a alguém. O problema começa quando este instante que, para um foi um sacrifício, para o outro não tem a menor importância. Tudo bem, tudo bem, deixo vocês me acusarem de hipócrita: às vezes a reciprocidade é bacana, sim.

Assim, eu ter querido vê-la depois de chegar de viagem pareceu não ter surtido efeito algum. Acho que faltou comprar um presente. Talvez flores, talvez crisântemos. Ou, talvez, tal como aqueles caras que iam para a guerra e ficavam anos fora, eu tenha voltado cedo demais de uma viagem cujo retorno não era mais esperado.