domingo, agosto 29, 2004

Pelo counter, a gente consegue ver que tipo de gente vem parar aqui no blog. Hoje, apareceu um cara que procurou no MSN Busca "sexo é sentir um cachorro ou um cavalo penetrando no meu anal". Outro procurou no google "lista de motel de madureira". Isso me assusta.

segunda-feira, agosto 23, 2004

A vista já estava cansada e suas mãos lhe doíam, mas Roberto não parava de bater no teclado. Escrevia compulsivamente sem prestar muita atenção se por vezes atropelava regras e cânones gramaticais, e afinal para tanto existiam revisores e leitores atentos neste mundo. Um riso quase diabólico emoldurava o rosto do homem, finalmente havia achado um caminho possível para trilhar seu romance, agora era questão de escrever e escrever, juntar palavras a idéias, compor personagens, ditar o ritmo.

Escrever um romance era um sonho que carregava consigo desde menino. Lembrava do pai por trás da barba espessa constantemente a abrir e fechar livros vários, tomando anotações, como se ele próprio fosse de algum modo responsável pelo que estava grafado nas páginas. Não entendia direito tanta dedicação às palavras o menino, mas gostava de ver o pai concentrado em sua quietude a procurar por respostas que apenas serviam para expandir o universo das perguntas. Mas não foi a imagem do pai que o tornou escritor, mesmo porque o pai apenas lia e se escrevia algo, escrevia apenas para si ou para alguém que não era Roberto.

Roberto tinha doze ou treze anos quando Renata deu seus passos tímidos dentro da sala de aula de seu novo colégio. Algo aconteceu em Roberto além de um relativo aumento da sua produção de testosterona, e afinal a imagem de Renata adentrando em seu universo nunca de todo saiu da cabeça de Roberto, inclusive é esta a imagem que ele apresenta no início de seu romance: Renata deu seus passos tímidos dentro da sala de aula de seu novo colégio, apertando contra si uma pasta vermelha e a atenção curiosa da turma que agora também era sua. Ao fundo da sala, o aluno Roberto sentiu seu próprio corpo o trair com um sorriso de menino que lhe tomou as faces, e quase não percebeu que Renata instintivamente sorriu de volta enquanto a aluna nova contrariava o pai, e buscava um lugar ao fundo da sala, perto de Roberto, que arrumara um bom motivo para sorrir diariamente.

Uma semana mais ou menos foi o tempo que Renata bagunçou bastante a puberdade de Roberto a ponto deste lhe compor uns versos, claro que versos de meninos que jamais haviam escrito versos antes e que não se julgavam capazes de escrever outros depois. Que Renata adorou aqueles versos de menino não há a menor dúvida e neste segundo sorriso grato dela uma idéia tomou conta de Roberto, a idéia de escrever para a sua musa, para o coração, os olhos e o sorriso dela. Assim começou Roberto a escrever, no intuito de beijar aquela Renata de passos tão tímidos, construindo metáforas para fantasiar as palavras conforme permitiam suas aulas de literatura.

Renata após um par de anos trocou novamente de colégio, lhe deixando além de beijos na lembrança e lágrimas que o fizeram chorar feito o meninão de quinze anos que era, o gosto pelas palavras. Conforme o tempo e as renatas foram passando, o gosto de Roberto foi virando necessidade, compulsão, escape e por fim vício, seu estado atual. Roberto escreve porque é um viciado em palavras, precisou mesmo aprender mais duas línguas para satisfazer a gana de conhecer palavras diferentes. Como qualquer viciado, perde horas de sono e a hora do ônibus, sem contar sessões de cinema, para escrever uma linha, um verbo, um ponto e vírgula que completariam o parágrafo; já tentou largar o vício lendo apenas livros de auto-ajuda, livros com fotos de bichinhos, livros escritos por publicitários; perdeu uma namorada que não aceitou que ele ficasse mais de três dias sem trepar com ela porque não conseguia emendar um soneto.

Palavras acabaram por levá-lo a adentrar em várias portas que nem imaginava existir, inclusive nas de um bar chamado Armazém São José certa noite na fria Curitiba onde se encontrava com amigos de faculdade participando de um encontro nacional de estudantes de comunicação social. Entre garçons, pedidos de aipim frito, garrafas de Bohemia e piadas sem a menor graça, adentrou no local em passos tímidos e segurando apenas uma bolsa vermelha uma original e impossível Renata que Roberto pensou ser fruto da onda do beck prensado e fumado horas antes. Mas eis que Renata instintivamente reconheceu o olhar que tão bem a enxergava e caminhou na direção dele, como só ela poderia fazer e só ele poderia descrever. "Me escreva", ela pediu ao deixar com ele seu endereço de e-mail, enquanto conversavam sobre tanto tempo que não se viam, e o pedido era uma ordem, Roberto precisava escrever Renata de algum modo, e três anos mais tarde, conseguiu começar o romance.

Roberto martelava o teclado, ignorando as horas que o separavam do prazo final dado por seu editor. Estava ciente, contudo, que chegaria ao ponto final em questão de poucas páginas. O título soava a seus ouvidos como música de último capítulo de novela das oito, "Renata, meu primeiro romance". Ele escrevia então para ela, e escrevia como jamais poderia amar outra palavra que não Renata, com érre maiúsculo e tudo o mais.

sábado, agosto 21, 2004

O amor de cada um (XII)

A monogamia poderia acabar com a relação dos dois, ela sabia disso. Mesmo assim, Camila se manteve fiel por longos dez anos, entre namoro, noivado e casamento. Não tinham filhos, ainda, ela e Mauro. Combinaram que esperariam uma estabilidade financeira que teimava em não vir. Eram um casal agradável, sem conflitos aparentes. Todos os dias pela manhã discutiam o que iriam comer no jantar e, mais ainda, quem iria prepará-lo. Tudo em parceria.

O cotidiano, porém, foi minando o casal. Sua vida, a de Camila, era enfadonha e ela não conseguia esconder mais tamanha insatisfação. Até as coisas boas adquiriram um ar de monotonia, impedimento aos sonhos de felicidade eterna de Camila com o marido que ela escolheu.

Mamãe, Mauro me pediu em casamento. Eu vou me casar, mamãe, sua única filha vai se casar. E com a mesma idade, os mesmos 23 anos que a senhora tinha quando casou com meu pai, mamãe. Que alegria, que alegria. Seremos felizes, mamãe, seremos felizes e lhe daremos dúzias de netinhos.

Dez anos depois, talvez a falta de filhos e de felicidade foram responsáveis pela traição de Camila. O sexo entre eles, que deveria ser a única coisa inesperada, a única coisa em que o cotidiano pudesse ser rompido, o sexo era ruim. Variavam entre quatro, cinco ou no máximo seis posições, aquelas que uma década foi mostrando ser as mais agradáveis aos dois. Era pouco, muito pouco. Levar o sexo para fora do quarto, então, era uma raridade. Até mesmo nas espaças viagens, raramente permitidas devido a um apertado orçamento familiar, o sexo acontecia nos quartos de hotéis. Apenas.

Numa quinta à noite, então, Camila avisou que chegaria mais tarde do trabalho no dia seguinte. Um novo projeto na produtora vai tomar todo minha noite, amor, é melhor você não me esperar. Ela treinara a mentira por duas horas no caminho do trabalho para casa, olhando firme no espelho retrovisor do carro. Nos primeiros cinco minutos, derramou-se em lágrimas por preparar uma plano tão sórdido contra aquele com quem sonhara viver. Depois, lembrou da monotonia e culpou a monogamia. Assim, quando chegou a hora, ela se manteve firme e Mauro acreditou.

Saiu do trabalho, em Botafogo, às 22h, na tal sexta-feira. Foi para o Cervantes, em Copacabana, mais para fazer hora do que para comer sanduíches com fatias de abacaxi. Por precaução, comeu um de filé de frango com queijo. Às 23h30m ela entrou no banheiro do bar, não tão fétido como o de outros bares, mas nem por isso um primor de higiene. Ali mesmo retirou jeans, blusa branca, colete de couro bege e calcinha de algodão preta. Vestiu mini-saia marrom, colante preta, salto alto vermelho e óculos escuro com uma lente meio amarelada. Passou batom e se encheu de maquiagem. Pagou a conta com uma nota de dez reais, não pegou o troco e saiu do Cervantes sem calcinha, a Camila.

Menos de uma hora depois, Jaime, um funcionário público negro de 36 anos, desquitado desde os 29, encostou com seu Santana vinho, modelo novo, com insulfilme e ar-condicionado, ao lado de Camila. Combinaram preço, ela entrou e partiram dali direto para um motel que, de tão nervosa, ela, depois, nem conseguia lembrar se ficava mesmo em Copacabana.

E ela deu. Deu tudo, até o cu, tão precioso que nem o marido o havia comido. Dentro do carro, Jaime já havia pedido que Camila movimentasse seu pau, para que ele fosse se preparando. No motel, então, Jaime gemia alto, urrava. Fode, sua puta. E o cu de Camila sangrava, sangrava muito. Com tanto sangue até parece que você nunca foi enrabada, vagabunda. Jaime era um pouco inseguro, muito por sua cor, muito pela forma rude com que seu pai o tratava na juventude. Gostava, portanto, de se mostrar superior às profissionais cujo serviço ele usualmente contratava. Vai vagabunda, fode!

Camila também teve sua contrapartida. Jaime não tinha pudores com putas e chupou, beijou e lambeu Camila como seu marido, Mauro, jamais havia feito. Provavelmente, apesar de ela se recusar a admitir - por vergonha, com certeza -, aquela transa proporcionou os melhores orgasmos de sua vida. Quiçá, os únicos.

Sua relação com Mauro nunca mais foi a mesma. Ela brigou para abolir toda monotonia do casal. Chegou até a comprar espartilhos e chicote para se divertirem. Ficaram mais sete anos juntos e tiveram uma filha, Isabel, linda menina. Até que o professor universitário Mauro a trocou por uma aluna da classe Relações Sociais na Idade Média.

Camila nunca mais viu Jaime.

quarta-feira, agosto 18, 2004

In God we trust ou O que a vulva da Joss Stone tem a ver com isso?

Caro Leandro,

Ontem fui em vários colégios e senti uma baita saudade dos meus doze anos (Fazendo grandes planos/ Chutando lata/ Trocando figurinha/ Matando passarinho/ Colecionando minhoca/ Jogando muito botão/ Rodopiando pião/ Fazendo troca-troca). Acho que eu era mais feliz.

Eu tinha uma namoradinha no curso de inglês - lembre-se, amigo, que eu era uma criança bobinha que estudava num colégio de padre só para meninos. Ela se chamava Fernanda, ou algo assim. Desde aquela época eu já era um romântico e certa vez escrevi uns versos de um poeminha num cartão. Era do Drummond, copiado de um livro que tinha lá em casa:

Amor - pois que é a palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Pois é, entre outras coisas, resolvi copiar o poema ignorando o significado dessa tal vulva. Era Drummond, God, Drummond! Quem haveria de questionar um poema do Drummond? O nome do livro era O Amor Natural e o guardo comigo em lugar de destaque em minha mini biblioteca. Hoje, muitas vulvas depois (nem tantas, nem tantas), apesar da vergonha que eu vim a sentir naquele dia, sinto falta daquela inocência. Essa coisa de vulva, amigo, é muito bom, muito bacana, mas complicado, complicado. E, não, ainda não descobri minha homossexualidade latente.

Mais uma coisa complicada é o trabalho. Outro dia fiquei lá ao lado daquela recém-falecida baleia, coitada. Um frio do cão. Nesse mesmo dia, um domingo, o Anthony Garotinho me deu um abraço e disse feliz Dia dos Pais. Eu estava na porta da igreja evangélica onde ele comparece para rezar com a família. Porra, eu tenho 25 anos e ainda não sou pai, cara. Aliás, eu ainda moro com meus pais. Isso é normal?

Há vezes em que eu tenho a maior vontade de mandar tudo para o inferno. Termino de escrever meu livro, me mudo para Salvador e fico lá vendendo coco e tomando cerveja. Porra, eu quero ficar tomando cerveja em Salvador, God! Um sonho tão simples, tão fácil de realizar, será que não vou conseguir?

Mas aí eu lembro que tenho que ser responsável, que minha educação religiosa me ensinou a ser responsável. Use a razão, André, me dizia o padre. Seja responsável, filho, me dizia meu pai. Suas escolhas vão influenciar toda sua vida, me dizia a porra do coordenador do colégio (muito antes do Morpheus, aliás).

A pergunta que eu te deixo, God, é até quando eu vou ter essa capacidade ímpar de tirar o melhor da vida, de buscar o melhor, o mais bacana em tudo o que faço? Como eu li outro dia por aí, talvez esteja na hora da porra do meu analista me dizer para parar de ser bonzinho. Sendo bonzinho demais, André, você não vai chegar a lugar algum! Merda de analista filho da puta que não toma um atitude e me ajuda a resolver meus problemas.

Enfim, desabafei. Apesar de tudo, acho que ainda continuo satisfeito com minhas escolhas e gosto das coisas que faço e da forma com que gasto meu tempo. Ah, e gostei muito da tal Joss Stone, também. Que graça de vulva ela deve ter! Mas ultimamente eu não tenho conseguido parar de ouvir Cartola. O mundo é um moinho, God, o mundo é um moinho.

terça-feira, agosto 17, 2004

Are you diggin' on me? ou Momento querido diário

Pois é, como os mais antenados foram capazes de desconfiar, este defunto autor adquiriu o tal Soul Sessions, da tal Joss Stone, que além de gatinha, gostosa, pitéu, pedaço de mau-caminho, nora que mamãe pediu a Deus e delícia, também canta. O disquinho agrada, eu comprei porque cismei com a musiquinha que dá título a esse post e não consigo deixar de imaginar Joss Stone fazendo beicinho durante Fell In Love With A Boy (versão deliciosa da matadora Fell In Love With A Girl, do meu, do seu, do nosso White Stripes). Que mulher, André, que mulher.

Aproveitei parte do meu primeiro ordenado e minha conexão vacilante e também encomendei via Submarino uma coletânea do Paulinho da Viola (só pra ouvir Argumento!) e o excelente Acabou Chorare, dos Novos Baianos, que está saindo por um preço obsceno de 12 pilas. O Acabou Chorare, aliás, pros que não conhecem, deve ser um dos melhores discos já compostos na Terra do Molejo. Do mesmo naipe que o Tábua de Esmeraldas, do Jorge Ben. E Preta Pretinha é uma das coisas mais lindas que existem pra se ouvir do lado seu amor, seja quem ele for.

domingo, agosto 15, 2004

GODICAS - Barulhos, imagens, viagens, posicões sexuais e o que mais der na telha do seu surdo preferido que ele ache válido relatar a seus 4 fiéis leitores. Toda semana, 10 dicas pra você melhorar suas cantadas, suas trepadas, seus foras.

Por hoje, dez disquinhos que valem esse post madrugante. E talvez uma audição melhor que a minha.

The Rolling Stones - Sticky Fingers... Houve uma época do mundo em que os Stones não só eram geniais como faziam um disco irado atrás do outro. Esse aqui é especial, veio depois do Let It Bleed e antes do Exile. Só pérolas, minha gente. Moonlight Mile vai te fazer chorar. Bitch vai te fazer dançar. You Gotta Move vai te fazer beber. Can You Hear Me Knocking vai te fazer gozar.

Jorge Ben - A Tábua De Esmeraldas... O violão de Jorge é que há de melhor em doçura musical. Aqui nesse disco, Jorge se supera a cada canção. Obrigatório e ponto final.

The Bitols - Let It Be... Esse é o meu disco favorito deles, com a minha canção de rock favorita, Get Back. O foda desse disco é pensar que os quatro se odiavam enquanto compunham e tocavam o Let It Be. E de pensar que tem nego que acredita em Linkin Park.

Nirvana - From The Muddy Banks Of The Wishkah... Kurt afina a guitarra e solta um urro ao microfone. Depois disso, Aneurysm. E só melhora, só melhora. Nirvana, a minha banda preferida, ao vivo e esculachando. Rola uma lágrima furtiva em meus olhos aqui.

Ben Harper - Live From Mars... Registro da turnê do cara, canções plugadas e canções acústicas. O segundo CD é pra se ouvir juntinho, entre um cafuné e um carinho. O primeiro é pau puro. Forgiven puxa Whole Lotta Love e aí, minha gente, fodeu-se.

Trilha Sonora - Oh, Brother, Where Art Thou?... A trilha de "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?" é tão boa quanto o filme. O responsável pela seleção das músicas é um sujeito chamado T-Bone Burnett, que entre outras coisas, tocou com o Dylan. Se você quiser me dar de presente, eu vou te amar pra sempre.

Jimi Hendrix - Axis: Bold As Love... O Divino Negão quis soar mais pop em seu segundo disco, então encheu sua guitarra com levadas funkys. O disco é matador, Hendrix e a Experience no talo, o batera Mitch Mitchell mandando bronca. E você aí, lendo blog.

Led Zeppelin - Houses Of The Holy... Não que eu ache que este seja o melhor do Led, mas é o meu disco oficial para ressacas etílicas e sentimentais. Tem um clima diferente dos demais discos da banda, mais calmo, mais solto. Led é A banda. Ah, Jimmy Page...

Bob Dylan - Blonde On Blonde... Falar o quê do Blonde? Não tenho palavras. Dá um jeito de ouvir Rainy Day Woman #12 & 35, ou Stuck Inside The Mobile With The Memphis Blues Again, ou Obviously 5 Believers e depois me diga se eu não tenho um pingo de razão, que seja.

Marvin Gaye - The Very Best Of... Diga aqui no ouvido do tio: você gosta de uma boa trepada? Gosta, né? Então não preciso falar mais nada.

terça-feira, agosto 10, 2004

As luzes foram se ligando aos poucos conforme a música preenchia o ambiente e os créditos finais da película desciam pela tela feito gotas da chuva que ameaçava do lado de fora do cinema. Eu sabia que ela havia estado na mesma sala que eu durante aquelas duas horas de filme, experimentado as mesmas imagens em seus olhos, quiçá, e é uma bela palavra esta, quiçá, quiçá também vivido emoções semelhantes das que rondavam a minha relação com o filme que havia terminado há pouco. Era um filme americano de amor, os protagonistas se amavam, se brigavam, se amavam por fim daquela forma de amor que o cinema americano consegue desenhar como nem sei quem mais, de forma que se você visse o filme e não amasse ninguém, seria um filme tristíssimo, apesar do final feliz, pois você iria beijar quem depois dos créditos? Eu estava assim, triste pelo fim do filme.

Levantei quando iluminaram a sala por completo. As pessoas já deixavam o filme para trás, nem todas tão tristes. Ela estava sorrindo, reparei entre as cadeiras e os namorados, ela sorria, e estava sozinha também. Minto, estava acompanhada de um casal de namorados. E sorria. Eu, de longe, fitava aquele sorriso, eu parado de pé, o celular sem créditos para ligações na mão esquerda, imobilizado. Estaria aquele sorriso tão dela acontecendo se eu tomasse a iniciativa de me sentar ao seu lado no cinema? Não seria tão complicado, era só me levantar de onde eu estava e me alojar próximo a ela, bem vizinho. Já nos conhecíamos de outras sessões, já havíamos dormido no mesmo abraço, até bebido no mesmo copo. Não seríamos estranhos, teríamos até algo a conversar antes do escurinho e do filme. Mas não, ela passou por mim, diante de meus olhos e deixei-me ficar sob a resguarda de alguma convenção social que criei na hora, se não havíamos combinado de nos encontrar no cinema, e ela havia decerto acordado de acompanhar o casal de amigos ali, eu seria um intruso, um corpo estranho, alguém com óbvias e adolescentes segundas e quiçá (não é uma palavra ótima?) terceiras intenções. Uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu, o tempo passou na janela e eu, feito Carolina, não vi.

Aquele sorriso não era meu, não era para mim, eu estava o invadindo parado a caminho da porta de saída, o passo incompleto, o pensamento na metade, o celular sem créditos. Mas ela, ah, mas ela!, ela sorria assim mesmo, como se fosse para mim, perdoando a minha timidez enclausurada na minha covardia. De que serve um homem com medo do amor? Vai ficar vendo os americanos representarem o amor numa língua que não é a sua, vivendo beijos secos e cênicos, quando o amor haveria de ser certamente muito úmido e instantâneo feito o sorriso dela diante do meu ocaso. Mas ela a tudo isso perdoava, ela sorria, era só eu me aproximar então, o filme havia sido bom mesmo, ainda que eu estivesse um pouco triste, mas ela também estava sozinha e poderíamos ficar juntos e aí eu ficaria alegre.

Eu instintivamente sorri comigo mesmo, e me dirigi para fora da sala, sozinho. Deixei aquele sorriso dela lá dentro, atrás de mim. Não quis ver o fim daquele sorriso e guardei-o para mim incompleto, sim, porém magnífico. Ademais, o que aqueles americanos que bombardeavam criancinhas com Napalm enquanto os Beatles nos explicavam que só precisávamos de amor entenderiam desse bicho pluriforme? E, idiota, fugi do amor pela segunda vez naquela noite.

Ganhei de um assessor o novo disco do Picassos Falsos, "Novo Mundo".

O assessor falou que achava esse disco novo melhor que o "Supercarioca". Eu não acreditei.

Tô começando a achar que o cara estava certo!

quinta-feira, agosto 05, 2004

Breves

A Short One

Pequeno era um amigo de meu pai. Seu apelido era Partícula.

O Enigma de Isabela

- Mas você disse que me amava. Milhões de vezes, hoje de manhã, inclusive.
- Você já passou da idade de acreditar em amor, né, Leandro?
Assim que Isabela puxou o gatilho, Leandro morreu. De velho.