domingo, fevereiro 12, 2006

XI

A prática me ensinou a beber. A prática me ensinou a fumar. A prática me ensinou a foder. Ela já havia me ensinado até a escrever, mesmo sob forte ressaca e cheirando a cigarros e rum. Ninguém mais que a prática poderia ter me ensinado a mentir.

O problema da mentira é justamente a verdade que ela carrega em si. E a verdade, se não estiver nos fatos, estará nos sujeitos. Foi Paola, num telefonema após ouvir uma das minhas desculpas oficiais, quem decretou. "Você está me saindo um belo safadão". Rimos ambos. Ela, nervosa, eu, cínico. A cidade já começava a ficar pequena diante de mim dando amor a duas mulheres que me queriam mais, que não poderiam saber uma da outra, que não gostariam de descobrir que havia outras. Eu era um homem marcado em Belém. Carregava nas costas uma tatuagem inesquecível, todas comentavam assim que a viam. Luana sabia duma prima sua que havia terminado uma noite num quarto de pensão perto do centro com um carioca, moreno, de óculos que tinha uma tatuagem vistosa nas costas. A gente estava juntos já havia um par de meses, a prática me ensinava a trair.

Ela me olhava furiosa enquanto eu fazia a melhor cara de espanto para salvar nosso namoro, my own private Idaho. Nosso Belém Affair. Eu tinha medo de perder Luana e pior, jamais me perdoaria se ela deixasse de sorrir e voar naquela cidade tão pesada por minha culpa. Luana me dava uma alegria quase infantil em me amar, em ser apenas uma garota que fazia questão de dar as mãos para desfilar comigo perto da rua onde morava. Ela sabia que eu era, por bebida demais ou juízo de menos, o carioca da tatuagem que havia saído da festa com sua prima, caminhou meia quadra, alugou o pernoite na pensão e apenas fechou a porta para, ainda de pé, fodê-la contra a porta. Depois fizeram no chão. Na segunda vez no chão ela se apoiou na cama e foi o máximo que eles usaram da cama. E por fim, quando ela queimava o baseado que o homem do Rio preparou sem pressa e calado, ela gozou pelo cu olhando a cidade sob o efeito do beck apoiada na janela, ele mordendo as costas. Desabaram no chão e ali dormiram um par de horas até o interfone tocar anunciando o fim da diária.

"Claudiane me mostrou até as dentadas nas costas", Luana me odiava, "ela disse que nunca mais vai gozar daquele jeito outra vez". Ela maldizia o safado por oferecer a erva pra bichinha, a sua prima só tinha dezoito anos, mal cursava o segundo grau. Eu nada dizia, tomado pelo medo da minha voz me trair e por um pânico sincero de levá-la a atos perigosos, porque ouvir a narração pormenorizada duma foda ocorrida cerca de três meses passados causava em mim uma poderosa ereção. Lembrava de Claudiane chorando sobre mim após ter inaugurado o cu, lembrava dos meus cabelos sendo arrancados enquanto eu a fodia contra a porta, sua buceta levantada do chão pela minha língua. Quis contar tudo a Luana naquele instante, reproduzindo nela o que fizera com a prima. Era uma manhã de domingo, estávamos comendo pão e tomando nescau, havia sido uma noite morna, ela quis dormir abraçada comigo porque a tia estava no hospital. A tia, mãe de Claudiane. Naquela noite, prometi que cuidaria dela, Luana, fiz cafuné, beijei seus olhos que choravam sem escândalo. Ela percebeu pelo meu short a urgência, me apertou de leve, me deu um beijo e se virou para dormir de conchinha. Aninhou sua bunda fundamental de modo que a minha urgência ficasse bem feliz entre suas maçãs sob o lençol, sob o short, ante a sua calcinha. Usava o meu braço direito feito bicho de pelúcia e não disse boa noite, amor naquela vez. "Obrigada por me amar". Eu quase chorei.

De repente, ela desatou a rir diante da narrativa da trepada de Claudiane. Ria e me olhava. Eu não entendia nada e cada vez entendia menos. "Ela me disse que não quer mais o namorado porque ele não sabe comer o cu dela! Viciou a Claudinha, o safado!" e ria. Resolvi arriscar e acompanhei sua instantânea felicidade naquela manhã, ela era mulher mais linda do mundo quando queria. Ela jamais poderia saber que vê-la sorrindo com o pedaço de pão na mão me cortou em pedaços mil de arrependimento e tristeza e meu riso foi na verdade pranto. Ela se levantou e veio sentar no meu colo, me cobriu de beijos. E perguntou se era eu o carioca que havia viciado Claudiane em sexo anal. Você não vai me dizer que também negaria? A cozinha foi pouco para aquela manhã. O quarto foi pouco para a tarde. Ela destilava em meus ouvidos crimes que a prima a descrevera, eu os reproduzia em seu corpo. E depois tivemos que inventar mais pecados.

A prática, meu bem, a prática.