segunda-feira, julho 28, 2003

Um dia eu já fui apaixonado pela Fiona Apple. Tipo, apaixonado mesmo, eu precisava daquela mulher na minha vida. Então eu abro a internet impunemente e vejo num site de fofocas que um cineasta menor já havia se casado com ela. Vadia escrota. Duvido que ele tenha escrito algo como o texto abaixo para ela.

Fiona Apple

A primeira vez que vi Fiona foi num domingo, daqueles bem domingões mesmo. Eu, inútil, morrinhava em frente à TV e de repente a imagem dela surgiu, rebolando, seduzindo, quase chorando. Eu acordei. Acordei pra vida em segundos, ela era linda, tristemente linda, cortava a minha alma em frangalhos de tão linda e triste que era. E a música era "Angel", do Jimi. Linda e cantando Jimi duma forma magistral. E parecia só uma menina.

Fiquei alguns dias com a imagem dela na cabeça e os sons ressoando no ouvido. E os sons eram muito bons, acho que era um desses acústicos pra MTV. Comecei a procurar pelo disco dela, nem que fosse pelas fotos que teriam no encarte, mas eu precisava tirar a prova dos nove com aquela guria. Acabei achando o "When the pawn", que já devia ter um mês de lançado naquela época. Ela sorri na capa (belíssima), mas não é um sorriso de todo alegre. Há um quê de melancolia ali. E o disco é fabuloso.

Recheado de pianos, o clima é meio de fim de romance, ela se entrega em letras que falam de abandonos, fracassos e decepções. Em "Love Ridden", apenas voz, piano e você tentando não chorar, porque ela mesmo está tentando ser forte e a partir daí, only kisses in the cheek from now on and in a little while, we'll only have to wave. E ela segue encantando, linda que só ela. O disco é de uma tristeza só, mas a cada audição eu pinto um sorriso na cara.

Depois de uma semana ouvindo cheguei a conclusão de que estava apaixonado por Fiona. Eu precisava dela pra mim, precisava da voz e da melancolia dela em minha vida. E, meu Deus, ela era linda. Eu quero casar com Fiona, de papel passado, com bolo e festa cafona. Com foto em P&B e juras de amor eterno. Com ela me cantando ao piano "I've got you under my skin" e a gente amando desesperadamente sobre o piano horas mais tarde.

Fiona, sim, é mulher pra casar.

quarta-feira, julho 23, 2003

Nenhum dos dois poderia suspeitar que um dia haviam de se encontrar. Não naquela cidade, não com aquela música ensurdecedora, não com o dia já dormindo há muito. Não, era impossível, ela apagava seu cigarro e ele verificava sua carteira na intenção de beber a última da noite. De fato, só lhes restavam as ruas e seus postes cheios de luz do lado de fora da vida para que eles dessem por findo outro dia, outra dose, talvez no vazio de uma cama solitária.

Mas ela precisava de fósforos antes de qualquer coisa, e ocorreu de pedir ao rapaz na fila do bar por um pouco de fogo. Ele fez que não ouviu e perguntou o que ela queria. Fogo. Você tem fogo? Claro que ele tinha fogo, tinha praticamente um incêndio em cada dedo da mão, mas ela precisava de algo mais prático que o fogo dele, que só acenderia um cigarro por magia. Mas que diabo de festa onde ninguém fuma. Ele perguntou ao caixa após comprar sua cerveja se ele poderia lhe arrumar fogo, e alguns segundos após a fumaça tomava conta de cada alvéolo viciado da menina foguenta.

Bem, agora eles já haviam se encontrado, e para horror de seus pais, graças a seus vícios mais insalubres. Ele ofereceu um gole amigo enquanto tragava cinematograficamente o gosto de fumo cujo cheiro detestava desde moleque, e ela perguntou por seu nome. Leonardo, alto, e, pensando melhor, um cara simpático. Ele jura que viu um sorriso quando a menina, batendo as cinzas do cigarro, se apresentou como Tati, e apenas Tati. Como que sem muita coragem ou alguma idéia na cabeça para puxar um assunto como o outro, ficaram frente a frente meio palermas e mudos, soltando monossílabos referentes a música na pista e outras coisas menores, e o DJ salvou a vida deles então, que é para isso que deveriam servir os DJs, para salvar vidas. A melodia de ?Carolina? sorriu aos olhos de Tati, que diante da ainda pasmaceira de Leonardo e sua latinha de cerveja, disse toda menina que adorava aquela música e que ele deveria dançar com ela. Vem, vem logo.

Leonardo então acordou para a vida e percebeu que sim, Tati se derramara nele para girar pelo salão entre as luzes estroboscópicas bocejantes e uma rosa que nascia no rabo duma estrela cadente e segurava sua mão de cavalheiro como uma dama. O rapaz, que jamais havia chegado à conclusão de que era mais fácil qualquer menina se recostar nele por causa dos versos fanhos daquele Francisco do que pelos cabelos esvoaçantes dos acordes de Richie Sambora, fechou seus olhos e sentiu em seu corpo o pulso acelerado da menina que cantarolava só para eles os versinhos da canção. E ficou com um sorriso besta bem parecido com o dela ao fim da dança, as luzes se acendendo e o salvador deles encerrando seus trabalhos, e os dois de mãos dadas sendo advertidos de que a casa iria fechar, que fizessem o favor de passar no caixa para pagar suas contas e irem embora, mas continuaram por mais uns segundos desses que só são encontrados em fábulas ou poesias sorrindo-se mutuamente. O segurança tornou a avisar que eles estavam atrasando a vida dele, dessa vez com menos finura, e então eles foram cúmplices ao caixa e do caixa para o mundo com seus postes de luzes e ônibus coletivos que funcionavam mal durante a madrugada.

Antes que o mundo levasse embora aquele Leonardo (e vai que ele some na primeira esquina rumo ao Casaquistão?), ela disse que estava um pouco cansada e com medo de pegar seu táxi para casa sozinha. Leonardo percebeu que ela enlaçou o mindinho dela em seu indicador enquanto pedia que ele fosse sua companhia para voltar para casa e perguntou onde ela morava, pois que não poderia nem sonhar em pagar uma corrida de táxi com três notas de um real amassadas na carteira. Ela disse que morava perto, indicou a direção ao motorista e selou uma bitoca no guri, o puxando pelo braço para sentar-se junto dela rumo ao alvorecer.

Pela janela o tempo passava entre as lojas fechadas e cachorros que lambiam bêbados nas calçadas. Leonardo além de uma tatuagem agora tinha um coração gravado no peito.

segunda-feira, julho 21, 2003

A incrível arte do cunnilingus ou O que fazer entre as pernas de uma mulher?

O termo cunnilingus tem sua origem no latim. "Lingere" significa lamber e "cunnus" significa algo parecido com capa ou pele - se até meu português é falho, meu latim então nunca foi lá grandes coisas. Enfim, praticar cunnilingus nada mais é do que o ato de estimular a vagina com a língua.

Sua história nos remete até os primórdios da humanidade. Nossos ancestrais das cavernas podem ter observado e copiado animais selvagens que, atraídos pelo forte odor, têm o hábito de lamber os genitais de seus congêneres.

Já no mundo civilizado, há registros de felação na Grécia e no Egito antigos, mas nada de cunnilingus. A prática do sexo oral era historicamente vista como a submissão de uma pessoa ao controle de outra. Com isso, nas sociedades antigas onde a figura masculina sempre foi vista como a única detentora das forças física e intelectual, considerava-se extremamente vergonhoso para um homem se submeter a praticar o cunnilingus com uma mulher. Portanto, um jovem pederasta grego iria preferir muito mais se ajoelhar perante um Sócrates a descobrir os encantos vulvovaginais de uma ninfa filha de Afrodite.

Com o advento do cristianismo, o prazer sexual passou a ser visto como uma porta aberta à entrada do demônio. Na Idade Média, sexo oral era sodomia e esta era considerada um dos mais graves pecados. Seja por culpa do machismo, seja por uma culpa dita divina, nossa sociedade hipócrita por muito tempo renegou a prática do cunnilingus.

Só há poucas décadas, com as mulheres brigando pela igualdade de gêneros e o sexo oral aparecendo como uma forma segura de contracepção (e erroneamente até visto como forma de prevenção de DSTs), o cunnilingus passou a ser praticado no mundo ocidental sem culpas e com total consciência de seu objetivo. Ainda, é provado pela ciência que pouquíssimas mulheres conseguem alcançar o orgasmo somente com a penetração, sem estímulo algum ao clitóris. Desta forma, o cunnlingus aparece como uma ótima opção.

Mas no Oriente sempre foi diferente. Realizei meu primeiro curso na arte do cunnilingus em Mangnai, cidade ao extremo leste tibetano, próxima ao lago Gasikule. Meu mestre, Yui Hiar Wonh, praticava o ato por mais de quinze horas consecutivas, sem que a mulher alcançasse o primeiro orgasmo. De lá para cá, foram seis especializações na Índia e um MBA no Japão.

Só há um passo necessário para realizar um bom cunnilingus: entender o porquê de o estar realizando. Nunca se deve pensar que se trata de uma doação ou até de uma obrigação. Admirar a textura da vagina e a apreciar seu sabor são fundamentais. Mais importante do que a prática em si, é gostar do cunnilingus e também ter prazer com sua realização.

A prática segue os mesmos princípios que guiam as flechas do tão pop arqueiro zen. Segundo Baso Matsu (709 a 788 d.C.), o zen é a "consciência cotidiana", nada mais do que "dormir quando se tem sono e comer quando se tem fome". Agindo desta forma, compreendendo que o arqueiro, o arco e o alvo são um só e precisam uns dos outros para fazerem sentido, a flecha sempre chegará ao alvo - não pela precisão do atleta, mas sim por seu satóri, uma espécie de intuição.

Assim, o cunnilingus é a extensão da língua na vagina, o preenchimento de um espaço que quer ser preenchido. Os detalhes como velocidade, respiração e posições serão sempre pormenores perto da compreensão que a língua deve se espiritualizar e se unir à mulher. Outro ponto importante é, mesmo sabendo se tratar dde uma sensação especial, encará-lo com naturalidade. Lembrando um ensinamento de mestre Wonh, "quem o experimenta, melhor fará se o ignorar, já que somente uma firme serenidade é capaz de fazer com que ele volte sempre".

Aprendido isso, um cunnilingus não tem limites

sexta-feira, julho 18, 2003

O Rei e O Talvez

Eu amo o rock. Sei que isso é a menor das novidades para os meus 3 ou 4 bravos leitores, mas é uma das poucas certezas que tenho na vida. Talvez seja culpa dos Bitols tocando Get Back no teto da Apple com os cabelos esvoaçantes na tevê. Talvez o culpado seja o Slash e sua introdução para Paradise City, que eu tenho na minha K7 desde o início dos anos 90.

De qualquer forma, como qualquer roqueiro que se preze, tenho as minhas figuras prediletas do álbum. Os Stones, o Led, o Nirvana, o Legião, o Bob, o Glamourama. E ele, sempre, The Pelvis. Hoje pude finalmente ver o especial para a televisão que a CBS (OU ABC ou NBC) gravou, o famoso "Comeback Special", de 68 - eu posso estar enganado, não me encham se for o caso.

Um crássico. Elvis todo em couro, saradão, topetudo, bancando o crooner num palco minúsculo. Foda. E ainda tem a parte onde a banda entra, e ele assume também uma senhora guitarra. O melhor de sua performance é o seu jeitão. O cara está absoluto naquele palco, diante de fãs embasbacadas e de câmeras que buscam cada trejeito. Ele sacaneia "Love Me Tender". Faz troça do seu olhar, satiriza sua fama de galã. E, entre um gracejo e outro, Elvis ainda canta muito. Quem é rei não perde a mejestade nunca. All the hails to The King.

Ao vê-lo naquele palco ser simplesmente o que o roquenrou pretende alcançar, não nos resta nada a não ser um sorriso. Elvis é melhor de todos.

Há cerca de meia hora atrás em cheguei à conclusão de que talvez tenha me apaixonado novamente. E estou sóbrio e de pijamas. Sempre que me apaixono acabo me fodendo de alguma forma. Vamos esperar pra ver qual é.

Uma das coisas mais bonitas que devem existir na internet. Stella escreve para seu pai viver mais. Escreves coisas simples como a vida é. Espero que o "Seu Geraldo" ainda tenha uma longa vida, Stella, uma longa vida.

segunda-feira, julho 14, 2003

Num domingo chuvoso e depressivo, nada melhor do que passar o dia trabalhando e revirando as tralhas do escritório. E foi nesse clima de exaltação que esbarrei com minhas esquecidas anotações sobre a festa de Reveillon de 2003, comemorada na capital de meu povo adotivo, Salvador. Eu tenho essa mania de colecionar blocos de anotações que servem para diversas coisas desordenadamente. Nesse, um amarelinho de capa dura com duas crianças bem fofas fazendo as boas vindas, há roteiros de vídeos, listas de gastos de viagens, resumos de reuniões e a lembrança de alguns causos de minha road trip Rio-Salvador.

No prefácio de Casa-Grande e Senzala, Gilberto Freyre afirma seu encantamento pela Bahia e ressalta os intelectuais e diplomatas baianos. Todo baiano, aliás, é um diplomata lato-sensu, por sua postura fina de inigualável distinção. Desta forma, passear pela Bahia e conversar com sua gente é uma delícia. Dessa premissa vieram minhas anotações.

E nelas tem o frentista que não deixou que eu passasse meu cartão de crédito com chip para pagar 80 reias de gasolina numa estrada próxima a Eunápolis. "Meu rei, na Bahia não tem esse negócio de chip, não", bateu pé o infeliz, impedindo-me de relutar. Tem também o auto-intitulado mestre Satélite. Como falamos da Bahia afinal, o tal Satélite deveria ser mestre de capoeira. Não perguntei. Minha namorada e companheira de viagem estava longe no momento em que o Satélite me viu reparando naquilo que a baiana tem. Me abordou e foi logo perguntando se yo tenía mucho gusto por una baiana. Ô, conterrâneo Satélite, não sou baiano, mas também sou brasileiro, ora! Desculpas feitas, Satélite vai direto ao que realmente interessa: "se vc quiser, eu te arrumo uma igual a essa aí que passou, preta e tudo mais". Apesar da curiosidade pelo tudo mais a que se referia Satélite, tive que dispensar. "Deixa para próxima, mestre, tô aqui acompanhado por uma branquinha carioca mesmo". Aí conversamos sobre futebol.

Noutro dia em Salvador, nerd jogador de RPG que sempre fui, resolvi assistir ao segundo filme do Senhor dos Anéis que recém havia estreado. Sabe a hora que o outrora grisalho Gandalf aparece onipotente, todo de branco? Um baianinho safado gritou Iemanjá.

Ainda sobre o Orixá do mar, tenho outra história. No Mercado Modelo, minha namorada fazia compras e eu bebia umas cervas num dos botecos de esquina opostos à entrada principal. Não foi preciso mais de duas garrafas para que eu ficasse amigo do sujeito atrás do balcão e começassemos a beber juntos. Papo vai, papo vem, descubro que baiano não gosta de chope e que o bartender se chama Franklyn e é petista. Conto, orgulhoso, minha jornada de quase 2 mil quilômetros dirigindo sozinho. E, para agradar meu interlocutor, enalteço o fim da viagem, passando pela ilha de Itaparica, com uma chegada a Salvador cruzando a Baía de Todos os Santos, numa adorável travessia de 50 minutos a bordo de um "ferry-boat". É aí que Franklyn, baiano bom de papo e com cerveja no sangue, revela sua maior segredo: "eu nunca andei de barco".

"Franklyn, por favor, o carioca aqui sou eu. Deixa a mentira e a malandragem para mim". Mas o pior é que ele me garantiu que era verdade. Franklyn explicou que não se sentia seguro no meio do mar e nem amarrado entrava num barco. Literalmente. Certa vez, contou meu amigo baiano, uns amigos filhos da puta lhe deram um porre e tentaram arrastá-lo para dentro de um barco. Franklyn, baixinho e roliço, recobrou a consciência num instante, deu uma pirueta e partiu em retirada dali. Mudou suas amizades, naturalmente. E era medo o que ele sentia? "Medo não, é apenas receio", assegurou ele. Mas Iemanjá não protege aqueles que se lançam ao mar? "Ela protege sim e protege muito bem. Mas somos tantos, que vai que ela pode se esquecer de mim", finalizou, muito bem, aliás, meu mais novo amigo baiano.

quinta-feira, julho 10, 2003

O amor de cada um (VI)

Luiz ama Maria, que deveria amar Luiz. Mas Maria não ama Luiz, apesar de achar que ama. E Maria acha que Luiz não a ama, porque ela não entende que o amor de cada um é pessoal e exercido como se bem entender.

Nesse drama cheio de pesares - exatamente como são todos os amores de cada um -, espero já estar claro: Luiz é o herói, apesar de não se chamar João e de seu cavalo, poliglota o danado, falar outras coisas além do inglês. E, por favor, não confundam: Maria, apesar de aparentar, não é a vilã.

No drama de Maria e Luiz, vocês, leitores, só precisam saber que Maria sempre renegou seu nome e, dizia sua mãe, era um bicho do mato que vivia se escondendo pelos cantos e pelas sombras das grandes metrópoles. E foi assim até o dia em que Maria conheceu Luiz. Aí, como que por mágica e por encanto, ao som do datado rock brasileiro do anos 80, a vida de Maria mudou e ela resolveu enfrentar o mundo.

Mas não pensem que, apesar de Luiz ter tido uma certa importância nesse processo de renascimento de Maria, ele tenha sido seu salvador. Como bem sabem todos os heróis, eles não são insubstituíveis nos corações e lembranças. Luiz sabia que outro poderia ter encontrado Maria perdida por aí. E sabia também que, apesar de batalhar para que não fosse, ele, Luiz, poderia ser esquecido. Era seu maior medo o ostracismo.

Drama contextualizado, apesar de pulado os pormenores, espero que possamos seguir em frente com a devida compreensão da história que será contada. Eis apenas mais um capítulo do amor de Maria e Luiz...

Um dia, no trabalho, Luiz recebeu um e-mail de Maria - sim, nas fábulas modernas já há internet. Ela dizia que havia recebido, de sujeito indefinido, um convite para um desfile da mais conceituada moda mundial - sim, as fábulas modernas são fashion e nelas também há desfiles de moda. Luiz, cabreiro, desconfiou da indefinição do sujeito do convite e de Maria, outrora bicho do mato, dizer que iria sozinha acompanhar o desfile. Luiz, esse velho matuto, ficou ressabiado. Mas, cheio de pesares, Luiz é moderno como essa fábula e não poderia simplesmente dizer para Maria que ela não iria sem ele. Maria prometera, porém, tentar arrumar outro convite para que Luiz a acompanhasse. Só que ele não era bobo e sabia que ela fizera a promessa só por fazer.

No dia do desfile, apesar de não ter conversado muito sobre o assunto com Luiz, Maria novamente mandou um e-mail dizendo simplesmente que estava a caminho. Luiz deu reply, argumentou e esperou uma resposta que nunca veio. Mais tarde, um quarto de hora depois, Maria telefonou do celular - sim, nas fábulas modernas há telefone celular - e disse, com a pureza de sua voz, que estava no desfile. Sozinha, garantira. Luiz acreditou.

Ainda mais tarde, novamente ela telefonou e disse que logo iria embora. Alguns instantes passados, novo telefonema, Maria contou que havia encontrado uma amiga, de passado degenerado, e ficaria mais um pouco. Outro telefonema, às 22h, Maria garantia que já iria embora, de carona com uma amiga da degenerada. Eram duas degeneradas agora.

Então veio o derradeiro telefonema antes do sumiço de Maria. Novidades, trazia. Ela disse que conseguira entrar em outro desfile, junto com as duas degeneradas, e que só iria embora mais tarde. Luiz, transtornado, bateu o telefone na cara de Maria.

Passaram-se algumas horas então e Maria não mais telefonou. Ele, Luiz, sentia-se traído, apesar de não ter certeza. E a falta de certeza, caros senhores, nessas horas onde os dramas se aproximam de desfechos trágicos, a falta de certeza é fundamental para manter viva a esperança.

E nesse drama de poucas certezas e muitos pesares não poderia faltar uma última certeza e um último pesar. Luiz ainda ama Maria, apesar de não entender bem a razão.

O quer o Radiohead? A resposta só pode ser essa: fazer música. Sobre isso não tenho dúvidas, o que me intriga é o que eles pretendem com a música que fazem. Porque desde o beatificado OK Computer, de 1997, a banda bretã andou cometendo discos no mínimo curiosos. Soam todos pretensiosos, e alguns deles pretensiosos demais para meus ouvidos mais ou menos viciados no roquenrou (e parcialmente surdos, eu sei).

Porque, ao que me diz respeito, eles são uma puta banda de rock. Antes de OK Computer, eles haviam nos dado o menos comentado Pablo Honey, com guitarras mais gritantes e o cartão de visitas The Bends, onde as guitarras ainda gritantes se revestiam de melodias muitíssimo bem estruturadas, que acabou nos dando Travis, Coldplay e etcéteraetal – aquele bando de gente com um vocalista frágil e sensível cercado de guitarras impotentes e refrões chorosos. O que a gente ouve nesses três disquinhos é rock da melhor qualidade. Fake Plastic Trees é lindíssima, a entrada do refrão de Creep explode em seus ouvidos, a agonia de Paranoid Android chega a ser real se você bebeu o bastante.

Só que, três anos após conquistar o mundo, Thom Yorke (vocalista e principal compositor da banda) achou por bem lançar no mercado Kid A, um disco estranhíssimo. A melodia havia se misturado com a barulheira ao ponto de uma não mais se diferenciar da outra, e você se sentir incapaz de gostar do disco. Claro, a MTV adorou e produziu milhões de vinhetas com trilha sonora de Radiohead esquizofrênico. Jornalistas elogiaram a banda, dizendo que ela tinha sido revolucionária outra vez, e que Thom Yorke era gênio. Um ano após, era lançado Amnesiac, semelhante ao anterior e que, para muitos (eu inclusive), sepultava de vez as esperanças de ver no Radiohead uma banda de rock na qual se poderia confiar – esse cargo, atualmente, eu deixo na mão de meu quase herói Dave Grohl e seu Foo Fighters, e, claro, o meu Pearl Jam.

Um disco de rock a gente reconhece na primeira nota. O último dos Paralamas, por exemplo, é um bom disco de rock, na acepção mais básica do termo. A despretensão dos músicos, a leveza das gravações, tudo soa redondinho. Mais ou menos como o Life On Other Planets do Supergrass, ou o Is this It?, a aclamação dos Strokes. Aí a gente põe na vitrola o mais novo rebento do Radiohead, chamado Hail To The Thief. É um disco de rock, sim, mas aquém da banda. Em alguns momentos, parece que a coisa vai engrenar, que as guitarras voltarão a gritar sustentando a melodia quase sempre desesperadora de Yorke e seus agudos claustrofóbicos que um dia tanto me fascinoram, mas aí eles perdem o gás. Voltam a aparecer barulhinhos sem muito sentido e você lembra das músicas de Kid A e de Amnesiac e de que o Radiohead poderia ser a sua banda de coração.

O que o Radiohead aparentemente pretende não é novidade. Lançar discos com uma certa temática (e eu arrisco a dizer que eles fazem isso desde The Bends) que une as canções, tanto nas letras quanto nos sons, o Pink Floyd já fez. Quem já teve a felicidade de ouvir o Dark Side Of The Moon, percebe que o lado b do disco é, à exceção de Money, uma peça musical apenas, dividica em quatro partes (Us And Them, Any Colour You Like, Brain Damage e Eclipse). São músicas que são excepcionais separadamente, porém além de qualquer elogio barato quando ouvidas em conjunto. E, acima de tudo, representam um dos melhores momentos da história do rock..

Hail To The Thief (traduz-se como Glória ao Ladrão, aproximadamente) foi gravado nos EUA entre setembro de 2002 e fevereiro de 2003, com a sensibilidade de Yorke (um excelente letrista) em contato direto com as ameaças de Bush contra o terror, com alguns americanos invadindo o Iraque e outros americanos protestando contra a política internacional do próprio país, definida por um homem cuja eleição para chefe da Nação é até hoje contestada. Supõe-se que o próprio nome do disco tenha sido tirado de um dizer constante nas passeatas contra a política bélica norte-americana. As letras do disco refletem esse espírito de protesto, ainda que não se resuma a ele. Mas a música, deixa a desejar. O pulso do Radiohead, as explosões, o drama, tudo ainda parece muito nublado. E, por vezes, chatíssimo.

Chego até a arriscar uma comparação altamente imprópria com outra banda, o Pearl Jam. Ed Vedder e sua trupe até hoje são obrigados a aturar comparações de quaisquer trabalhos seus com o notório Ten, um disco de doze anos atrás. O mais recente disco deles também assume posições anti-Bush – o disco chama-se Riot Act (algo como Protesto ou Tumulto) e as composições enveredam mais ou menos pela mesma trilha do Radiohead, críticas em geral, mas sem perder a ternura. Após o sucesso de Ten (álbum de estréia da banda), o Pearl Jam alcançou subitamente a glória mas a opção da banda em seguir fazendo a sua música indiferente a ela se assemelhar ou não àquela que mostrou em seu primeiro álbum acabou os colocando em segundo plano. A antipatia de Vedder para com a imprensa também ajudou nesse processo de “esquecimento” do Pearl Jam. Claro, tem gente como eu que continua acompanhando as manias e manhas da banda, mesmo lendo críticas e mais críticas negativas a cada disco novo (contrastando com apresentações que lotam estádios há mais de uma década). O Radiohead também se fechou dentro de si após alcançar a glória, mas desta vez a imprensa achou genial. Yorke, como Vedder, além de bom letrista é também arredio a capas de revistas. Assumem posturas contra o grande capital. Nos passam a impressão de serem autênticos malas alternativos, mesmo que bem intencionados. O rock básico e sem mais firulas de algumas boas canções que o Pearl Jam até hoje produz, pode até ser distante da glória do Ten (que eu não julgo ser o melhor deles nem de longe) mas, diacho, é rock, é aquilo que nós gostamos de ouvir, é aquilo que eu pretendo ouvir até o fim de meus dias. Já o rock do Radiohead, bem, eu não sei nem mais se o que eles querem tocar de fato é rock. Eu só posso esperar que o próximo disco seja melhor, e mais rock, porque eles sabem fazer rock como poucos nessa vida.

Há profissões que, parecem, só existem no período do Carnaval. Salvo, antes de prosseguir, as adoráveis pastorinhas que sempre foram graciosas, viram a estrela dalva, cuidam dos pastoris e já anunciaram escolas vencedoras. Além disso, coitadas, as pastorinhas foram praticamente esquecidas nos dias de hoje - mas mantêm-se imortais no lirismo de Noel Rosa.

Mas e o resto? O que um Rei Momo, aquele gordo mórbido, faz no resto do ano além de emitir, aos jornais populares, sua opinião sobre a escolha do enredo da Mangueira? "Eu acho que o enredo é muito bom e que a escola vai fazer um grande Carnaval", sempre repete o gordo. Fora do período do carnaval, ninguém chama o pobre coitado para festas e ele não aparece na Caras. E, mesmo me esforçando um pouco, não consigo achar utilidade para um gordo sambista no mundo real. Nem como contínuo, profissão que não exige muito esforço intelectual mas, como todos sabem, necessita de muita potência sexual para lidar com as gostosas que adoram trepar com contínuos - e um gordo não tem potência sexual. É triste, mas gordos sambistas só têm utilidade para a sociedade em fevereiro. E os gordos ruim de rebolado nem para o Carnaval servem, coitados!

Ao contrário de um Rei Momo, que é gordo e não inspira desejo em pessoais normais, pertence também ao grupo de desocupados fora do Carnaval a Valéria Valenssa, que é gostosa e inspira desejo em muita gente. O que faz a mulata da Globo no resto do ano? Sim, oká, ela satisfaz as necessidades criativas de um alemão babão, mas dar para o maridão é obrigação, não conta como ofício. A Globeleza deve ficar o ano inteiro de pernas abertas com um alemão no meio. Deve malhar, seguir dieta macrobiótica e ensaiar uns passos de samba. E sempre despida. Isso não é uma ocupação digna que permita classificarmos a sra. Donner como trabalhadora!

Um amigo aqui do trabalho cita, também como desocupada fora do Carnaval, a Luma de Oliveira. Mas eu rechaço a indicação de Luma, lembrando que ela há muito deixou de ser apenas uma bela rainha de bateria, para ser empresária. Qual empresa? Eu não sei, mas sua alcunha nos jornais agora é de empresária e, se não em engano, ela teve responsabilidades no calendário dos bombeiros bonitões. Luma de Oliveira, portanto, tem uma ocupação!

E a mais grandiosa profissão que só existe no Carnaval é a de Clóvis Bornay. O que faz um Clóvis Bornay no resto do ano? No aniversário da Portela que eu prestigiei nesse ano, estava lá um Clóvis Bornay - aliás, também estava um Rei Momo. Não sei exatamente o que eles faziam lá, mas que deviam estar fazendo alguma coisa, deviam.

Aliás, o que faz exatamente um Clóvis Bornay no Carnaval?