quinta-feira, janeiro 12, 2006

Uma história de adultério

Numa história de adultério são necessários apenas três personagens e nada além deles importa, a não ser que o escritor faça do adúltero um pervertido com várias consortes. Pode-se, ainda, usar sogra, cunhado, amigo etc, mas esses são inseridos no texto como um sofá e uma geladeira, só para encher mais páginas. Não se preocupem, então, que nesta história de adultério, a que vou descrever abaixo, não vou perder tempo relatando detalhes do ambiente, garanto.

Mesmo quando não se fala sobre um dos três personagens, ele está lá. Na história de adultério que vou descrever, só vou usar um dos personagens, mas o leitor vai identificar com clareza os outros dois, sem dúvida. Porque num adultério, as personalidades dos outros dois movem a ação daquele que sobrou, não tem jeito. É um triângulo confuso, cheio de medianas, bissetrizes e mediatrizes. Arrasta-se um vértice mais para a direita e a o ângulo dos outros é modificado.

Importante esclarecer que, numa história de adultério, antagonista é sempre o adúltero e protagonista sempre é a mulher ou o homem traído. E não sejam tolos em achar que faço juízo de valor - esperem mais de mim, por favor. Só que é da dor dos traídos que são gerados tensões e sofrimentos necessários para aproximar o leitor da história. Apesar disso, leitores e escritores, em sua grande maioria, sempre dão mais atenção e carinho às ações do antagonista. A transgressão atrai e comprova o que eu sempre digo: o ser-humano não presta.

Aos amantes cabe sempre o papel do tritagonista numa história de adultério. Por mais interessante que possa ser a personagem, as motivações passionais ou eróticas dos amantes nunca são mais importantes do que sofrimentos e catarses de protagonistas e antagonistas. Mesmo quando o tritagonista age e tem fundamental importância na decisão do antagonista para se tornar um adúltero, é este, o adúltero, o responsável pela traição. O amante é apenas um caminho, existe porque é necessário para o adultério, mas sua relevância é terciária. Ele pode até se envolver amorosamente e sofrer pelo adúltero, mas seu envolvimento viria depois do da pessoa traída e teria uma importância menor para a história.

O adultério básico pode ser dividido em quatro fases: dúvida, traição, dúvida e (não) arrependimento. O antagonista sempre fica em dúvida antes de trair e sempre fica em dúvida, também, antes de confirmar suas ações e não se arrepender ou de arrepender-se e interromper suas ações. Se não há dúvida, o casamento está findo e a história, em vez de ser uma de adultério, é apenas sobre a mediocridade de um casal que não toma atitudes em relação a sua situação. Ah, protagonista e tritagonista também têm dúvidas, acreditem.

E é em cima de dúvidas que descrevo um adultério onde só um dos personagens é necessário para a história. Uma história real e curta, aliás:

""Sempre achei que o adultério seria mais necessidade do que crueldade. Mesmo assim, consciente disso, mantive-me fiel por sete ou oito anos, talvez por acreditar naquele amor, talvez porque o sexo me satisfazia plenamente. Assim, só comecei a me relacionar com outra pessoa depois que percebi que aquele era o único caminho para a felicidade. Mas rogo por um fim".

Era como se eu estivesse numa igreja novamente, com os sinos tocando para a missa de domingo. Mas não havia ninguém comigo. Olhava para os lados e só via cadeiras e mesas vazias. Às vezes aparecia um ou outro garçom, mas era como se eles não existissem. Li o bilhete pela sétima vez ali, sentado, alheio ao mundo. Queria fugir de uma vida agonizante, que cada vez mais eu tinha a certeza que não poderia ser a minha. Tomei um chope para tomar uma decisão. Eu tinha encontrado com ela na noite anterior e mal pude olhar para sua cara. Saí com o bilhete de casa hoje pensando no que fazer. Não agüentava mais esperar que alguém resolvesse aquilo por mim, que alguém desse um rumo para minha vida. De todas as perguntas que eu fazia, a mais importante era entender a motivação para o adultério. O que leva alguém a cometer adultério?"