quinta-feira, janeiro 26, 2006

Cadeia alimentar

Relido meus últimos dogmas, triste conclusão: foram todos muitos ruins. O pior é que ando num bloqueio criativo impressionante, sem idéias para começar uma simples história. Antes dessa confissão, pensei na alternativa de me aventurar pela poesia, mas não escrevo versos há três ou mais anos e não quero passar vergonha. E nem eram interessantes, dignos de publicação, garanto:

A samambaia foi comida pelo gafanhoto,
Que foi comido pelo sapo,
Que foi comido pelo lagarto,
Que foi comido pelo lobo,
Que foi comido pela cobra,
Que foi comida pelo homem,
Que foi comido pela leoa africana.
Pobre leoa, comeu logo o homem!
Teve indigestão
E morreu.

Escrevi esse em 1995. E eu era uma criança em 1995, vocês têm que entender. Achava o comunismo o máximo ao mesmo tempo em que me sentia tentado por uma vida religiosa. Tinha espinhas na cara e só não me masturbava todos os dias porque um monge me perguntava se eu havia pecado contra a castidade semanalmente. Sim, pecava, mas me arrependia, caralho. Só que o arrependimento era inútil e o Dom abaixava a cabeça e lamentava com os olhos. Um dos maiores traumas da minha adolescência foi justamente não poder me masturbar sem culpa e com prazer.

Desde aquela época, como os versos acima podem mostrar, eu já tinha uma certa intolerância com o ser-humano. Uma intolerância hipócrita, lógico. Não era possível julgar meus pares da pior forma possível enquanto me considerava quase perfeito. Se me perguntassem na época minhas qualidades, cravava sedutor e perspicaz. Humilde, jamais.

Já a humanidade era considerada por mim o maior erro divino. Porém, entendam, eu acreditava na infalibilidade de Deus. Como o homem poderia ser mau se havia sido criado a Sua imagem e semelhança? Seria pecado duvidar da fôrma. Meus poucos pesadelos na época eram todos a respeito desses paradoxos que eu mesmo criei: homem x André; homem x Deus.

Apenas como informação de pouca relevância, os sonhos eram todos recheados de belas mulheres, com Juliete Binoche sendo a recordista de aparições. Acho até que já escrevi aqui, em forma de dogma, sobre as retas paralelas que eu imaginava serem formadas entre os bicos de seus seios e seu nariz empinado. Retas paralelas, ha. Intolerante, religioso, convencido e nerd. Deveria ser bastante difícil encontrar alguém que gostasse de mim realmente.

Mas eu deixei esses quatro adjetivos de lado na vida adulta. Sou cada vez mais condescendente com os erros alheios, menos suscetível a crenças, mais incrédulo quanto a meu potencial e menos viciado em rpg, internet e congêneres (apesar de escrever regularmente num blog e ter aceitado recentemente colaborar com outro).

Quem me conhece além dos meus dogmas vai duvidar desta humildade laureada, eu sei. Para estes, um conselho e um pedido: não achem, como eu já achei, que somos melhores que outrem. Sempre me coloquei noutro canto da cadeia alimentar. Mas sabem aquela música sofrível da Pitty que diz "quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra"? Pois é mais ou menos por aí. E eu ainda tenho a impressão que foi Outra Pessoa que escreveu esses versos.