X
Mulheres podem até parecer, mas jamais são sonsas. Elas sabem, meu amigo, reconhecem e esperam o momento oportuno para encruzilhar você. Adèle quis se despedir de mim ainda no Rio, telefonou e perguntou onde eu estava e apareceu. Não estava mais de terno, não havia mais a valsa e eu ainda era o ex-namorado que terminou tudo e foi morar milhares de quilômetros além dela e de seu amor, tão mudo outrora. Seus olhos cegavam a minha fala. Mas sua fala me dizia que estava indo embora do país por um tempo para tentar voltar um dia e encontrar a cidade sem meus vícios espalhados por ela. Não foi gracioso ouvir, não tentei retrucar. Aí disse que não queria ir, assim como eu não precisava estar tão longe. Foi quando o telefone tocou, o celular, e era Paola. Não atendi, mas ela percebeu o motivo. Adèle então desatou num choro miúdo e me transformou no pior dos homens. "Custava você deixar eu te amar mais um pouco?", ela chorava e foi assim a despedida. Ao final do dia, ela estava decolando.
Luana vasculhava sempre o meu celular, como quem não queria nada. Eu deixava, como quem não tinha nada a temer. Ela parava em nomes femininos eventuais e perguntava, porque alguns calhavam de repetir. Há muitas jornalistas na cidade, eu dizia, a gente se fala para trocar informação. Ela não acreditava em nenhum som daquela resposta, mas fazia que sim. Continuava a bisbilhotar, mantinha a esperança de me subjugar pelos meus crimes. Ela franzia o cenho, suas mãos se impacientavam, ela era linda demais para essa cidade. Meus olhos não cansavam de percorrer seus perímetros, de desejar aquela mulher, aquela cidade toda dentro dela. Ela um dia largou o telefone e disse que simplesmente sabia que eu não havia tomado jeito. Neguei, como não? Jurou que eu dia iria me pegar, entre irônica e enraivada. Continuei na negativa, ela continuou com a pulga atrás da orelha. Eu já disse, citando um provável bêbado dessas sarjetas da vida, o pior inimigo do homem é uma mulher enganada.
Um dia, vejam só, Paola cismou que devia passar um domingo comigo, no meu apartamento. "Eu queria cozinhar teu almoço", ela dissimulava. Ela me dizia essas palavras com um sorriso de mãe e a cabeça do meu pau me impedindo de ver seu nariz. De onde teria vindo aquele súbito desejo de cozinhar para mim, ela que nunca nem havia me oferecido nem cigarro nos silêncios e entreatos? Vi ali algo mais, algo mau. Ela mencionou como se não fosse nada adverso, como se meus domingos fossem algo a seu alcance, tal como a sua língua que me adiava resposta ou, melhor, induzia, porque ela sabia como poucas me fazer repetir a palavra sim em alto e bom som se necessário fosse. E me fodeu com ganância naquela vez, sem olhar hora e me olhando nos olhos. De dar medo. Ao final, se aninhou no resto que deixara de mim se decompondo em meio a suor e dúvidas e voltou a falar de domingo. Eu disse que talvez, gostava dos domingos para ler meus livros de tarde entre um cochilo e um jogo na tevê. "E eu achando que você era diferente do restante que me come pra esvaziar a porra do saco" foi a resposta. E ela não tocou mais no assunto.
Havia uma tensão sobre a minha existência, feito as nuvens carregadas no céu da cidade com a chuva acumulada daqueles suores tropicais. Uma hora haveria de desabar a tormenta, destelhar as farsas, fazer vir à tona as mentiras. Eu sabia o tempo todo que não tinha como acabar bem. E tudo o que eu fazia era beijá-las diferente, aqueles corpos, aquelas verdades que me custariam partes significativas de mim. Eu as beijava para ser devidamente apedrejado quando fosse a hora.
No tal domingo, Luana me acordou com o toque da campainha. Quis me fazer uma surpresa e fazer um almoço para nós dois. Ela estava linda, sempre estava linda. O almoço demorou a sair e quase virou janta. Eu lutava contra o tempo, uma derrota anunciada desde o início do jogo.