quarta-feira, maio 28, 2003

Imagine-se num museu qualquer, apreciando uma exposição de um desses artistas ímpares do século XX, um Klee ou um Mondrian - cujas artes pretendiam romper as formas vigentes em busca de uma realidade mais elevada, uma coisa bem mística mesmo. Sua distância do quadro é tão próxima quanto a linha de segurança do museu permite. Uma obra como aquela merece toda compenetração que alguém como você, amante das artes, possa oferecer.

Então elas aparecem, as crianças. Estudantes de colégios públicos ou particulares, moradores de qualquer lugar da cidade*. Falam alto, correm pelos corredores, dão risada e até tropeçam em você. Algumas estão acompanhadas por pais que nem se esforçam para conter tanta energia. Outras, acompanhadas por professoras que até se esforçam, em vão. Podem aparecer também aqueles adolescentes, ainda mais incontroláveis que as crianças, repletos de hormônios púberes florescendo. Sua maior preocupação é contar sobre sua vinda ao museu aos amigos através do celular. Nos fins de semana é até pior: surgem aqueles casais que resolvem sair da enfadonha rotina matrimonial indo a um museu. Entre outros pecados, eles lhe pedem para tirar uma foto deles ao lado de um quadro. Você nega - é proibido, ora - e explica que o flash pode danificar a obra. Eles ainda insistem e, depois de mais uma resposta negativa, saem falando horrores de seus ancestrais e ainda acham outra pessoa, semelhante a eles, que topa tirar a tal foto.

Agora imaginem todas essas pessoas num museu no Rio de Janeiro, onde o povo é indiscutivelmente mal-educado. Sim, em geral os cariocas são porcos, jogam lixo no chão, ao trânsito não respeitam pedestres e agem como se fossem o centro do universo. Não adianta negar, eu também sou carioca.

A situação sugerida acima é comum. Em qualquer exposição - principalmente de grandes artistas e com respaldo de mídia - um público não exatamente entendido e admirador de artes será atraído. E aqueles, que gostam de apreciar desde os pormenores estéticos de uma obra, até suas intenções conceituais, serão prejudicados.

Muitas vezes não se admite tal incômodo. O discurso politicamente correto e hipócrita prevalece e seria vergonhoso para um professor universitário, por exemplo, reclamar do rapaz bronzeado comentado sobre o humilde tamanho do seio da Vênus de Botticelli. Não exatamente com essas palavras.

Uma das soluções para esse conflito talvez fosse criar uma espécie de apartheid cultural, separando sessões semanais de visita para cada tipo de público. A seleção - ou segregação, como preferirem - poderia ser feita através de um simples teste na entrada do museu ou se poderia até confiar na declaração do visitante. Ele diria: "eu sou apreciador tipo terça-feira, amo o Andy Warhol" ou "eu visitarei no domingo, nunca ouvi falar de Ingres".

A proposta do rodízio pelo tipo de público, porém, sofreria algumas críticas. A primeira seria feita pela direção do museu, com a compreensível alegação que o número de visitantes diminuiria. Afinal, um amante de artes não deixará de assistir a uma exposição somente pelo incômodo de outros visitantes menos contidos. Mas um curioso poderá cancelar sua possível visita por não poder escolher o dia mais apropriado. Além disso, ser considerado "menos apto a apreciar artes" não seria exatamente uma alcunha vista com simpatia por ninguém.

Outras críticas viriam de sociólogos e políticos engajados em áreas sociais. Eles alegariam que já é bem ruim viver em locais de segregação social e que uma cultural, além de lembrar práticas anti-semitas, poderia aniquilar ainda mais a auto-estima de uma população de baixa renda que tenta a todo custo não se enquadrar numa situação de exclusão. Deve-se incentivar o acesso à cultura, afinal, não condicioná-lo. Além disso, um primeiro contato com a arte, até mesmo tardio, pode fazer com que outrora alienados artísticos virem verdadeiros apreciadores no futuro.

Todas as críticas teriam lá usas razões e a idéia do rodízio, portanto, facilmente seria rechaçada.

A solução de consenso talvez fosse promover campanhas que educassem a população a bem se portar em locais públicos. Mas campanhas desse tipo só têm resultados a longo prazo e, mesmo assim, duvidosos. Da mesma forma que se faz com cigarros e cachorros, poderia-se também proibir conversas dentro de museus, cinemas e teatros - não são apenas os templos de artes plásticas que sofrem desse mal. Mas deveriam proibir mesmo, com punições e multas aos infratores! O que não está certo é continuarmos, os verdadeiros admiradores das artes, com esse discurso hipócrita de que não nos importamos. Devemos nos rebelar.

* Definitivamente não é um problema social. Visitei certa vez a casa de uma mulher na Rocinha - mãe solteira e empregada doméstica - que ganhava de sua patroa aquelas reproduções de obras de arte que vinham com a revista Caras. A mulher pregava todas as imagens pela parede da sala. Ela não sabia quem eram os autores, mas apreciava de forma invejável obras de Leonardo, Rafael, Ticiano, Miguel Ângelo, El Greco, Rubens, Rembrandt, Monet e outros. Pelo pouco que conversamos, ela me pareceu preferir os pintores renascentistas.

terça-feira, maio 27, 2003

Seguindo o exemplo de meu querido companheiro de blog, também vou falar de amor. Amor, meu caro Godinho, amor não existe.

domingo, maio 25, 2003

Uma vez eu tive um amor. Ainda posso me lembrar perfeitamente bem de como era gostoso acordar e saber que havia um bom motivo para eu levantar da cama e poluir meus pulmões com a fumaça dos dias. Se bem me recordo, e não faz tanto tempo assim, era um amor de verdade, de inventar uma voz no telefone só para falar com ela, apelidos íntimos, carinhos secretos e e-mails clandestinos. Nos dias de maiores vibrações, promessas, juras, tatuagens e pactos. Em épocas de maiores carências e distâncias, porres homéricos.

Era uma sensação que nunca cansava observar as pupilas ansiosas dela me vendo repetir que a amava pela terceira vez num dia. Ou simplesmente segurar na mão dela e nada mais precisar acontecer, mesmo que muita coisa fosse acontecer a partir dali, da minha mão dentro da mão dela, do olhar dela dentro do meu. E ela adorava me dar colo. Eu deixava a minha cabeça próxima ao seu regaço e nada dizia, apenas acompanhava a sua respiração e vez por outra, sorvia seus beijos.

De tanto amor, acabamos por ceder nossos corações em permuta. Cada um ficou com o coração do outro, mesmo que algum físico ou cardiologista pouco poético venha aqui me dizer que dois corações não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Podem e devem, e aqueles que nunca tentaram por medo ou desesperança não fazem a menor idéia do que estão deixando para trás. Eu sentia na pele as dores dela, minhas pequenas vitórias apareciam nos lábios sorridentes dela. Graças ao meu amor, estou pouco me lixando se daqui a trinta segundos um avião adentrar no meu quarto e eu virar estatística de site de mortes bizarras na internet, porque eu já vivi aquilo que eu precisava ter vivido: o amor. E, perto da experiência amorosa, o resto é insignificante demais para ser levado em consideração.

Um belo dia, ela pediu o coração dela de volta. O meu coração trôpego já não cabia legal dentro dela e o nosso amor acabou se perdendo em algum ponto entre o subúrbio da Central e o norte do Paraná; ela ficou triste, tristinha, e com aquele vazio no peito. Eu não tinha o direito de deixá-la sem o próprio coração, e desde então, olhar as estrelas no céu ficou uma coisa meio idiota, melhor acompanhar o futebol na televisão. A saudade acabou tomando o lugar da promessa, eu me deixei envelhecer rapidamente na expectativa que a idade me trouxesse junto algum bom-senso. Veio só a saudade, e uns bluesinhos dos Stones.

Onde o nosso amor foi parar é um mistério. Só sei que sentir a manhã invadindo os meus olhos era muito melhor com o coração dela me acordando para eu não perder o ônibus.

sábado, maio 24, 2003

Companheiros (IV)

Dó - É meu irmão, cara, o sujeito é meu irmão. E ainda é meu padrinho. O que mais preciso falar?

Gustavo - Um cara genial, alegre, inteligente, espontâneo e surpreendente. O tempo de nossa amizade é maior do que o tempo que eu não o conheço. Era o terceiro de três numa das 3 viagens mais legais de minha vida - eu, ele e Duda rodando os EUA. O Gustavo fica aborrecido com facilidade e fecha a cara por isso. Seus rompantes até já viraram folclore entre os amigos. É a melhor pessoa para se discutir sobre qualquer assunto, apesar de discordarmos muito. Um dia ainda vamos pegar um carro e rodar por aí sem destino.

Daniela - Minha amiga velha e rabugenta. Companheira de álcool, dança e cigarro. Bêbada, a Dani é genial. Sóbria, é deslumbrante. Só não é aconselhável tentar acordá-la pela manhã - ela também sabe, e como sabe, ser mal-humorada. Daniela conta que me achava super nojento quando me conheceu. É uma ótima bebedora de rum e minha eterna parceira de truco. A Dani é pouco paciente para burrices de desconhecidos e para aqueles de quem ela não gosta. Mas compensa com bastante paciência para seu namorado. Já fui num motel com ela.

Elinton - Somos amigos praticamente por toda nossas vidas. Na juventude, fazíamos tudo juntos. Era meu parceiro de viagens, festas, bike, tequila, buraco e basket. Hoje, tentamos sempre encarar um programinha (casa da matriz às quintas) para beber e papear. O Elinton é um sujeito extremamente tranquilo e relaxado. Nada o aborrece. Ele é tenente da marinha e, tenho certeza, vai ser o primeiro de meus amigos a se casar - obrigando-me a vestir uma saia para a cerimônia. Ele sabe mais de mim até do que eu mesmo sei.

Carla - É minha irmãzinha. Ao nos conhecermos, nossa amizade cresceu rápido, mas brigávamos demais. Uns 5 meses depois, a Carla me chamou para viajar pelo Nordeste brasileiro - a outra das minhas 3 viagens mais bacanas - e, que eu me lembre, nunca mais brigamos. Seu problema é ser um tanto grossa. Mas seu carinho especial pelos amigos - friendsfan, afinal - dá uma compensada. Ela sempre me liga quando eu mais preciso e raramente dispensa uma bela farra. Pela alegria e disposição, é a parceira ideal para putarias. É mãe e eu já fui num motel com ela.

Guilherme - É meu amigo padre de Petrópolis. Tenho certeza que, se ele não tivesse seguido vida religiosa, faria parte de nosso seleto grupo "rapaziada" e nos veríamos sempre. Ou, talvez, se eu tivesse continuado pelos caminhos de Deus, também nos veríamos sempre. Éramos extremamente unidos no colégio. Fizemos engenharia juntos e largamos na mesma época. Fico imaginando às vezes como seria se o Guilherme resolvesse desistir da Igreja. Tenho certeza que ele também imagina.

Gisele - O bem que faz para o Alexandre - comparativamente - já seria um bom motivo para gostar dela. Mas, independente disso, essa suburbana barraqueira conseguiu conquistar meu coração. A Gisele é alegre e curte uma mesa com boa cerva e bom papo - cenário utópico para todas as noites dos melhores boêmios. Às vezes ela fica meio autista, mas deve ser uma característica do grupo de amigas com quem ela anda. Uma vez, em Porto Alegre, eu a fiz chorar e não me arrependo. E ela tem uma generosa bunda.

sexta-feira, maio 23, 2003

Um mundo pequeno, definitivamente

Estava eu aqui vagando pela rede quando aparece uma memsagenzinha de ICQ em ingrêis. Mais gente oferecendo fotos de menores nuas? Não, a "Anna" queria apenas conversar comigo. Eu disse que talvez poderia bater um papo com ela. E não é a que guria era maneira?

Anna é fotógrafa, tem lá seus vinte e poucos anos e mora em NY. Acha que o Bush é um idiota que pensa ter o mundo na ponta dos dedos, riu de algumas piadas minhas, me disse que o Rio lhe pareceu "hot as hell" quando esteve aqui e ainda não viu Matrix Reloaded. Mas viu Tiros em Columbine, e a nossa conversa já estava encaminhada.

Enfim, nem todos os americanos são puercos, como se vê.

quinta-feira, maio 22, 2003

André e o Sexo ou O que há de tão bom na Rocinha?

Ontem eu não bebi. E nesses dias fico extremamente reflexivo. Hoje eu também ainda não bebi e continuo reflexivo. E é uma merda ficar reflexivo nos dias em que não se tem nada para fazer - lembrando que odeio falar ao telefone.

Minhas reflexões rondaram basicamente dois temas: a comunidade da Rocinha, motivado por Cidade Partida, livrinho do Zuenir Ventura que tem ocupado alguns instantes de meus dias; e o filme Lúcia e o Sexo, motivado pela recordação dos escritos de um amigo surdo, melhor escritor que eu conheço apesar de abusar muito de figuras de linguagem.

Afirmo, sem que minhas intenções pareçam ser hipocritamente passar por bom moço, que a Rocinha é dos lugares mais fascinantes que já visitei. Talvez perca apenas para Nova Iorque, por sua diversidade, e para Salvador, por seus moradores. Talvez não. O charme de Nova Iorque é ter culturas e pessoas de todos os tipos, inclusive baianos, convivendo harmoniosamente num mesmo local. Já Salvador é o contrário. Seu charme é ter praticamente uma cultura só, riquíssima e apaixonante. E o povo, os baianos, é acolhedor, amigável e sorridente. Enfim, são maravilhosos esses baianos.

A Rocinha pode ser considerada uma mistura dessas coisas. Lá, numa cidade vertical usualmente chamada de favela (termo que, infelizmente, com os anos adquiriu uma conotação negativa), pessoas tão diferentes convivem tão próximas. Não há regiões ricas ou pobres definidas. Não há bairro para italianos, rua para brasileiros ou gueto para negros. Nada de chinatowns na Rocinha - e o coreano da pastelaria mora ao lado do evangélico, do gay e do traficante. Aquilo sim é diversidade. Um lugar onde encontramos de tudo e de todos pelas ruas, sem preconceito. E lá, na Rocinha, também há baianos e baianices aos montes.

Até mesmo eu, um playboy mané e marrento, sou aceito na Rocinha. E olha que eu nunca deixei dinheiro para o comércio local.

Sobre Lúcia e o Sexo, eu nunca tive uma Lúcia e, ultimamente, não tenho nem tido muito sexo. Aí eu pego um suplemento da Folha de São Paulo, um tal de Folha Equilíbrio, e na capa leio:

"O sexo dos mais velhos - O prazer não muda com a idade, só o corpo, o que exige dos amantes novas técnicas"

Meu Deus! Em Lúcia e o Sexo, filminho espanhol bacanérrimo, esse, o sexo, nada mais é do que uma extensão de Lúcia. Não se trata de técnicas de sexo, trata-se de prazer, de curtir o momento da melhor forma possível. Trata-se de aproveitar a vida: com romance, paixão, amor, ódio e, claro, sexo. No filme o sexo não existe sem a Lúcia e, naturalmente, ela não existe sem o sexo. Técnicas? Prazer, amor e paixão deveriam suprir a necessidade de qualquer técnica.

E assim somos todos nós, mesmo sem entendermos. Eu, por exemplo, depois de ficar sóbrio refletindo por alguns dias, decidi não trepar mais até que meu corpo entenda que eu sou o sexo. Eu sou o sexo!

Grunge de Merda acerta bases de contrato com mais um blog.

por Leão Lobo, fofoqueiro de plantão.

O Grunge de Merda, também conhecido como Leandro Godinho, acaba de fechar contrato com o blog Inventando Dogmas. Segundo fontes confiáveis, o surdo inventor de factóides e péssimo escritor (conta-se que ele é ainda pior poeta) assinou com o blog do jornalista e cinegrafista André Miranda porque este último lhe ofereceu maior liberdade editorial. Mas correm boatos que André tenha negociado umas cervejas e a própria cunhada para ter o moreno em seu espaço virtual.

Maria Martha, a detentora do local onde Leandro batia ponto, não foi contactada para demonstrar sua opinião sobre o fato porque estou com preguiça de ligar para ela, mas imagino que ela pense que o companheiro de blog dela faz o que bem quiser da sua vida, e ademais, o blog é dela mesmo.

André Miranda, treinando para ser Mr. Universo em 2006, já havia prometido várias outras empreitadas em conjunto com o Grunge de Merda, mas só agora eles chegaram às vias de flato. Ele e Godinho pertenciam ao finado pasquim universitário Mãe da Foca, que se tornou notório ao se ver alvo de toda a delegação nordestina no último Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOM), em Brasília há dois anos atrás, por conta de uma piada de suposto cunho racista. Segundo André Miranda "tudo o que vocês precisam saber é que ele é surdo".

José Arbex Jr., jornalista que na ocasião do episódio envolvendo o finado MdF e os paraíbas (sic) disse um monte de besteira, não foi contactado porque é gordo, chato, escreve mal e nada de relevante teria a dizer para esta matéria.

De casa mesmo, 22:17.

Uma nova era

Como meus caros amigos Eduardo e Gustavo nunca mandam nada mesmo, o Inventando Dogmas anuncia o sensacional Leandro Godinho como parceiro.

Tudo que vocês precisam saber é que ele é surdo.

domingo, maio 18, 2003

Ontem, sábado. Acordei bem tarde e fiquei mais de 6 horas editando um vídeo para meus amigos padres lá de Petrópolis. Terminei às 23:30. Beleza, talvez eu vá para o céu, de casa fui numa festinha qualquer. As músicas eram pavorosas, a cerveja custava 3,50 e tinha playboy demais! Então tocou uma música que falava de rodeios e eu desisti. Meio bêbado, saí de lá e voei para o Cine Irís, Loud, Super-Brazooka! Às 3:20 da madruga, queriam me cobrar 20 reais de entrada. Aí é esculacho, tive que voltar para casa.

segunda-feira, maio 12, 2003

Nossa é a cidade onde o secretário de Segurança Pública - evangélico, radialista, ex-governador e eterno candidato à presidência - comemora a morte de 100 bandidos. As leis da sociedade que esse secretário representa em nenhuma hipótese acreditam que a morte seja a punição ideal para um criminoso. A lei do Deus do secretário também não.

Oká, oká, posso estar sendo implicante demais, humanitário demais, fresco demais... Mas eu vejo mais motivos para lamentar.

Sobre o tal secretário, Anthony Garotinho, chega a ser curioso ouvir, usualmente em seus discursos, a lembrança da necessidade de projetos sociais como forma de combate à criminalidade.

Alguma coisa não parece encaixar.

Sabem a D. Julieta da história anterior?
Ligou de novo. O pé continua doendo, ela continua querendo reclamar do posto de saúde e seu sobrinho, Gabriel, continua desempregado.
Ah, e minha garrafa de samambaia continua lá!
Eu tô começando a cogitar a hipótese de me despencar até S. João de Meriti só para conhecer essa velha. É claro que, no meu caso, conhecer quer dizer levar uma câmera de vídeo e gravar a D. Julieta reclamando do posto. E aí? Mais algum maluco topa?

sábado, maio 10, 2003

Senta aí que eu vou contar história...

Contextualizando: no meu emprego atual há alguns momentos do dia em que minha função consiste em atender telefonemas. Não, não, eu realmente não me orgulho disso e sim, sim, isso me incomoda.

Na última quinta-feira, entre uns duzentos telefonemas, ligou uma senhora, nervosa, com aquela voz de velhos sem dentadura, chamada Dona Julieta - 82 anos, moradora do Jardim Iris, em São João de Meriti. Ela queria reclamar do posto de saúde de seu bairro que não queria lhe dar um remédio para sanar a dor que sentia no pé. Minha missão seria apenas anotar nome e telefone e depois despachar a pobre senhora. Para tornar esta maravilhosa missão mais agradável, escolho um ou outro interlocutor para uma breve prosa. Foi o caso de D. Julieta.

Tentei acalmá-la. Em vão. D. Julieta não parava de falar e de reclamar do tal posto e do prefeito de São João. Começou a me contar a história inteira do bairro, do posto e da dor no pé. Eu continuei pedindo calma e dizia que ia ver o que eu podia fazer. Ela continuava se lamentando e eu comecei a me arrepender de ter puxado papo com aquela senhora um tanto esclerosada, coitada. Mas aí ela começou a chorar. E chorava muito, muito. Ela dizia que a dor estava muito intensa, que não iria conseguir voltar para casa, que precisava do remédio e que não tinha dinheiro para comprar. Eu pedia calma, mas a velhinha só chorava e não me ouvia mais.

Eu sei, eu sei que não sou a pessoa mais sensível do mundo. Mas adoro velhinhas. Lembro logo da minha falecida avó - que morreu com quase 90 e bebia uma lata de Skol todos os dias. Portanto, a história de D. Julieta realmente sensibilizou-me e me incomodou. Mas o que eu poderia fazer?

A muito custo consegui convencer D. Julieta a ligar para sua filha, para que esta pudesse buscá-la no posto e levá-la para casa. Mas não consegui dormir bem naquela noite, preocupado com o destino da velhinha. Até compartilhei essa história com algumas pessoas.

No dia seguinte, mais ou menos no mesmo horário, lá estou eu atendendo telefonemas e D. Julieta liga novamente. A princípio não reconheci sua voz. Ela disse que queria fazer uma reclamação. Perguntei seu nome e ela disse: "nos falamos ontem, meu filho, você não se lembra de mim?".

Imaginem minha alegria. "Mas D. Julieta, a senhora está bem? Eu fiquei pensando em seu problema a noite inteira". Ela agradeceu, disse estar um pouco melhor, mas ainda sentia leves dores no pé, e ligava para reclamar do posto de saúde. Achei graça, ri um pouco e me vi novamente papeando com a velhinha.

Ela me contou que sua filha foi lá buscá-la, mas que ela se sentia revoltada com o descaso daquele posto de saúde. Eu enrolei, disse que ia ver o que podia fazer - praticamente nada, na verdade - e tentei desconversar. Então fiz a besteira de perguntar se ela iria passar o Dia das Mães com sua filha. Mais uma vez D. Julieta começou a chorar. Ela contou que sentia muitas saudades de sua mãe, que sua mãe já tinha morrido, que ela ia passar o Dia das Mães sem sua mãe, blá, blá, blá. Porra, D. Julieta, a senhora já tem 82 anos - pensei, mas não falei. Concluí que a velhinha é meio despirocada mesmo. Pedi calma, mandei aquele papo que todos morrem algum dia e que as recordações são extremamente importantes. A velhinha se acalmou e disse:

- Olha, meu filho, eu quero que você venha aqui na minha casa para pegar um presente para dar para sua mãe. Uma samambaia de garrafa.

Vocês não têm noção do trabalho que deu para convencê-la que eu não teria tempo de buscar o tal presente. Ainda assim fui obrigado a deixar a possibilidade no ar. Outro problema foi entender o que era a tal samambaia de garrafa. Não entendi. Depois de muitos beijos, promessas de orações por mim e pela minha mãe e "Deus te abençoe", D. Julieta desligou.

Fiquei feliz pela velhinha estar bem. Mas 10 minutos depois ela ligou de novo. Queria me pedir para arrumar um emprego para seu sobrinho. Aí minha preocupação já tinha sugado toda minha paciência. Nem dei muita trela.

sexta-feira, maio 02, 2003

hoje seria um belo dia para ficar em casa acompanhado, debaixo da coberta, vendo um filminho qualquer...
uma pena. uma pena.