terça-feira, maio 02, 2006

O bar dos meus sonhos

Quando entrei no bar, tocava "Heart of a Glass", do Blondie. É aquele tipo de música que meu inglês sofrível não ajuda a entender, mas sei que, apesar do ritmo alegre, fala de coisas tristes. Alguma coisa do tipo "once I had a love and it was a gas, soon turned out to be a pain in the ass". Fazendo analogia, eu também já tivera um amor turbinado que se transformou com o tempo numa "dor no traseiro", numa tradução porca. E sem alusões homossexuais, por favor.

Entrar num bar sempre teve dois vieses para mim: diversão, quando acompanhado por amigos, ou solidão, quando só. Tudo bem, às vezes os amigos me acompanhavam na segunda opção, mas era raro. Sou praticamente um sociopata quando tenho problemas pessoais me atormentando. Além de me tornar insuportável.

Mas essa afirmação de ir para um bar sozinho em busca de solidão é mentirosa, de certa forma. Nunca se fica solitário num bar, a não ser que se tenha a chave e não se permita que os empregados entrem. Há sempre um garçom lá, disposto a contar algum causo, alguma piada ou a perguntar se a vida não melhoraria com mais um chope. No bar que eu freqüentava, Zé, o garçom, foi logo oferecendo: "Vai um chope para descer os problemas goela abaixo?". Não se vai atrás de solidão num bar, não mesmo. É perdição o motivo da ida.

Aceitei o chope, como sempre. Mas aceitei a contragosto porque exatamente o que eu não buscava naquele dia era enfiar meus problemas goela abaixo. Não mais. "Sempre" varri os percalços cotidianos para debaixo do carpete e o acúmulo de poeira estava incomodando minha asma mal tratada. Entrei no bar para provar para mim mesmo que o "sempre" era tempo demais, até mesmo para mim, crente toda a vida. Estava na hora de encerrar aquele "sempre" e tomar alguma atitude. Estava na hora de alterar o rumo das coisas, inverter a ordem e ascender os problemas goela acima.

Um bar serve, como poucos lugares no mundo, para desvirtuar o tempo e me ajudar a entender que o mundo secular é muito menos interessante que o mundo dos dogmas. Se eu devia recomeçar sem olhar para trás ou pular uma etapa e prosseguir em frente, era ali o lugar ideal para descobrir. Eu sabia apenas que o "sempre" precisava ser desencaixado do meu futuro. Aquela perspectiva de que as coisas não mudariam definitivamente não fazia mais sentido.

Assim, aceitei o chope, mas fiz questão de dizer para o garçom: "Zé, hoje os problemas vão ficar aqui, junto com a gorjeta. Ou isso, ou não vou deixar gorjeta". Ele riu, provavelmente compreendendo melhor do que eu o que aquilo poderia dizer. Ele já deve ter ouvido coisas parecidas de outros duzentos bêbados antes de mim.

Depois do quinto chope, começou a tocar "More than this", do Bryan Ferry, "It was fun for a while, there was no way of knowing, like dream in the night, who can say where we´re going". É, o bar dos meus sonhos é assim: uma solução para meus problemas com um rockzinho simpático como trilha sonora. Poderia haver mulheres dançando nuas no balcão, mas nem os sonhos são perfeitos. E, na verdade, eu só queria uma única mulher nua dançando no balcão, num bar sem garçons, com dúzias de bolachas e chopes sobre a mesa e as portas fechadas. Era somente ela que eu imaginava no bar. Mas ela não estava lá, nem nua, nem dançando. Sonhos e bares não são mesmo perfeitos.