domingo, junho 22, 2003

Era inacreditável o que acontecia com os céus cariocas no espaço de tempo entre o fim do dia e o início da noite, pensava caminhando entre a Cinelândia e a Lapa. Não era apenas o azul que acobertava o Rio se transmutando em poesia, não era apenas a cor que se alterava a olhos vistos. O ambiente, o ar que se respirava, os transeuntes esperando pelo sinal verde e os meus próprios pensamentos eram inundados por uma espécie de paz que tinha uma sinfonia de ressaca, um som que remetia ao silêncio que dedicamos aqueles que morreram em busca da vida e a cidade parecia completar os passos vacilantes que eu dava em direção ao ponto de ônibus alguns metros adiante pavimentando o calçamento por onde eu seguia com uma brisa quase fria naquele aparente limbo das horas do dia.

Por alguma razão que tento em vão procurar dentro destas palavras, me senti subitamente frágil. E mais além, desemparado. Era como se o próprio desleixo das ruas a minha volta naquele sábado estivesse me encarando com a pergunta fatal: o que você quer fazer agora? Ênfase no fazer, para desnortear o receptor da mensagem. Assim como meus pés vacilavam ante a brisa, a resposta (que ainda procuro desde lá) ainda vacila nestas palavras. E a beleza da cidade que me cercava funcionava binariamente como um anestésico e um dínamo, a paisagem por onde eu tentava me encontrar dilatava todas as minhas dúvidas de tal forma que eu simplesmente podia sentí-las em minhas mãos, escutar que elas reclamavam da minha inércia, da minha preguiça e até da minha barriga.

O que eu eu queria fazer então? Abrir mão de tudo era inviável, porque só a visão do Cristo ante um fundo de tela mais que amarelo sobre calçamentos infinitos entre jardins nunca dantas navegados de fato me obrigava a viver. Viver sim era preciso, como não diriam outros antes de mim. Os meus olhos mesmo míopes me agarravam à vida, com todas as suas desgraças que caminham paralelas com as suas primas gostosas, as fortunas. Saber que não se precisa morrer para descansar aliviado já é em si um senhor suspiro, mas não é nem rima e muito menos solução. Além do mais, eu precisava da vida e não do alívio de um descanso, que para tal eu sempre contei com a morte. Onde estava a minha vida então, diacho? E para onde eu deveria levá-la?

Estanquei meu andar por um instante e olhei adiante no horizonte que me aguardava e já deixava de receber o relfexo do Sol e tentei encontrar uma resposta para a minha vida. Lógico que não encontrei essa resposta dando sopa ao léu, porque a verdade é que naquele instante eu estava vivo. Eu era a resposta, por mais presunçoso que isto lhe pareça, a minha vida estava em mim, aguardando que eu a impulsionasse adiante – mesmo que às custas de muitas cabeçadas por vir. E não pude deixar de pensar que seria bacana ter alguém comigo ali para conversar sobre qualquer coisa; o céu, o vazio das ruas, o último jogo do Flamengo, o governo Lula. Ou alguém que simplesmente se incomodasse com o meu silêncio, com a inconsistência do meu caminho e me trouxesse de volta para a realidade. Um simples sorriso resolveria aquele desamparo momentâneo, e diante daqueles últimos trinta metros de caminhada, foi impossível não desejar a companhia de uma menina um tanto quanto geniosa que havia se habituado a procurar pela minha mão sempre que o caminho dela ficasse estreito além da conta. E além de geniosa, eu sou obrigado a confessar que estava em seu andar as ancas mais charmosas que eu já havia tomado nota.

Talvez fosse o que faltava naquela tarde de sábado, alguém que me desse a mão para eu me sentir seguro e me lembrasse a cada passo ali estava a minha vida, ali estava eu e ali estava ela. A hora em que eu achei por bem ligar para ela qualquer outro dia só para fazê-la sorrir comigo a poesia da cidade já havia se tornado serenata. Então adormecemos, procurando na janela aberta pelo Cruzeiro do Sul.