quarta-feira, maio 25, 2005

Leandro, achei que um comentário apenas não seria justo com o Dylan. Por isso vai aí um postzinho para comentar o seu, amigo.

Só quero lembrar - e preciso lembrar aqui porque, você sabe, lembranças devem ser compartilhadas para existirem fora de nossas cabeças - que fui no show do Dylan na Apoteose, aquele mesmo em que os Stones eram a atração principal. Acho que teve Cássia Eller e Barão também, ou algo assim.

Eu era fã, mas não era tão fã quanto você, tenho certeza. Só que o show me encantou demais. Mais até do que as chamas do Sympathy for the Devil. Como tudo, claro, houve poréns e esses, os tais poréns, não foram causados pelo Dylan, que apesar de ser como todo mundo, como ele mesmo gosta de lembrar, não apresentou poréns naquele dia. O problema foram os fãs ou ditos fãs do Stones que ficaram gritando para aquele velho no palco com uma gaita e um violão se mandar. Sabe a gente gritando "toca Raul" para os shows ruins Brasil afora? Toca Raul, Dylan é foda, né?

Mesmo assim, não me arrependo daquele sábado. Mesmo apesar de ter sido bem no meio de um feriado de Páscoa e de ter aturado aqueles mongóis. Dylan tem dessas coisas. E depois eu vou querer o livro emprestado.

terça-feira, maio 24, 2005

In Bob We Trust.

Ele acertou. De novo. Ele é foda e tem plena consciência disso. Ainda nem entrei no segundo capítulo, mas só o primeiro já serve pra dizer a qualquer um que o volume 1 das "Crônicas" de Bob Dylan são dignas do cara que escreveu "Leopard-Skin Pill-Box Hat", "All Along The Watchtower", "Just Like a Woman" e ainda por cima descobriu A Banda, The Band. Talvez é porque eu sou fã demais, mas sente-se o cheiro das ruas e o frio nova iorquino, pode-se mesmo ver o jovem Zimmermann se tornar Bob Dylan conforme ele, já Bob Dylan, escreve a sua versão dos fatos, ou reescreve numa releitura em prosa muito do que ele provavelmente transformou em músicas, algumas das melhores músicas passíveis de serem feitas.

E ao narrar como Bob Dylan veio a se tornar Bob Dylan, ele optou pela narrativa de romance. Dylan não é gênio por sorte, ele sabe ser gênio. Sua vida pessoal sempre esteve cercada de brumas e ele mesmo confessa que cansou de inventar versões para repórteres e quem mais lhe perguntava sobre suas origens e, ao narrar sua própria epopéia como uma fábula da América moderna, ele insinua sua ironia - seria sua autobiografia também ficção? Será que alguém se importa? Será que Dylan já não está acima dos fatos?

Na primeira página, Jack Dempsey lhe dá conselhos para quando ele estiver no ringue. O texto é leve e gracioso feito Muhammad Ali. No posfácio, Eduardo Peninha Bueno explica porque o livro que se tem em mãos não é qualquer livro, aquelas palavras não são palavras quaisquer, aquele homem não é um homem qualquer. Mas o Dylan que a gente encontra nas esquinas, comendo hambúrgueres, tentando testes para gravar um disco ou simplesmente arrumar um lugar decente para se mostrar ao público poderia ser qualquer um de nós, desde que tivesse um violão, algumas idéias e muita crença em chegar lá.

Bem, Bob escreveu "Blowin' In The Wind" logo em seu segundo disco e talvez disso qualquer um de nós não sejamos tão capazes assim. Ele foi. Ele fez. E agora resolveu contar, a seu modo, como tudo aconteceu. E o melhor de tudo, pela vista de um homem que enxerga e traduz as imagens do mundo feito Bob Dylan.

terça-feira, maio 10, 2005

Morcego Negro - Noite

Não havia nada que pudesse me separar do céu acima daquele térreo. Abri os olhos e traguei todo aquele breu onipotente que cobria a mim, os edifícios, os suicidas, as flores e os amantes. Era a primeira noite em meses que eu estava sóbrio, os pés certos do chão em que pisavam e o coração com um certo orgulho da batida. Era noite e por alguma razão era bom que fosse noite.

Caminhei até o limite do edifício, um passo adiante e eu daria um passo além, um passo em falso, meu corpo seria tomado pelo espalço, morcego negro. O pouco de mim que restaria para as próximas noites estaria absorto no espaço, nas pegadas e impressões que me levaram até o topo daquele prédio, em garrafas vazias e tocos de cigarros e, improvável ainda que poético, em Nina.

Sim, eu sobreviveria nela, ainda que fosse como ausência. O corpo dela carregaria meu fardo e ela não poderia fazer nada, nem esquecer, nem recomendar ao Vaticano a minha beatificação. Seríamos um só por meio daquela noite que nos separava como um lado do outro da rua.

Olhei para a rua que corria abaixo, cheia de pressa em direção à morte. Todos aqueles motoristas reduziriam de marcha se parassem pra pensar neste detalhe, o destino de todos, 1.0 ou 3.5 24v turbo , era a morte. Não pensei em mais nada, apenas acompanhei as luzes.

E dei meia volta. Nina não se veria livre de mim tão fácil. Eu não me veria livre de mim sem luta.

segunda-feira, maio 09, 2005

O amor de cada um (xiv)

Quando descobri que seu nome poderia ter um significado muito mais interessante do que as aparências mostravam, parei um instante na porta de sua casa e assobiei esperando em vão por uma aparição na janela. Não fazia sentido ficar lá parado por muito tempo e resolvi ir embora, mas prometi que iria voltar.

O tempo correto para se esperar não pode ser calculado sem considerar variáveis como pressão, batimento cardíaco e tesão. E esses são fatores que se modificam de um instante a outro e o caos resulta em suor na testa, nos mais calmos, e tremedeira nas pernas, naqueles menos controlados. No meu caso, esperei o que considerei aceitável. Minha partida coincidiu com uma passeata de militantes de esquerda numa rua paralela e parei para tomar duas ou três cervejas. Sim, vendia-se cerveja na passeata - de fabricação nacional, vale lembrar.

Da passeata fui direto para um pé-sujo não muito distante, beber mais. Não para esquecer aquele nome, garanto.

Tanto que no dia seguinte retornei, como havia prometido, e novamente assobiei em vão. Ventava mais do que eu desejava e fazia frio. Por isso esperei menos tempo do que no dia anterior, apesar de estar ainda mais envolvido pelo nome. É difícil entender como um nome pode causar tanto estrago quanto um sorriso; e como ambos, quando combinados, podem ser devastadores com aqueles pouco preparados. Não era meu caso, mas confesso que as pernas fraquejaram nesse dia, apesar de eu creditar a tremedeira ao frio.

A cena do segundo assobio, lembrada momentos depois no mesmo pé-sujo de outrora, me remeteram à bela Verona e a um verso de Julieta. "Nome? O que há num nome? O que chamamos rosa não cheiraria tão doce em outro nome?" Mas a lembrança era fraca e se dissipou rápido. Minha posição naquele e em qualquer outro momento com que eu poderia sonhar de longe não era a mesma da de Julieta. Nem da de Romeu, para ser sincero.

No terceiro dia me convenci a não retornar, mas bastou cinco minutos de tédio na fila do teatro para que meus pensamentos voltassem àquele nome. Lá estava eu assobiando em vão mais uma vez e já não havia frio, tempo e batimento cardíaco que me fizessem desistir com facilidade. Mas nasci com bronquite asmática e mesmo mentalmente decidido a continuar, meu corpo se rendeu a uma limitação física. Acabou o fôlego, acabou o sopro e tive que ir embora.

O pé-sujo, nessa terceira vez, estava mais cheio do que de costume e descobri que era dali que partiam as passeatas de esquerda. Questionei minhas ideologias adolescentes, mas optei pela cerveja, como sempre.

Preferi não assobiar no quarto dia, assim como no quinto. Apesar de o nome ainda instigar minha imaginação, percebi que não fazia mais sentido assobiar para o vento e torcer para que ele, o vento, levasse o sopro até uma varanda e que ele, o sopro, entrasse pela varanda, pela sala, pelo quarto, pelo banheiro e fosse parar na pessoa que assinava aquele nome. Era apenas um nome, potencializado no máximo por um sorriso, e não havia razão para se desperdiçar tempo, tesão e paixão. São conceitos confusos que precisam ao menos de cinco palavras para serem explicados pra crianças.

(diferença entre paixão e tesão; aprazível paixão variável pelo tempo; inexplicável tesão de tempo limitado)

No sexto dia, porém, assobiei pela última vez, em vão. Pensei em gritar o nome, mas temi ser preso e multado por perturbar a ordem. Tentei ainda outra entonação de assobio que nunca havia tentado antes e recebi resposta de um pássaro, com nome bem diferente daquele que buscava. Não sabia que era ouvido por bem-te-vis, e fiquei feliz por um pequeno instante.

Acabei o dia no pé-sujo e o dono disse ter sentido minha falta nos dois dias anteriores àquele. Contei-lhe do assobio, mas não revelei o nome cujo significado poderia ser tão extraordinário que, egoísta, não queria compartilhar. Fiz um amigo, paguei a conta e voltei para lá no dia seguinte sem passar pela sessão de assobio em vão.

Bebi seis cervejas em homenagem aos últimos seis dias. Passei o bar em revista e gostei da decoração de azulejos portugueses.

Quando pedi a sétima cerveja, o dono do pé-sujo, meu amigo, pronunciou o nome, seguido de uma saudação e precedido de uma pergunta. Oi, Nome, o que você quer? Também ouvi uma saudação e uma pergunta, vindas da pessoa que assinava o nome. Olá, qual o seu nome? Era 8 de maio, deixei a cerveja de lado e comecei a aprender a pronunciar corretamente aquele nome.

quinta-feira, maio 05, 2005

Solteiro, ganhando bem e escrevendo pornografia ou Envelhecer é o tempo correr e você dar a preferência

Eu estava cheio de dúvidas e dívidas, mas contente porque conseguia cozinhar meu próprio macarrão. Foi isso a noite de ontem. Deliciosa. Os contos estão pelo meio porque tenho hábito de me meter a rabiscar mais de um por vez e meio parados, porque, já dizia Billy Corgan, time is never time at all, you can never ever leave without leaving a piece of youth. Mas eu não desisti de escrever, nem de vocês, nem de mim. Aliás, nem da minha vizinha.

terça-feira, maio 03, 2005

Fora da área de cobertura ou o lado mais escroto de Leandro Godinho

Não adianta ninguém me ligar depois das dez da noite. Mesmo. Eu aproveito a dádiva de não ouvir 96% dos toques dos telefones de carreira e me desligo de tudo até bater a hora de trabalhar no dia seguinte, desligando o celular (que eu também não ouço tocar, mas ele vibra, o que facilita eu perceber uma ligação a caminho). Não me importa o que acontece no mundo depois de dez da noite, a não ser que diga respeito a mim. Prefiro a noite, como o Lester Bangs retratado em ?Quase Famosos?, como ele, I'm uncool e I sleep late (não vou traduzir, não adianta pedir).

Escrevo, penso e me calo melhor depois das dez. E gosto de aproveitar essas horas pra mim, para minha diversão ou minha tristeza. Posso até estar acompanhado, e muito bem acompanhado, mas o foco será eu. Em geral, fico em casa, ouço um som ou vejo TV, pode ser que resolva ler qualquer coisa, mas fica melhor quando o texto vem e traduzo o ranço de mundo que carrego no corpo durante o dia em minhas palavras, porque aí sinto que aquele dia serviu para algo verdadeiro. Tenho ganas de abrir uma cerva e fumar um Luckies, mas geralmente me masturbo e vou dormir, ou vice-versa.

Agora que moro sozinho, ficar de fato sozinho ficou muito mais fácil depois das dez da noite. Tenho poucos amigos aqui e são poucos os lugares que me fazem sair de casa. Cismei que não poderia ficar parado e entrei numa academia de musculação, seria uma mistura de preenchimento de vazio existencial com cuidado para não me tornar uma imensa barriga adornada por um homem de mau-humor. Acabei gostando dessa história de puxar ferro.

Explico. A barriga continua aqui, e será complicado ela ir embora sem pedir maiores explicações. Mas de algum modo, consigo pensar em mim durante aqueles movimentos repetitivos, todos nós feito robôs cultivando músculos e dores e eu consigo pensar em silêncio, me absorver em mim mesmo. Bukowski gostava de ver o mundo através dos hipódromos, eu estou criando um tipo de vício parecido e talvez mais saudável. E igualmente anti-social. Me reservo apenas a cumprimentar um ou outro, e pra ser sincero, uma ou outra que ali também sua um pouco em busca do infinito, ou talvez de um bíceps que não balance numa blusinha de manga curta.

A grande maioria das pessoas nada de interessante tem a dizer na maior parte do tempo, assim como eu. Eu facilito o andamento do mundo e me calo, isolado em meus pensamentos. Esse isolamento é melhor que flertar com alguém que talvez possa render um sexozinho legal, mas também pode virar fonte de aporrinhações por conta de meia dúzia de horas mais íntimas. É complicado alguém perceber que a única pessoa indispensável para viver é ela própria, ninguém quer ser deixado de lado, eu inclusive. Mas para as minhas noites de solidão, eu prefiro apenas a minha companhia.

segunda-feira, maio 02, 2005

Jobi e Bocetas ou O lado mais escroto de André Miranda

Sim, sim, como puderam reparar, vou novamente falar de sexo por aqui. As vidas dos autores desse blog andam meio conturbadas (conturbada não quer dizer infeliz, hein!) e nada melhor do que falar de sexo para arrancar sorrisos no Rio e em Belém.

O sexo, como Freud e todos nossos leitores com mais de 13 anos bem sabem, é a parte mais importante da vida das pessoas. Relacionamentos acabam ou nunca começam se o sexo for ruim. Até sua abstinência voluntária é fator de auto-reflexão. Bento XVI, aquele alemão que escolheu um nome santo na semântica em contrapartida ao nazista de alta patente Ratzinger, perde uns minutos de seus dias pensando no porquê de não comer sua freira confidente, acreditem.

Apesar disso, de o sexo ser tão importante, cheguei à conclusão, conversando com o amigo Rafa T., que o Jobi tem mais valor do que uma boceta. Pausa fundamental: gosto de bocetas, sou um estudioso do cunilingus e não sou gay.

A explicação não está na boceta, mas no Jobi. Aquele lugar é maravilhoso, tem um bom chope, boa comida e um ambiente aconchegante demais. Mas não mais do que uma boceta, tudo bem, deixem-me terminar. Não vou me perder em comparações estúpidas, garanto, como dizer que o Jobi fecha mais tarde do que uma boceta e, apesar de ter fila, ela anda mais rápido. Vamos em frente que tenho melhor argumento do que esses. Fé, fé, tenham fé!

Uma vez cheguei no Jobi sozinho, daquele jeito deprê que muitos estão acostumados. Era uma bela tarde de domingo de muito, muito sol. Uns amigos estavam no Posto 9, mas se digo preferir o Jobi a uma boceta, não vai ser o Posto 9 que vai me tirar de lá, né? Havia passado na Letras e Expressões e comprado "Sonhos de Bunker Hill" numa edição de bolso. Escolhi uma mesa no fundo, para minimizar o perigo de ser visto e incomodado. Pedi o primeiro chope, com o cuidado de deixar bem claro que o copo não poderia ficar vazio, apesar de ter certeza que os garçons do Jobi têm esse cuidado naturalmente.

Só saí de lá catorze chopes e oitenta minutos de leitura depois. Feliz da vida, relaxado, momentaneamente curado da depressão. Esse efeito, garanto, uma boceta nunca provocou em mim. Caso faça uma dia, caso, juro. O prazer do Jobi durou horas, mais de 24, aposto. Incomparável.

Também tinha uma história de boceta para deixar esse post ainda mais divertido, mas desisto de contar pelo tardar da hora. Eu durmo, lembram? Sonego a história, mas não sua conclusão: acho que não entendo nada de bocetas e por isso prefiro o Jobi. Mas continuo especialista em cunilingus, o que de longe não é a mesma coisa.