domingo, junho 29, 2003

Chovia, e como chovia. Uns pingos meio tristonhos, meio encharcados de adeuses, quase ébrios escorriam pelos céus noturnos da cidade enquanto eu deslizava madrugada afora numa ruela de paralelepípedos com as mãos nos bolsos da calça tentando manter meus últimos trocados a seco. Havia sido uma boa noite de cerveja e agora eu precisava dum canto quente e seco para deitar e ouvir a chuva do lado de fora me ninando quase silenciosamente, enquanto de olhos fechados eu imaginava o calor de um abraço necessário para aquela solidão.

A ruela parecia uma estrofe perdida no meio da cidade, com suas calçadas estreitas e janelas abertas. Eu podia ouvir meus pés rangendo por causa da água que havia ensopado minhas meias a cada passo, e o drama das novelas cotidianas que fluía de dentro de cada janela aberta diante da chuva e da noite que me acompanhavam por aquele trecho perdido entre o arcadismo e o parnasianismo, que após se acostumar ao esquecimento literário, acabou por urbanizar-se e ingressar no modernismo ainda que sob a forma de pastiche. Caminhava sem pressa e me preocupava mais em observar a chuva formar gotas que pingavam regularmente da ponta de meu nariz do que procurar uma marquise que me desse uma garantia mínima contra uma pneumonia ou outra disgressão pulmonar menor.

Em algum instante de minha caminhada percebi um vulto sentado numa das calçadas, em silêncio, observando alguma coisa na palma de sua mão. Talvez eu já estivesse perto de casa, mas o meu destino pouco importava então, o que me interessava era o caminho que me levaria a ele, e diminuí maquinalmente meus passos e até o ritmo de meus pensamentos que processavam os sons das janelas, as palavras que metrificariam sonetos naquela estrofe perdida, o número de paralelepípedos por onde rangiam meus pés afogados em saudades e cheirando a sono. Ah, era uma menina. Bem, ao menos usava uma espécie de vestido de festa um tanto quanto ornamentado, tinha mãos de menina e até cabelos de menina. Um poste de luz na calçada oposta a tornava cadente feito uma aliteração dentro daquela estrofe concretista, então me vi diante duma fadinha enluarada, pois que seu vestido etéreo e violáceo era adornado por um par de asas graciosamente celofanes e transparentes que gotejavam num decote que o vestido a permitia nas costas.

Parei perto dela para me certificar se tudo aquilo não era fruto de uma imaginação bôbada e tardia. Procurei acordar para conseguir voltar para casa e não dormir largado no meio do mundo que poderia estar chovendo, e acabei me dando conta que aquela cena realmente estava acontecendo, o casal da janela mais próxima relamente parecia estar gozando um amor profundo e a menina não deu a mínima para o estranho que a observava tortamente de pé ante a chuva, a luz elétrica e as gotas multicor que lhe caíam na palma da mão. Tentei construir um verso sobre aquilo tudo mas só consegui olhar o pedaço das costas que seu vestido me ofertava à vista e lembrar duma Nina que me perturbava o sono bissextamente.

O cansaço me obrigou a sentar ao seu lado, o que aparentemente não significou nada para ela, que preferia se concentrar nas gotas da chuva maquiada que lhe escorriam do rosto em direção a sua mão de menina em concha. Parecia uma arlequina abandonada no altar, esperando algo que lhe trouxesse de volta a sua graça. Fiquei ali sentado vendo a chuva escorrer feito melodia entre meus sapatos, pensando que devia ter feito a barba e gostando da sensação de ajeitar com as mãos meus cabelos desgrenhados na madrugada, enquanto o amor do casal às nossas costas parecia ter já adormecido e finalmente nos olhamos. Primeiro, estranhos, ficamos como dois cães sem dono se cheirando, procurando respostas ou ameaças ou novidades em nosso objeto-alvo. Seus olhos castanhos combinavam com o nariz de menina, e a maquiagem borrada a enriquecia com um olhar censurador de meretriz. Ajeitou inutilmente outra vez o cabelo que escorria junto com a chuva, talvez para melhor adivinhar o olhar que a julgava por trás daqueles óculos respingados. Talvez eu apenas estivesse bebido demais, mas juro que ela era bonita.

"Você tem cigarros ?", ela perguntou, e acrescentou que os seus estavam todos molhados. Após me estudar por um instante, baixou os olhos novamente. Procurei nos bolsos do casaco e encontrei um perdido, que alguém me havia pedido para passar para outro alguém mas que eu obviamente não havia o feito. Estava provavelmente mais enxuto que os dela, e o ofereci com alguma timidez. Que sorte a minha encontrar um príncipe encantado no meio dessa chuva, ela brincou, e eu ri, menos timidamente então. Ela acendeu o cigarro e eu emprestei meu casaco para ela se cobrir e fumar em paz, e ficamos vendo a chuva adormecer também. O cigarro foi breve, mas ela não devolveu meu casaco por isso, estava molhada e com frio, feito eu. Quase amanhecia. Perguntei se seu nome por algum acaso era Nina. "Quem me dera" foi a resposta, e ambos nos levantamos dali e tomamos nossas direções. Ela ficou com o meu casaco.

O amor às nossas costas aproveitava o anúncio do dia e renovava seus votos.

sexta-feira, junho 27, 2003

Em 1997, o Jane's Addiction lançou no mercado um disquinho chamado Kettle Whistle, que reunia versões demos e ao vivo de suas (grandiosas) canções. Também apresentavam 2 novas musiquinhas (Kettle Whistle e So What!), onde quem tocava o baixo era um rapaz conhecido como Flea.

Henry Rollins deixou estas palavras gravadas no encarte. Para mim, um dos melhores textos já escritos sobre música. Se não for O melhor deles.

"JANE'S ADDICTION was one of the truly great bands. From a decade that will be remembered musically as the one that gave us new wave and all those hair bands, Jane's was a stand-out whose records still deliver and whose shows are still talked about years later.

The band's Warner Bros. efforts, NOTHING'S SHOCKING and RITUAL DE LO HABITUAL, are brilliant but in my opinion never captured the soul- expanding gift that the band delivered live. That being said, I think it would be hard for any band to capture such a brilliant thing in the studio. Jane's was a band that needed to be seen to be heard to feel the full impact. The studio versions of the songs are great, but they're nothing compared to what they became at a Jane's Addiction concert when the songs mixed to the moment. A song like "Three Days" on record is a great piece of work, but when you were standing in front of the P.A. and those big chords pounded you after the drum jam, it was incredibly moving. It was a chapter of your life. Or when the the band stepped down "Mountain Song", it was a body shot. It was about as good as live music gets. There were moments like this all through Jane's concerts. That's why putting out this record is a damn good idea. It's not a ticket to the show, but it's a necessary document of one of the finest live bands there ever was. They came at you on several levels at the speed of sound. Hardcore, working-the- boulevard ferocity, too hip surfer zen aloofness, drugged out stratosphere abandon, served up with an almost childlike naiveté. Terrifying. Unifying. Riot inciting. Easily more thought-provoking than any corny "message band" ever hoped to be. Jane's Addiction pointed it out without pointing to it. In the blink of the eye, they made other bands seem outrageously unhip and outdated, like when the Wizard of Oz got his shit put in check.

A threat to parents everywhere. Speaking of parents, the ja song "Ain't No Right" has more stick-to-your-ribs insight than anything my father ever laid on me.

They used cliché in an almost traditional sense. But when Perry told the band to bring it down so he could say something to the audience boiling at his feet, he really did have something to tell them. It wasn't some rap that he used every night. And the raps he laid on audiences were not sugar-coated. He already expected you to be smart, so he didn't play down to you. He said some cool shit up there. At the same time, he had you in the palm of his hand. Sometimes, he liked to push it. One night that comes to memory is Atlanta 1991 when the band had members of Ice-T's Body Count come up onstage and play Sly Stone's "Don't Call Me Nigger, Whitey". Perry and Ice, in each other's face. "Don't call me nigger, whitey." "Don't call me whitey, nigger." It wasn't funny. It wasn't cool. It wasn't meant to be.

The gigs, on the outside, had all the trappings of a big rock show. And it was, from the front row to the back. The lighting onstage was epic yet intimate. The stage was adorned with statues, candles and other artifacts pulled from who knows where. It was not thrown together. It was carefully sculpted and arranged. Whoever put it together had something in mind. They cared about you and they wanted to get you off. You felt that you were in on something really cool. If it was in a club or open field, you never felt like you were being treated like a dummy.

The band was a great one to watch. Perry was the cool spaz stick man who looked like large shots of eletricity were constantly passing through him. His voice, often distorted by effects, was part croon, part roar and always pure animal. The drummer, Stephen Perkins, was a pummeling blur of sticks and hair. His fluid power was truly astouding. The guitarist, Dave Navarro, is one of rock's more exciting and gifted players-period. From sheer sonic apocalypse to pure heaven, made it look effortless. And holding the whole thing down was Eric Avery on bass. Solid yet not simplistic, Eric's playing gave the band a crunch and wallop that never plodded, but ebbed and flowed.

As a cog in the major label machine, Jane's Addiction had enough street credibility to be below it, talent enough to have the majors knocking at their door and enough smarts to remain above it, keeping their vision intact. Point is, they never got caught up in it, never became victims of it and NEVER LET THEIR MUSIC SUFFER. You never feel stupid for wearing the shirt even after they scored a hit on MTV and the airwaves with "Been Caught Stealing". A song about shoplifting with an accompainying video that had a man cross-dressing into a pregnant woman in order to be able to hide more stolen goods was definitely not the work of a band that planned on wading quietly into the mainstream.

By the fall of 1991, after headlining the very first season of Perry's brainchild, Lollapalooza, the band called it quits in Hawaii. Band members went their separate ways, some into other bands and some into other things. All was cool but there was never any band that came along with that great chemistry and power to fill every needed link in the music food chain. Several bootlegs CDs of varying quality hit the market in following years.

By now you can tell that I am a big fan of this band. You can kind of tell that they can't do a whole great deal of wrong in my eyes. Maybe it's a good thing that they didn't stay together. Maybe it's best that the band is a time and a place in your life that you can get to any time you hear the records. Maybe it's not about longevity. Maybe it's about giving all you have and when you can't do it anymore, just getting out and watching the damn thing fly off the cliff and explode instead of going down with it.

Jane's Addiction was one of the great ones of our time. You can disagree with me. You can say whatever you want.

BUT YOU WOULD STILL BE WRONG OF COURSE."

O amor de cada um (V)

José Silva tinha 32 anos, morava no Arizona, Estados Unidos, numa casinha à margem do rio Colorado. Seu pai, Wellington Silva, tentara se mudar para a Califórnia em 1849, em plena corrida do ouro, mas sua diligência quebrou e ele acabou ficando no Arizona, estado desocupado pela civilização, recém cedido aos americanos pelo México. E foi naqueles vales do maior deserto da América que cresceu Silva, o filho. Foi lá que ele aprendeu a temer e odiar os Navajos, tribo indígena não tão famosa como os Apaches, mas bem mais astuta e perigosa. As lendas do velho-oeste garantem que foram os Navajos que colocaram fogo na biblioteca de Tucson, com objetivo de impedir que sua crueldade se espalhasse pelo mundo. "Que Gerônimo que nada, o índio mais perigoso do final do século XIX foi Crazy Hair", costuma repetir pelas ruas de Phoenix o morador de rua Horse Leg, descendente dos Navajos.

Era 1876 e Silva, o filho, já era um renomado cowboy, famoso por ter perseguido a gangue dos Clantons a pé e sem suas botas através de uma "floresta" de cactos. Ele era casado com Cindy Cox Silva, uma ex-prostituta que Silva resgatara do Mr. Clyde Saloon, concorrido bordel da região cujo dono, James Clyde, frequentemente batia em suas moças. Cindy cuidava bem da casa enquanto Silva, o filho, vagava pelo velho oeste em busca de aventuras. Ela era uma esposa fiel.

Certo dia, enquanto Silva, o filho, lutava ao lado do xerife Wyatt Earp contra os irmãos Bart na fronteira de Nevada, um maldito navajo bateu em sua porta. Cindy, esperançosa por ter seu marido retornado ao lar, abriu sem maiores cuidados - ela tinha uma spencer calibre 12 para qualquer eventualidade, mas se esqueceu de deixá-la a postos.

O navajo, aquele facínora, chamado Black Bull, não deixou nem a decência de Cindy liberta. Ele comeu todos seus orifícios da forma mais suja que só um navajo conseguiria fazer. Depois de saciado sexualmente, o perverso ainda bateu em Cindy com o cabo de seu tacape por 10 minutos e depois escalpelou sua cabeça e sua vagina. Em nenhum momento, Cindy, praticamente uma santa de tão fiel a Silva, o filho, chorou, gemeu, gritou ou transpareceu qualquer menção de medo em seus olhos. Era brava aquela Cindy! Nunca no Arizona se ouviria falar de novo de uma mulher tão valente como ela.

Exatos nove dias depois, com o sol escaldante das 12 horas que só o deserto americano proporciona, depois de matar três Barts e ter salvo a vida de Earp interceptando com um tiro uma navalha que encontraria o coração do xerife, Silva, o filho, voltou. No caminho já estranhara a grande concentração de condores sobrevoando a planície onde se localizava sua casa. Mas quando chegou, a sensação foi pior. O que restara de Cindy estava estirado no chão da porta de sua casa, cercada por abutres comendo seus restos mortais.

Silva, o filho, nem se deu ao trabalho de procurar pistas - só um navajo poderia ter feito aquilo. O cowboy, como não poderia deixar de ser, não chorou. Ele deu as costas para sua casa e dali foi direto para a tribo navajo de Dwelight Valley. Moravam ali uns 150 índios e todos morreram. Silva, o filho, não falou nada, simplesmente chegou atirando. Não poupou nem mulheres, nem crianças. Não teve escrúpulos em empilhar os corpos e colocar fogo depois, só para ter certeza que não sobraria ninguém.

Depois de saciar sua vingança, Silva, o filho, voltou para casa e enterrou os restos de Cindy. Pôs fogo em sua casa e saiu dali sem rumo, com o único intuito de dizimar os navajos do meio-oeste americano.

domingo, junho 22, 2003

Era inacreditável o que acontecia com os céus cariocas no espaço de tempo entre o fim do dia e o início da noite, pensava caminhando entre a Cinelândia e a Lapa. Não era apenas o azul que acobertava o Rio se transmutando em poesia, não era apenas a cor que se alterava a olhos vistos. O ambiente, o ar que se respirava, os transeuntes esperando pelo sinal verde e os meus próprios pensamentos eram inundados por uma espécie de paz que tinha uma sinfonia de ressaca, um som que remetia ao silêncio que dedicamos aqueles que morreram em busca da vida e a cidade parecia completar os passos vacilantes que eu dava em direção ao ponto de ônibus alguns metros adiante pavimentando o calçamento por onde eu seguia com uma brisa quase fria naquele aparente limbo das horas do dia.

Por alguma razão que tento em vão procurar dentro destas palavras, me senti subitamente frágil. E mais além, desemparado. Era como se o próprio desleixo das ruas a minha volta naquele sábado estivesse me encarando com a pergunta fatal: o que você quer fazer agora? Ênfase no fazer, para desnortear o receptor da mensagem. Assim como meus pés vacilavam ante a brisa, a resposta (que ainda procuro desde lá) ainda vacila nestas palavras. E a beleza da cidade que me cercava funcionava binariamente como um anestésico e um dínamo, a paisagem por onde eu tentava me encontrar dilatava todas as minhas dúvidas de tal forma que eu simplesmente podia sentí-las em minhas mãos, escutar que elas reclamavam da minha inércia, da minha preguiça e até da minha barriga.

O que eu eu queria fazer então? Abrir mão de tudo era inviável, porque só a visão do Cristo ante um fundo de tela mais que amarelo sobre calçamentos infinitos entre jardins nunca dantas navegados de fato me obrigava a viver. Viver sim era preciso, como não diriam outros antes de mim. Os meus olhos mesmo míopes me agarravam à vida, com todas as suas desgraças que caminham paralelas com as suas primas gostosas, as fortunas. Saber que não se precisa morrer para descansar aliviado já é em si um senhor suspiro, mas não é nem rima e muito menos solução. Além do mais, eu precisava da vida e não do alívio de um descanso, que para tal eu sempre contei com a morte. Onde estava a minha vida então, diacho? E para onde eu deveria levá-la?

Estanquei meu andar por um instante e olhei adiante no horizonte que me aguardava e já deixava de receber o relfexo do Sol e tentei encontrar uma resposta para a minha vida. Lógico que não encontrei essa resposta dando sopa ao léu, porque a verdade é que naquele instante eu estava vivo. Eu era a resposta, por mais presunçoso que isto lhe pareça, a minha vida estava em mim, aguardando que eu a impulsionasse adiante – mesmo que às custas de muitas cabeçadas por vir. E não pude deixar de pensar que seria bacana ter alguém comigo ali para conversar sobre qualquer coisa; o céu, o vazio das ruas, o último jogo do Flamengo, o governo Lula. Ou alguém que simplesmente se incomodasse com o meu silêncio, com a inconsistência do meu caminho e me trouxesse de volta para a realidade. Um simples sorriso resolveria aquele desamparo momentâneo, e diante daqueles últimos trinta metros de caminhada, foi impossível não desejar a companhia de uma menina um tanto quanto geniosa que havia se habituado a procurar pela minha mão sempre que o caminho dela ficasse estreito além da conta. E além de geniosa, eu sou obrigado a confessar que estava em seu andar as ancas mais charmosas que eu já havia tomado nota.

Talvez fosse o que faltava naquela tarde de sábado, alguém que me desse a mão para eu me sentir seguro e me lembrasse a cada passo ali estava a minha vida, ali estava eu e ali estava ela. A hora em que eu achei por bem ligar para ela qualquer outro dia só para fazê-la sorrir comigo a poesia da cidade já havia se tornado serenata. Então adormecemos, procurando na janela aberta pelo Cruzeiro do Sul.

quarta-feira, junho 18, 2003

E outro post pro Leo, com mais outra musiquinha pra ele guardar no coração e aprender no violão

Vai, meu irmão, pega esse avião e corre pro abraço dela. Sem vacilação, sem olhar pra trás, olha só pra ela, bem dentro dos olhos dela que parecem que sempre foram seus e trate de desenhar logo o sorriso que ela tanto espera no rosto de vocês. Porque, alguém já disse e eu nunca vou cansar de redizer, tudo que você precisa, meu caro, é amor.

Então, meu irmão, trate de amá-la o máximo que o impossível permitir e ser feliz enquanto o sol continuar nascendo, suando, queimando e virando lua, deixe o céu azul embranquecer até acinzentar, deixe a tua viola alcançar jimis e samboras jamais ascultados abaixo do Trópico de Capricórnio, deixe que o inverno temperado o faça abraçá-la por muitas manhãs de modo que ela reclame em seu interior apenas por não ter te encontrado antes.

E não te esqueça, meu irmão, que eu vou guardar a tua lembrança dentro do peito.

Beloved One (Ben Harper)

We have both been here before
Knockin' upon love's door
Begging for someone to let us in
Knowing this we can agree
To keep each other company
Never to go down that road again

My beloved one
My beloved one

Your eyes shine through me
You are so divine to me
Your heart has a home in mine
We won't have to say a word
With a touch all shall be heard
When I search my heart it's you I find

My beloved one
My beloved one

You were meant for me
I believe you were sent to me
From a dream straight into my arms
Hold your body close to me
You mean the most to me
We will keep each other safe from harm

My beloved one
My beloved one
My beloved one
My beloved one

terça-feira, junho 17, 2003

Deram-me, agora, uma notícia ruim. Se bem que não será tão ruim assim eu ter que visitar a Casa de Cultura Mário Quintana e a Usina do Gasômetro de vez em quando. Léo, mermão, uma musiquinha para você guardar no coração e aprender no violão:

Samba de Orly (Vinícius, Toquinho e Chico, 1970)

Vai meu irmão, pega esse avião
Você tem razão de correr assim
Desse frio, mas beija
O meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro lance mão

Pede perdão pela duração
Nessa temporada, mas não diga nada
Que me viu chorando
E pros da pesada diz que eu vou levando
Vê como é que anda aquela vida à toa
E se puder me manda uma notícia boa

E por falar em Garotinho e eleição para prefeitos: é bom que a galera do Rosinha Não prepare logo uma campanha Clarisse Não. É, comenta-se por aí que a ativista filha do casal Garotinho Matheus será candidata à prefeitura de Campos. Depois da empresa-família, no norte do Estado temos a cidade-família - e, Deus nos livre, quem sabe um estado-família!?!?

E a diversão do dia vem do site do PSDB onde colocaram uma exclusiva entrevista com nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sentando o pau no Governo federal. A leitura é aconselhável a todos brasileiros por dois simples motivos: FHC é uma figura essencial para a política brasileira e o conteúdo da entrevista traz coisas interessantes.

Esquecendo um pouco que meu coração fica no lado esquerdo do peito, permito-me analisar alguns detalhes da entrevista. É curioso ler coisas como "O PSDB não pode fazer o que o PT fez, renegar seu passado. Não estamos aqui para renegar o passado". Curioso porque FHC, no seu primeiro mandato, repetiu uns "esqueçam tudo que escrevi" por aí.

Sobre as propostas de reforma tributária e da previdência, apesar de concordar com alguns pontos defendidos por FHC, também causa curiosidade a lembrança de que os governadores tucanos entraram em acordo com Lula e apóiam as reformas.

Então, por que diabos Fernando Henrique resolveu atacar o governo agora? Depois de uma transição pacífica? Sem seguir a tradição da maioria dos ex-presidentes que resolvem ficar calados logo após seus governos? Será que o setuagenário FHC ainda pretende ser presidente? Improvável.

Mais fácil acreditar que o PSDB percebeu que outros partidos, principalmente o PT, já estão correndo atrás na disputa de 2004 para prefeitos e não quer ficar atrás. Claramente será uma disputa bipolarizada entre governo e oposição. Aqueles partidos que se mantiverem indecisos não terão vez e pode-se esperar do PSDB cada vez mais direção como um partido de oposição. Daí, a opinião de FHC, presidente por 8 anos e figura carismática, faz diferença para o povo. E ele tem mais classe que o Brizola e o Garotinho juntos.

sábado, junho 14, 2003

Como o assunto do post anterior toca no nome do querido Manoel Carlos, sou obrigado a admitir: adoro suas novelas. Agora mesmo estava assistindo a Mulheres Apaixonadas. Fico torcendo para aquelas gurias lésbicas consiguerem alcançar a felicidade e sofro com aqueles velhinhos que penam na mão da diabólica Dóris. Um horror essa Dóris, um horror.

Uma personagem de Mulheres Apaixonadas, coroa, disse, agora há pouco enquanto eu assistia à novela, para outra personagem, jovem enrolada na toalha:

- Bons amigos não fazem sexo, Gracinha!

Olha, minha senhora, mas a senhora tá muito enganada, amigos que são realmente bons fazem um sexo mais gostoso. É dogma universal que amiga boa mesmo é aquela que você conhece na horizontal. E o velho Moreira da Silva que me permita, mas roubarei um de seus vesros, para afirmar que uma bela amizade tem um final, mas o final é meio impróprio e eu não digo.

Porém, eu sempre defendi uma verdadeira amizade entre homens e mulheres, sem maiores intenções. E continuo defendendo. Como falei em outro post, nós somos o sexo e amigos servem para essas coisas mesmo. Um sexo bacana entre amigos não muda nada nessa verdadeira amizade. Justamente por isso, antes de ser namorado de minhas namoradas, procuro ser um amigo. Deixo então uma poesia bacana da Cecília Meirelles procês:

CANTAR DE VERO AMOR

  Assim aos poucos vai sendo levada
a tua Amiga, a tua Amada!
E assim de longe ouvirás a cantiga
da tua Amada, da tua Amiga.
Abrem-se os olhos - e é de sombra a estrada
para chegar-se à Amiga, à Amada!
Fecham-se os olhos - e eis a estrada antiga
a que levaria à Amada, à Amiga.
Se me encontrares novamente, nada
te faça esquecer a Amiga, a Amada!
Se te encontrar, pode ser que consiga
Ser para sempre a Amada Amiga

E assim aos poucos vai sendo levada
a tua Amiga, a tua Amada!
E talvez apenas uma estrelinha siga
a tua Amada, a tua Amiga.
Para muito longe vai sendo levada,
Desfigurada e transfigurada.
Sem que ela mesma já não consiga
dizer que era a tua profunda Amiga.
Sem que possa ouvir o que tua alma brade:
que era tua Amiga e que era a tua Amada.
Ah! do que disse nada mais se diga.
Vai-se a tua Amada - vai-se a tua Amiga!
Ah! do que era tanto, não resta mais nada...
Mas houve essa Amiga! Mas houve essa Amada!

quarta-feira, junho 11, 2003

Segunda-feira última este blog foi citado no JB, vejam vocês, o diário preferido da elite carioca. Acontece que o colunista Cid Andrade, que assinou a matéria, cometeu alguns enganos. Vou reproduzir a matéria e fazer uns comentários abaixo. Estejam à vontade, senhoras e senhores.

"Dogmas cotidianos

Para Leandro Godinho e André Miranda, também universitários, qualquer assunto torna-se motivo para uma crônica, às vezes devaneios sem que se queira chegar a alguma conclusão. Escrevem sobre o cotidiano, relações humanas, amor (quando há), e conseguem tirar humor de pedra. Leandro Godinho parece ser o 'Manoel Carlos' (sem ofensas!) da dupla, com seus vários posts sobre comportamento, crianças fazendo bagunça em museus, e claro, sobre mulheres, esses seres incompreensíveis. Um rabugento bem humorado, digamos assim. André geralmente gasta suas teclas com ótimos ensaios do tipo resolvi-pensar-na-vida-e-me-deparei-com-uma-série-de-questionamentos, que revezam com análises 'antropológicas' das situações vividas por ele em seu trabalho na ONG TransformArte:

''Na última quinta-feira, entre uns duzentos telefonemas, me ligou uma senhora, nervosa, com aquela voz de velho sem dentadura, chamada Dona Julieta - 82 anos, moradora do Jardim Iris, em São João de Meriti. Ela queria reclamar que o posto de saúde de seu bairro não queria lhe dar um remédio para sanar a dor que sentia no pé. Minha missão seria apenas anotar nome e telefone e depois despachar a pobre senhora. Para tornar esta maravilhosa missão mais agradável, escolho um ou outro interlocutor para uma breve prosa. Foi o caso de Dona Julieta.

Tentei acalmá-la. Em vão. Ela não parava de falar e de reclamar do tal posto e do prefeito de São João. Começou a me contar a história inteira do bairro, do posto e da dor no pé. Eu continuei pedindo calma e dizia que ia ver o que eu podia fazer(...)''

Manoel Carlos à parte, o colunista cometeu alguns enganos na matéria. O post das crianças no museu era do André. O post que ele citou como sendo o André trabalhando na ONG refere-se, na verdade, a algo que ocorreu enquanto ele trabalhava no O Globo. E não há, de fato, nenhum post sobre mulheres no sentido estrito da coisa, ainda que nós dois realmente gostemos bastante de vocês, minhas flores. E, não, os posts do Andy não se enquadram na tal categoria "resolvi-pensar-na-vida-e-me-deparei-com-uma-série-de-questionamentos" em sua maioria. Ele costuma publicar contos, volta e meia escreve sobre as suas relações de amizade e escreve crônicas com menor assíduo do que eu. Não custava nada o Cid dar uma revisada na coluna antes de publicá-la, e falar conosco para confirmar informações a respeito do blog.

Esse texto que segue é 6 de fevereiro do corrente ano. Estou colocando aqui porque o André já escreveu sobre ele (dia 22/05/2003, role abaixo a página, bróder/sister), e não custa nada postá-lo aqui então (escrevi para outro blog).

Lucía y el sexo

O filme passou no ano passado aqui na terra do Molejo, arrancando aplausos e suspiros nos cinemas. Dirigido pelo espanhol Julio Medem, traz aos nossos olhos uma trama bem elaborada e carregada de emoção. Mas não vou contar o filme para vocês aqui, queridos. Quero só colocar umas impressões dele, se bem que a combinação de Naldecon e Parenzyme está me nocauteando de sono.

Apesar de Lucía, interpretada pela delícia Paz Vega, ser a protagonista de fato do filme, os fatos que nele são narrados ocorrem por causa de um homem, Lorenzo, um escritor em vias de se afirmar como tal. Através do relacionamento de Lorenzo com Lucía (e Elena, e Belén, e Luna) o filme se desenrola através das sem razões do amor, talvez o mote principal da história. Pode ser um amor de uma noite só (Elena), um amor ainda apenas sexo e tesão (Belén), um amor com A maiúsculo (Lucía) ou o amor de um pai por sua filha (Luna), em todos eles eles encontramos os elementos do humano e de suas inconseqüências. O interessante da história é que, mesmo centrada na visão de um homem, a narrativa é feminíssima. Lorenzo, homem que vive intensamente suas mulheres, se descobre pai, e agora também quer viver a sua filha. Mas “de que adiantava ser pai, se a filha não sabia”?

A impossibilidade de se viver sozinho no mundo é outro mote do roteiro. A solidão sempre procura por algum ombro amigo que acabam nos levando a experiências e relacionamentos e outros desencontros. Mesmo estando sós, precisamos contar com algo que nos faça esquecer a solidão – e então bebemos, escrevemos, enlouquecemos, suicidamos. O humano é um animal coletivo e só em conjunto com outros humanos pode ser animal completo.

O sexo é retratado de maneira interessante na trama. Sexo é comunicação, transmissão de mensagens. Nunca havia parado para pensar nisso até hoje de manhã. Mais que desejo, as pessoas precisam de um receptor para as suas vozes. São duas pessoas que se querem e se completam e se sentem por alguns instantes, sejam horas ou anos, o que determina é o conteúdo da informação que trocam.

Mas, vejam bem, pode ser que tudo aqui escrito seja apenas bobagens saídas duma mente que já bebeu demais. Até porque essas palavras e idéias renderiam muito mais e melhor numa noite movida a chope e bate-papo. Vocês só saberão vendo o filme e me convidando para um chopinho a qualquer hora. Está dada a dica.

segunda-feira, junho 09, 2003

Quando fico sem tempo para escrever, apelo e coloco coisas velhas. O textinho abaixo é o início de algo maior que me consome há alguns anos.

Amarrei com minha gravata seus pulsos na grade da janela. Finalmente aquela maldita grade que custou uma fortuna e cuja utilidade para um apartamento no oitavo andar eu constantemente questionava servia para alguma coisa. Idéia dela e sua mania de segurança. Apertei bem forte o nó da gravata. Bárbara resistia. Tentou em vão me chutar. Bati-lhe na cara. Ela gostava de apanhar enquanto transávamos. Também gostava quando eu a amarrava. Mas ainda assim resistia e mandava que eu parasse. "Não faça isso", pedia. Puxei a gravata. Estava firme, porém não parecia machucar-lhe os pulsos. Tinha certeza que não machucava.

Ela estava assustada. Não nos víamos há duas semanas. Usava uma blusa branca de linho grosso, com botões marrons. Eu nunca tinha visto aquela blusa nela. Devia ser nova. A saia era a minha preferida, presente de sua prima que mora em Paris. Preta, tinha a lateral bordada em dourado com a fabulosa frase "Je suis en retard mais j?ai une excuse". Só agora entendo que a frase combinava com sua falsidade. Morei com ela por quinze anos e namoramos quatro. Precisei de dezenove anos para enxergar naqueles olhos doces tanta falsidade.

Seu rosto jovial aliado àquela blusa e saia dava-lhe um ar de colegial que me fascinava. Perguntei para onde iria àquela hora da noite. Na realidade não me importava com a resposta e ela acertou em não responder. Rasguei sua blusa de uma só vez. Todos os botões voaram e Bárbara começou a chorar. Dei-lhe outro tapa e mandei que se calasse. Não queria machucá-la. Ela só aumentou o choro, como era de se imaginar. Estava sem sutiã a vadia. Tinha belos seios. Um pouco caídos pela idade mas ainda com belo contorno e bicos duros e saltitantes. Não me detive em seus seios e desci minha mão direita à frente de sua saia. Apertei. Ela se encolheu e jogou o quadril para trás. Abaixei sua saia com minhas duas mãos. Usava uma calcinha decente, azul.

Parei por um instante e me afastei dois passos. Fiquei apreciando aquela mulher que eu amava tanto. Mesmo depois de um filho ainda ostentava um belo corpo, sem barriga. Talvez pelas horas gastas em academia, talvez pelo genoma deixado por sua mãe ou talvez pelos dois. Chorava amarrada, quase nua a não ser por uma calcinha que logo não estaria mais ali. Chorei também. Acho que mais por pena de vê-la chorando do que pela saudade. Apesar do jeito rude, sempre fui muito sensível a pessoas chorando. Não sei.

Eu ainda não havia reparado em suas unhas pintadas com esmalte vermelho. Eu odiava. Também estava maquiada com batom e sombra, incrementos femininos que também odiava. Nunca usava quando saíamos. Bárbara me olhou e pela segunda vez me pediu para não continuar. Dei-lhe mais um tapa, abaixei-me e tirei sua calcinha. Com raiva. Enfiei a língua em sua vagina. Lambia e apertava suas nádegas com força. Ela chorava e me pedia para não continuar. Não lhe dei ouvidos e continuei lambendo. Tinha uma vagina cheirosa, com poucos pêlos e rosada. Sempre me foi saborosa e não seria aquela situação que a deixaria diferente. Logo Bárbara ficou toda molhada. Para mim bastava daquilo, minha sede estava saciada. Levantei e abaixei minhas calças. Meu pênis estava bem ereto já fazia alguns minutos. Ela olhou um pouco assustada e disse que não queria, que aquilo era estupro.

- Muito pior é o que você fez comigo. Espero que esta seja a última vez que nos vejamos e quero que tenha essa lembrança de mim.

Falei isso com raiva e hoje me arrependo, já que não se tratava do meu real sentimento. Agarrei suas pernas com força e as afastei. Segurei cada uma com cada um de meus braços e enfiei-lhe meu pênis em sua vagina de uma só vez. Bárbara deu um pequeno grito de dor, quase um gemido. Comecei comendo-a devagar. "Não faça isso, Júlio", repetia. Mas, entre choros e soluços, entre pedidos e olhares de reprovação, ouvia-se um ou outro gemido, uma contração das pernas, um coração acelerado. Sim, eu tinha certeza que ela estava gostando. Não deu o braço a torcer, mas eu sabia que ela gostava de ser comida pelo homem que fazia aquilo com ela há 19 anos e o fazia tão bem. Ouvia seus gemidos no meio de tantos pares e nãos. E eram gemidos de prazer, tenho certeza. Depois de uns seis minutos, gozei. Não fazia sexo há mais de uma semana e expeli todo sêmen acumulado com minha raiva. Acho que Bárbara não gozou, mas também não me importava. Ela chorava muito. Mas eu sabia que ela tinha gostado, o que também não me importava.

Levantei minhas calças e a desamarrei. Ela pegou suas roupas no chão e se cobriu. Ficou ali sentada no chão da sala, naquele pequeno vão entre o sofá e a janela, nua coberta com uma saia preta e o resto de uma blusa branca. Não me olhou e não dizia nada. Só chorava.

- Admita, Bárbara, você gostou.

segunda-feira, junho 02, 2003

“Antipatiquices

1) Me parece haver algo de moralmente errado nessas pessoas que vão ao supermercado e fazem amizades no corredor de laticínios. São pessoas simpáticas que não colocam cercas no próprio espírito; e a qualquer momento você encontra dois jardineiros, uma manicure e dois borracheiros dormindo na cozinha de sua psique. Ser simpático é bom, mas respeitar o próprio mistério é melhor ainda. Cada pessoa devia ser reservada e misteriosa como uma mulher de véu. Era para isso que o véu existia; uma lembrança de que as pessoas devem ser sociedades secretas, não clubes de bingo. Coloque cercas. Coloque muros.

2) No paisagismo (li não sei onde) se busca um elemento de surpresa: que depois de um caminho despretensioso de cascalho, ao virar uma curva se veja, de repente, um lago. O charme perfeito devia ser assim: você conhece uma mulher, e ela é antipática; dias depois, ela é gentil, mas fria; e meses depois ela sorri quando você se aproxima, e só quando você se aproxima. O contraste entre a frieza com que ela trata os outros e a alegria que ela reserva para você é o charme mais intenso que existe. Antipatia é necessária; a antipatia é o vison do charme.

3) Um sotaque leve é charminho; pesado é boçalidade. Paulistas ouvem certos atores cariocas com nojo; cariocas ouvem certos apresentadores paulistas com nojo; e todos têm razão. Não é xenofobia - é o reconhecimento instintivo da boçalidade alheia. Ninguém que tenha lido mais de cem livros tem sotaque forte.

Nota do Editor
Alexandre Soares Silva assina hoje o soaressilva.wunderblogs.com, ondes estes textos foram originalmente publicados. “

Puts! Isso foi o máximo que conseguiu passar na minha cabeça vazia diante dos três parágrafos acima. Quanto rancor num coração. Uma pessoa dessas deve ser um excelente vizinho. Coloque muros, coloque cercas, se arme contra o sorriso e o bom-dia alheio. Deus me livre. Será que uma pessoas dessas é capaz de perceber que cercas e muros andam matando (não só) judeus e palestinos diariamente? A nossa burguesia trata cada vez mais de se cercar e se isolar do resto da cidade, pois a cidade é suja demais para as suas imundícies burguesas, e deixa as ruas para os pobres e desempregados. Dentro do seu mundinho particular, cada burguês constrói sua própria fortaleza hermeticamente fechada, a prova de sons e balas. E à prova de gente, o que é vital. Fiquem longe de mim. Fiquem longe da minha literatura, do meu computador, da minha música, das minhas taras. Fiquem longe, e não me convidem para ver o pôr-do-sol que esse tipo de coisa eu acho num filme do Fellini ou num parágrafo em alemão. “As pessoas devem ser sociedades secretas”. Ele deve se achar um dos eleitos. Ui, que meda!

Ainda por cima me sai com este lance de antipatia para cativar as pessoas. No mínimo, algo insólito. Sabe o que eu faço quando me deparo com uma guria lindíssima que faz questão de fingir que não existo, ou que mereço o mesmo tratamento do papel higiênico dela? Mando-a solenemente à merda. No máximo, talvez, ela me valha uma punhetinha antes de dormir, mas só se ela for algo como a Luana Piovani (que é super simpática, aliás, como já pude comprovar). Porque gente que incapaz de sorrir tem mais é que foder mesmo, eu hein. Não há uma segunda vez para ela, porque ela não merece. Não há perdão para essas pessoas que gostam de te fazer sentir ridículo porque têm vergonha (ou medo) de ser feliz. Claro, ela pode ser algo como a Luana Piovani, mas, francamente, a Luana sorriu e retribuiu o beijinho que joguei meio bôbado para ela (linda) durante um carnaval. Então é melhor que as demais, que não nasceram todas luanas, tenham um mínimo de simpatia para com o próximo também. Especialmente se o próximo for eu.

“Ninguém que tenha lido mais de cem livros tem sotaque forte.” O que dizer, diante de um argumento desses? Esse cara nunca foi ao Rio Grande do Sul, não? Nunca reparou como o cinema tende a valorizar os sotaques? Nunca parou para perceber que grandes obras literárias possuem sotaques carregados? Nunca leu Érico Veríssimo, Jorge Amado, Drummond? Nunca ouviu Gil, Bob Dylan, Stones? Nunca fechou os tais cem livros e saiu do próprio cercadinho? Ou só quis impressionar seus leitores como uma frase teatral e definitiva, mesmo que babaca? Tomara que não seja presunção, mas apenas ignorância.