segunda-feira, maio 31, 2004

Amigos, amigos, negócios à parte

Um cara que eu gostaria que fosse leitor deste blog é o lendário Carlos Jazzmo. Tanto que após este post, eu provavelmente irei mandar um e-mail ao dito cujo com o link daqui dizendo que ele foi citado, e bem citado.

Vejam só. Ele é mais alto, mais jornalista, mais escritor, mais guitarrista, mais bonito, mais bem-casado e mais judeu que eu. Ele já entrevistou o Jimmy Page e o Pedro Juan Gutiérrez. Mesmo assim, eu sou mais empregado que ele. Sabem como é, uma amizade precisa se basear no equilíbrio, eu precisava ao menos de uma carta na manga. Nem que fosse blefe.

O Dilema de Sigmund

Freud, de quem eu espero que você(s) já tenha(m) ao menos ouvido falar, deve ser, ao lado de Maradona, o cocainômano mais ilustre do planeta. Cheirou tanto que inventou uma ciência, mesmo demasiadamente humana, que estuda as doideiras que não cansam de existir, a tal Psicanálise. Pois bem, Freud, reza a lenda, em seu leito de morte se perguntou finalmente: "O que deseja a mulher, afinal?". Não conseguiu resposta.

Eu passei num concurso público recentemente e tenho diploma de curso superior pra esfregar na cara do primeiro ex-BBB que resolver implicar comigo. Emprego estável, nível superior completo, bom-humor, habilidade na cozinha, moreno de praia, fã de Ben Harper, gosto por poesia, bom bebedor, facilidade em fazer amigos, disposição para boas trepadas, lavar louças e levar o lixo para fora. E solteiro. O que mais você deseja, querida?

domingo, maio 30, 2004

Wander & Júpiter - Música do Coração

Quando guitarra, baixo, bateria e vocais se plugam ao coração, a música leva você a outra dimensão. Vem daí a tal filosofia que brada a plenos pulmões que o rock pode salvar o mundo, através da dança, de um bom fraseado de guitarra e o nosso coração. Um pensamento quase imaturo, eu sei, inocente demais para se fazer valer na lógica mercantilista das gravadoras mas que nem por isso deixa de acontecer conosco. Aconteceu comigo ontem, durante a apresentação dos gaúchos Júpiter Maçã e Wander Wildner na Loud!, festa que se realiza no Cine Íris, em sua última edição no dia 29 de maio.

Júpiter entrou no palco primeiro e, apesar de não ser tão familiar assim a nossos olhos e ouvidos, conquistou logo o bom público presente com sua música notoriamente beatlemaníaca. Voltando a cantar em português, ele trouxe as canções do seu novo disco, Júpiter Maçã no. 4, ainda a ser lançado, para o público carioca. Ministrou suas novas composições como "A Marchinha Psicótica do Dr. Soup" e "Síndrome de Pânico" com outras mais antigas (como a clássica "Lugar do Caralho"). A pegada roqueira sessentista com doses de britpop lisérgico de Júpiter agradou bastante a todos (o Cine Íris estava cheio), colorindo o show de Júpiter com um clima de festa e aquecendo todos para a apresentação de Wander.

Wander Wildner, com a bola cheia desde o Curitiba Pop Festival quando dividiu o palco com Frank Jorge, já é quase figurinha carimbada nos palcos cariocas. Ainda bem. Para este escriba, Wander é provavelmente um dos melhores cantores de rock vivos sobre a Terra, dividindo espaço no palco com gente como Neil Young e David Bowie, portanto não vou me desculpar pelos exageros porque serão todos muito sinceros. Wander trouxe ao Rio sua turnê de lançamento de "Paraquedas do Coração", disco com a produção de Tom Capone e recheados de baladas sangrentas e certeiras. Versões para "Candy", de Iggy Pop, "I Believe In Miracles" (traduzida em "Eu Acredito Em Milagres"), dos eternos Ramones e até "Hippie-Punk-Rajneesh", dos Replicantes, outrora banda onde Wander era vocalista, compõem o novo disco junto com as belíssimas "Eu Não Consigo Ser Alegre O Tempo Inteiro", "Rodando El Mundo" e "A Última Canção", e puseram o pessoal no Cine Íris para pular, pogar e cantar. Wander abriu o show com a lindíssima "Mantra das Possibilidades" (dos versos "Meu desejo é estar contigo/Mas eu não consigo/Eu sempre fico em paz") e tocou ainda as clássicas "Quase Um Alcoólatra", "Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo" , "Bebendo Vinho" e "Empregada". Um show acima de qualquer dificuldade técnica, marcado com a cumplicidade do público com o artista, coisa de quem faz e escuta música com o coração aberto.

Vou deixar este último parágrafo então para uma menina chamada Cecília, que esteve perto de mim ontem durante os shows. Enquanto Júpiter cantava um blues que Dylan se esqueceu de compor (com direito a violão e gaita), guitarra, violão, baixo, bateria, teclado, gaita e vocais se plugaram ao meu coração enquanto abraçava Cecília, dançávamos juntos e eu fechava os olhos. Eu estava noutro plano. O rock e Cecília estavam salvando o mundo naquela noite. Que sorte a minha.

quinta-feira, maio 27, 2004

Era o dia mais frio do ano. Atravessava as rua veloz mas se demorava a olhar para as revistas e jornais em bancas, vira-latas que dormiam em praças, namorados que beijavam em pontos de ônibus. Estudava as menores cores talvez na esperança de absorvê-las para si e então voltava a vasculhar a cidade que anoitecia. Qualquer um seria capaz de perceber, mesmo estando de longe, que ela apenas caminhava sem ter um destino certo, e ninguém decerto poderia adivinhar que pela mesma razão ela apressou seus passos num certo instante. Esta cidade é grande demais para passinhos de menina moça, ela se afundou no casaco e acelerou.

Bateu pernas por mais uns metros até enxergar os meninos rachando uma pelada no terreno perto da escola. Entre xingos e pontapés foi reconhecendo o Peu, o Du, o Careca, o Amarelo. O frio começara a garoar de fininho, um quase nada que cortava a pele. Ela achava graça em ver como os guris levavam a sério o jogo e suas regras, sonhando-se mutuamente craques invencíveis. Estranhou o Deco, logo ele que gostava tanto de bola, não estar ali no rachão no meio das divididas e dos gritos.

"O Deco, onde estará esse menino?" pensou em voz alta para si mesma, enquanto a mão esquerda apertava o envelope de papel no bolso do casaco. Viu que as nuvens, bem como as horas do dia, iam já pesadas e escuras. Tratou de direcionar seus passos apressados e mesmo assim vacilantes para casa, o coração quase lhe faltava quando pensava no envelope que sua amiga Val havia entregue a ela pouco antes de bater o sinal da última aula do dia. O Deco pediu pra te dar, Val sorria, depois me conta o que é, Val brilhava. Oras, era um envelope de carta branco, como qualquer outro, escrito "Lu". Não quis abrir na escola, faltou coragem para abrir no ônibus de volta para casa, aquela gente toda olhando. Almoçou com a mãe em casa e não disse nada. Saiu para o curso de francês, mas ficou andando pela cidade, a imaginação tentando adivinhar o estaria escrito no papel dentro dele.

No portão de casa, respirou fundo e tirou do bolso aquela taquicardia. Abriu, as letras tremidas feito ela. Deco não era bonito que nem o Peu ou o Amarelo, mas não era feio e era bom de bola. A Val mesmo havia dito uma vez que já tinha visto o Deco beijar na boca, será que tinha sido de língua? As letras tremidas ficaram tão bonitas no papel, como ele descobriu que eu adoro essa música? Deco, ao que parece, era malandro e não dormia no ponto. Lu ficou no portão, um sorriso do tamanho do mundo, lendo e relendo o bilhete embaixo da garoa que virava chuva e regava aquele primeiro amor.

terça-feira, maio 25, 2004

O Barrichelo é ridículo. Chega em terceiro lugar quase uma volta atrás do segundo e tem a cara de pau de declarar para o público que fez uma boa corrida. Dá uma entrevista antes da prova dizendo que o Schumacher DEIXARIA ele chegar na frente, se fosse o caso, por ser a corrida (domingo último, em Mônaco) na data de aniversário dele, Barrichelo. Ridículo, derrotado e conformado. O Barrichelo é a prova viva de que o alemão é um puta dum piloto porque, com a mesma Ferrari, Schumacher arrumou 5 títulos mundiais, todos de modo acachapante, humilhando os demais adversários e Barrichelo... bem, o que dizer de Barrichelo?

É como se você conquistasse a Luana Piovani e na hora do vamos ver, você se mijasse nas calças de medo e fosse dormir na sala. Pior, no meio da noite lembra que a Luana está dentro do teu quarto querendo ser tua, fica com tesão e toca uma punheta, porque tem medo de ir até ela. Isso é o Barrichelo andando de Ferrari pra não ganhar. Ridículo, medroso. Chega a dar nojo.

Quem acompanha o campeonato sabe que, com a exceção do Barrichelo, os demais pilotos todos tentam de alguma forma ganhar do alemão. Nem que seja atravessando o carro na frente pra tentar tirá-lo de prova. É daí que vem toda a graça da competição, de tentar chegar na frente. Lógico que se erra tentando superar o limite da pista, o limite do outro e seu próprio limite, mas errar faz parte. O Barrichelo não erra nunca. Pudera, ele não está ali para competir, só quer chegar em segundo, o que o carro dele faz sozinho. Ridículo.

segunda-feira, maio 17, 2004

Se você quiser procurar bem, pode encontrar numa locadora mais "cabeça" um filminho chamado Mentiras (Lies). Produção sul-coreana, a película foi baseada num romance publicado por Jang Jung-Il que foi censurado por lá (o autor ficou dois meses em cana e se tornou o primeiro escritor coreano preso por "pornografia"). A história é bastante simples, é a velha história: uma moça (Y, a atriz Kim Tae Yeon) se apaixona por um homem mais velho (J, o ator Lee Sang Hyun) que na verdade, é casado. O filme foi dirigido por Jang Sun Woo.

O bacana do filme é como esse amor se desenrola, e como o diretor conta a história toda. Os atores estão muito bem em cena, a fotografia é simples - o filme parece ter sido todo gravado numa digital - mas muito interessante. O sexo, como no espanhol Lucía e o Sexo, é o fio-condutor do romance/filme e é um bom sexo, como nos contos do cubano Pedro Juán Gutiérrez. Há suor, há sêmem, há mesmo fezes.

Enquanto no filme de Javier Bardem o sexo acontece mais no imaginário das personagens, o filme sul-coreano mostra o lado intrinsecamente físico do nobre esporte bretão, mesmo nas perversões e fantasias. Há uma certa trapaça da dor, a dor como um atalho para o prazer. E a última frase do filme é de um brilhantismo sem pudores.

Em tempo, o livro que originou o filme é intitulado (em inglês) Tell Me a Lie, e deve ser irado.

sexta-feira, maio 14, 2004

Essa é a menina que eu gosto de ler para poder escrever mais e melhor. Ela conhece alguns dos meus dramas e fantasmas. Ela já virou noites comigo. Ela escreve bem para caralho, e certamente melhor que eu. E num arroubo de romantismo pós-adolescente vou me permitir dizer que minha vida pode ser dividida antes e depois de dividir umas Guinnesses (sim, moçada, no plural)com ela.

quinta-feira, maio 13, 2004

Havia pouco que tinham voltado do cinema e então namoravam sob a luz da televisão no quarto, adornados na cama de casal. Um reflexo da lua se insinuava pela janela nem muito novo, tampouco cheio, apenas minguava entre poucas estrelas e algum neon. Ele, sonolento, manuseava um encarte de CD com a mão esquerda e se perguntava quem diabos era responsável pelo corte de cabelo do Rod Stewart enquanto o braço direito era de sua garota, num abraço seguro que lhe acariciava as costas. Ela falava sobre o filme, gostava de falar, especialmente com ele.

Bocejou enquanto respondia a uma frase dela. No meio do bocejo se deu conta de que já tinha visto e não tinha gostado do enlatado que figurava na televisão e perguntou se ela gostava daquela porcaria, exatamente nestes termos, você gosta de ver esta porcaria? Não é porcaria, ela se virou para a tevê, e eu gosto. E ainda arrematou, porcaria é aquele conjunto que você estava escutando no seu apartamento semana passada. Já estava pronto para treplicar que o Rancid jamais seria porcaria ao contrário daquele enlatado, com citações de Baudrillard e Dylan, mas preferiu ir ao banheiro.

Quando voltou, ela já tinha desligado a tevê, tirado o vestido e entrava na camisola de dormir. Ela beijou a boca que melhor a beijava e se deitou para dormir. Com os olhos fechados e voz de menina pediu para ele lhe contar uma história de ninas, que ela queria adormecer com a voz dele em si. Ele deixou os tênis desamarrados nos pés e disse que nào tinha nada na cabeça além de sono. Mentiroso, você escreve tão bem, conte uma história pra mim. De fato ela sabia argumentar com o seu rapaz, que vivia de escrever, fazia traduções como seu ofício mas arriscava também seus passos, volta e meia publicados por aí. Manhosa que só, refez o pedido com voz de bichano, cutucando o ego dele com um dos pés.

Olhou para ela, o quarto na penumbra, seus pés desalinhados, as mãos em concha junto dos olhos cerrados e começou a falar, seria uma história de marinheiro, teria o mar, teria o sol, teria um navio, teria um capitão e sua filha. Nas primeiras frases ela perguntou, sugeriu, chegou mesmo a sorrir e então adormeceu junto com a filha do capitão, serena como a lua que minguava no céu. Ele cantou seu ninar até o final feliz para se dar conta de lágrimas no próprio rosto. Nunca havia visto nada tão bonito, a sua garota sonhava com suas palavras, navegava em mares tranqüilos. Meu Deus, eu amo essa mulher, ele disse mais para si do que para o Chefe. E ficou ali, respirando leve, observando o sono amado, sem mais palavras que fossem possíveis porque sabia que aquele instante seria eterno. E assim foi, até que ele amarrou seus tênis e tomou o caminho de casa, com um pedaço da eternidade em cada passo.

segunda-feira, maio 10, 2004

Che e Chico ou Até onde vão os revolucionários?

Há determinadas pessoas de quem não nos é permitido falar mal. No domingo eu assisti à Ópera do Malandro, a peça é ruim, mas não posso falar mal do Chico. Ontem eu vi Diários de Motocicleta, gostei, mas ninguém vai me deixar falar mal do Che Guevara. Enfim, eu gosto de ambos mesmo, vou aceitar a massa acefálica e não vou perder meu tempo em detalhes.

Aliás, eu ando muito pouco sensível a detalhes artísticos. Logo eles, detalhes que inspiram meus melhores textos e, principalmente, minha intelectualidade. Eu nunca teria entendido um pouco mais de biologia se não fosse Courbet, de geometria se não fosse Escher, e de filosofia se não fosse o Hopper. Porque uma porta por onde só entra a luz do sol e a saída dá para o mar, não, senhores, isso não é para qualquer um.

Não chorei no Diários de Motocicleta, nem senti calafrios. E eu sempre choro em filmes que destacam amizades e superações pessoais. O Che foi um bom sujeito e serviu para inspirar dúzias de pessoas depois dele - tanto para o bem, quanto para o mal. Mas e daí? Antes de Diários passou o trailer do filme sobre o Cazuza. Emocionei-me mais com o trailer do que com o filme. Deve ter sido a música, Tempo não Pára, muita bacana.

A verdade é que eu acho que meu coração secou, afinal. Pois é: uma verdade incerta baseada num achismo. Ou, diria, incrédula. Mas eu soltei umas lágrimas, as últimas talvez, na Ópera. "O meu amor tem um jeito manso que é só seu" foi demais e não resisti mesmo. Mas foram poucas, as lágrimas.

Com o coração ressecado, vou ser obrigado a me render ao álcool, de quem eu vinha tentando tanto escapar. Alguém consegue imaginar "viola os meus ouvidos, conta teus segredos lindos e indecentes" sem uma dose de whisky? Não, não dá. Daqui para frente, só o whisky vai me fazer resistir a "pousar as coxas entre as minhas coxas quando ele se deita". Corações secos, nessas horas, são os menos aconselháveis. Porque aqueles partidos causam choro e desespero, sentimentos que podem ser possíveis aliados para uma reabilitação. Já os secos, não, não os secos. Esses causam no máximo catatonia. A falta de reação a "me beijar os seios, me beijar o ventre, me deixar em brasas" é um sintoma. No meu caso, "como se meu corpo fosse sua casa", dos mais graves.

Aí eu volto ao filme e, antes, eu sei, chatos críticos: é claro que se trata de um filme. O momento que me pareceu mais importante para criar a personalidade de Che, a personalidade cruel, fria e revolucionária que nos conta a história, este momento é a leitura da carta da namorada deixada para trás, com a promessa de um retorno. Porque mais que ele se dispusesse a voltar, ela negou. No filme isso é muito bem colocado, porque, apesar de bastante óbvio, não é dito, apenas mostrado. Aposto que quando Che mandava matar companheiros a sangue-frio em Sierra Maestra, ele lembrava da namorada que se despediu por carta.

Pode-se cantar "Eu sou sua menina, viu?, e ele é o meu rapaz. Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz.", mas não se pode acreditar. A gente vai aprendendo isso com a arte, mesmo que pouco se emocione. Afinal, ora bolas, o objetivo da arte não é emocionar.