quarta-feira, abril 19, 2006

Conto antes de acordar

A última das estrelas morreu no céu. Meus olhos cinzentos na tevê e um filme demasiado pornográfico para ser sexo de verdade. Na rede, uma Lila morena e dorminhoca, nua e santa demais para aquele quarto. A atriz montava no falo e berrava a cada contração de seus quadris. Eu não acreditava em nada. O que me enchia de vontade de sexo era Lila, mas Lila precisava dormir, como eu insistia em não fazer.

A última das estrelas morreu em vão. Ninguém iria chorar por ela, pelo seu brilho agora breu. Lila não iria acordar por uma estrela morta anos-luz atrás. Lila gostava das coisas quando vivas, dos homens quando sorridentes. Eu deitado na cama sozinho era um homem morto, bem o sabia. Lila dormia em paz porque não sabia, mas eu era um homem jurado de morte. Tente dormir podendo não acordar.

A última das estrelas não vai nunca saber o que é uma semana sem conseguir fechar os olhos. Nem eu sabia direito, depois do segundo dia, tudo virou mancha e talvez. Lila tentava me resgatar e me colocar para ninar em seu colo. Depois do quarto dia apelei para bolinhas e virei delírio. Em casa, vidrado, a magnun debaixo do travesseiro. Será que alcalço o gatilho a tempo? A mão é fugaz e tenho a porta da cozinha logo na mira. O revólver desliza até Lila, e até a noite.

A última das estrelas é à prova de balas. Eu não sou. Há uma bala fora deste apartamento me aguardando e Lila não sabe disso. O revólver voltou para debaixo do travesseiro e a mulher suga com a força da terra a seus pés todo o sêmem que o homem da tv tem a lhe gozar. Enganei o homem que quer me matar, enganei sua esposa e engano Lila. Lila desperta, me vê morto na cama, cinza. Desliza até alcançar minha boca. E então ressucito.

A última das estrelas queimou tudo o que pôde. Lila vai me consumir por todos os seus poros. É uma questão de tempo para que ela vença a bala que me aguarda. Quando grito, ela morde. Respiro, transpiro. Não morri ainda. Não posso fechar os olhos.