terça-feira, novembro 29, 2005

Morremos todos e fomos para o céu.

Vinte e uma horas mais dez minutos do dia vinte e oito de novembro se passaram até que que o grupo musical norte-americano Pearl Jam iniciasse Long Road. Quando a derradeira nota de Yellow Ledbetter ecoou da guitarra de Mike McCready através do ginásio do Gigantinho, ainda restavam mais quinze minutos desse dia vinte e oito de novembro. O Pearl Jam, aqueles caras que um dia nos fizeram vestir camisas de flanela num país tropical, havia, enfim, tocado em solo brasileiro. Vedder cantava em Long Road, "I have wished for so long/How I wish for you today". Morremos todos e fomos para o céu.

Entre Long Road e Yellow Ledbetter, Vedder arriscou ler eternos agradecimentos e desculpas pela demora em aparecer no país numa espécie de português de Seattle. Marky Ramone, que se encontrava em turnê pela capital gaúcha, assumiu as baquetas em I Believe In Miracles. O público cantou Parabéns Pra Você em português para o aniversariante Matt Cameron, o batera titular. Após o parabéns, com direito a bolo no palco, veio Baba O'Riley, e já deveria ser a terceira ou quarta vez que eles haviam retornado para o bis. Nós sorrimos, nós choramos, perdemos pertences, nós gritamos e pulamos e cantamos a plenos pulmões.

Não dá para imaginar ou descrever o quanto de carinho e devoção esses senhores do Pearl Jam irão presenciar Curitiba, São Paulo e Rio. Não dá para se prever o quanto de música em stado absoluto curitibanos, paulistas e cariocas irão presenciar até o dia 4 de dezembro. Não se trata de um espetáculo musical que dura algum par de horas e silencia. Estamos diante de um ato de amor, de um pacto de fidelidade. O Pearl Jam, ao sempre buscar canções que traduziam o mundo em seus licks e levadas, não cativou apenas as nossas caixas e som. Nunca nos sentimos traídos, porque sempre se tratou da música em primeiro lugar. Logo, eles transcendem as próprias músicas, o significado de suas canções. Éramos todos irmãos ali.

Assim, a primeira apresentação duma banda que pediu desculpas (vamos repetir) ao público por demorar tanto para se apresentar diante dele não contar com seu maior sucesso suceso radiofônico (Black) nem com seu hit mais recente (I Am Mine) continuará eterna e perfeita por todo o resto de nossas vidas. Eu queria ouvir Nothing As it Seems, Red Mosquito, Dissident, Parting Ways, Of The Girl, Faithfull, Low Light, Wishlist, Light Years e mais uma penca de músicas. Coisa pra mais 2 dias de shows. Mas vocês não poderiam ser mais felizes que eu em Betterman, I Got Id, Jeremy, Dead Man, Long Road, Animal, Go, Porch, Alive, Even Flow, Given To Fly, Corduroy. Não, vocês não poderiam.

É claro, pode ser apenas o dólar "barato" e o momento exato para shows no Brasil. Pode ser que eles retornem sempre aqui de agora em diante. Pode ser, e eu acredito nisso, que os shows restantes sejam cada vez melhores até uma verdadeira orgia transcedental coletiva no Rio. Mais da metade do público presente no Gigantinho na segunda-feira assistiria, se pudesse, a cada apresentação do Pearl Jam no mundo. Mas não nos é possível. Ademais, morremos todos e estamos no céu. Eu, desde Elderly Woman Behind The Counter In a Small Town. I just want to scream hello, my God, it's been so long, never dreamed you'd return, and now here you are and here I am, hearts and thoughts they fade away. It's been so long, guys.

Voltem sempre e mandem lembranças. Rosas em nossos túmulos, que sejam.

quinta-feira, novembro 24, 2005

Eu tive um porteiro chamado Zé. Era um bom porteiro, atencioso, simpático. Eu brincava com ele dizendo que um dia ele não abriria a porta depois que eu tocasse o interfone. Ele era competente, acreditem. Mas eu temia, e como temia, que ele, o Zé, simplesmente não se lembrasse do meu rosto e ignorasse minha presença no portão. Você não pertence mais a este prédio, diria o Zé.

O temor virava paranóia naqueles dias que o Zé estava rabugento e pouco me dava atenção. Sabe aquela coisa de porteiro, de às vezes fazer tudo diferente do que você espera? O carro fica sujo, o lixo não sai do lado da porta e o jornal não chega na hora. Tudo culpa do pobre Zé.

Mas eu gostava dele, gostava muito do jeito que o Zé trabalhava. Lógico que eu era uma criança para dar muita atenção a um porteiro. Mas sinto saudades de Zé, sinto saudades da forma como ele abria a porta para mim quando eu chegava no prédio.

domingo, novembro 13, 2005

VII

Nas grandes lovistórias de amor sempre deve haver um porém, um calcanhar, um espinho. Essa era Paola. Paola era garota de programa, para os mais íntimos, puta. Tinha os olhos cansados e voz de diaba. Paola era boa naquilo que fazia para ganhar seu pão, a diaba era muito boa. Ela sabia olhar, sabia morder e o seu grande atrativo: dominava como poucas o ato da felação. Paola sabia como me fazer cair em tentação, sabia até quando me ligar.

Paola foi a minha primeira puta. E única. Eu não tinha o menor jeito, não achava as palavras, tinha vergonha da minha própria ereção diante de alguém tão menina, tão desconhecida, tão cansada. Paola sorriu, me beijou como se fosse hábito, suas mãos foram ágeis em minha impaciência. Fodi aquela mulher como se fosse minha, ela sorria, pedia mais, me deu o cu, engoliu meu gozo. Ela se vestiu me olhando arrebentado na cama, havia meses que o sexo não era tão bom daquele jeito, Luana ainda não havia aparecido na minha história.

Virei cliente. De vez em quando era ela quem me ligava, dizia que seria por conta dela, eu só precisava pagar o táxi. E aparecia com o mesmo sorriso no rosto, a unha na carne, a navalha no sexo. Luana apareceu entre esses telefonemas, o que, voltando ao primeiro capítulo desta saga, concluímos que foi com Paola que envenenei minha confiança com Luana. Na corda bamba, eu me equilibrava entre as duas, com vantagem a favor de Luana, que eu amava, ou julgava amar, ou queria amar - pelo menos com menos culpa do que amar Paola, que não me exigia amor, me exigia apenas suor e um trocado para comprar alegrias e tristezas baratas.

Era injusto com ambas, que gostavam de mim, que gostavam de me ouvir, mesmo os resmungos, mesmo os silêncios. Eu nem arriscava dizer qualquer coisa que levasse uma a desconfiar da existência da outra, vai que elas eram vizinhas ou arquiinimigas? Mulheres. O pior inimigo do homem é uma mulher enganada. Luana já havia flagrado provas de meu caso com Paola e fazia questão de me lembrar delas sempre que eu escorregava da linha, por meio de sutilezas e entonações. Paola fingia, mas não muito bem, que acreditava nas desculpas pelancudas que eu lhe dava para justificar os hiatos entre uma visita e outra - eu era um homem de muito trabalho a fazer, muitas viagens, muita solidão.

Ela me ligou no meio do meu expediente. Do jeito que falava ao meu celular, eu podia sentir sua língua envenenar meu ouvido enquanto um sorriso burocrata ostentava meus dentes amarelo-marlboro. Descrevia em palavras a minha língua contornando o seu sexo, transpirava, como ela gostaria de me morder o falo, chupar as bolas. Meus colegas de trabalho estavam ali na sala, meu chefe passou e deu bom-dia. Disse que não queria gozar ali ao telefone porque comigo seria muito melhor. E disse que estava num quarto de uma pensão a meia quadra de meu endereço do trabalho, nua, molhada. Desligou. Dei cinco minutos, cinco looooooongos minutos, disse que precisava resolver algo na rua, ninguém deu atenção, meu chefe pediu até para eu trazer um lanche na volta, um salgado, um biscoito, qualquer coisa. Estava um dia devagar na redação, a diaba sabia até a hora de ligar.

Desliguei o telefone. Mergulhei na calçada, Pensão Avelar, quarto 312. A porta apenas encostada, um cheiro de coisas velhas, passei a chave e os trincos. Um ventilador no teto, janelas encostadas, Paola sorria. Paola sorria.

A carne é fraca, meu bem, a carne é fraca.

sábado, novembro 12, 2005

A pornografia deixada de lado pela ternura

Há uns cinco anos eu comecei um romance com a descrição de um estupro. Acho que até já postei o comecinho dele aqui, há muito tempo. Na época, achava aquele texto erótico demais. Achava que havia conseguido colocar no papel uma carga de sensualidade impressionante, sem ser pornográfico.

Desisti deste romance, três ou quatro capítulos depois, por acreditar que eu não tinha maturidade, na época, para terminá-lo. Na verdade, e já assumi isso para mim mesmo, eu não sabia como seguir adiante depois dos tais três ou quatro capítulos. Me coloquei numa sinuca entre um homem amargurado e uma mulher em busca de liberdade, mas ainda indecisa em relação a seus sentimentos. E eram personagens de 40 e tantos anos, com psiques bastante distantes da minha realidade.

Minha idéia original para este romance era arrumar alguém, uma mulher preferencialmente, que contasse a história pelo ponto de vista feminino. Da mesma forma que o ex-marido começava relatando, orgulhoso e catártico, que havia estuprado a ex-mulher, eu achava importante que a ex-mulher desse sua versão, provavelmente raivosa e doída, para a história.

A necessida de escrever a quatro mãos era clara: se eu achava que teria problemas em relatar em primeira pessoa os sentimentos de um homem de 40 anos, no caso da mulher, então, a experiência poderia ser desastrosa.

Mas desisti de escrever o romance em conjunto quase ao mesmo tempo que desisti do romance. Assim como eu tinha dificuldades em achar uma fórmula viável, minhas amigas, pensava, também teriam. Ficou para depois.

Lembrei disso tudo porque sentei na cadeira esta noite, comecei a escrever um conto puramente pornográfico e descobri que não tenho essa capacidade. E quando falo de pronografia, é pornografia mesmo, nada de sensualidade, nada de sugestões eróticas. Como diria um velho amigo: pornografia é pau na buceta, o resto é um jogo de tabuleiro da Grow.

Meu problema é que palavras como pau e buceta não saem de minhas mãos naturalmente. Eu teria que fazer um certo esforço para escrever qualquer texto com a expressão "então meti o pau a fundo em sua buceta" que ficaria claro para qualquer leitor que aquele conto é apenas uma tentativa, nada demais. E eu estou muito velho para perder meu tempo com tentativas, sabem?

Enfim, eis o esboço do que seriam os quatro primeiros parágrafos:

"Eu tinha um Mustang vermelho, conversível sempre que eu quisesse tirar onda e que não estivesse chovendo. Passei na porta do colégio, um colégio de classe média metido a conservador, com um santo no nome. Sabrina entrou no carro sorridente como sempre, piscou e disse um "oi" adocicado que, se não deixou meu pau duro naquele instante, fez com que meu pêlos se arrepiassem. Respondi em tom cafajeste, meio imitando o Pereio num daqueles filmes da madrugada. "Oi, gata, você está linda hoje"."

"Iria levá-la para jantar antes de qualquer outra coisa, mas sua saia estava curta demais. Eu via suas pernas depiladinhas, esticadas no banco do carro. Via parte de suas coxas encostarem uma nas outras e não parava de imaginar o que estaria me esperando naquele meio. O tesão definitivamente falou mais alto que a razão quando percebi que ela não usava sutiã por baixo da blusa preta com o logotipo de Cats e do casaco jeans desabotoado."

"Acho que ela percebeu meu desconforto e minha ereção. Safada, mexeu no cabelo comprido e loiro e perguntou com uma pausa proposital entre o advérbio e o pronome: "Então, onde você vai me levar?" As mulheres gostam de serem dominadas, subjugadas, usadas. Sabrina me confessou mais tarde que, ao se masturbar, fantasiava com uma orgia em que ela fosse a única mulher. Seriam quatro paus e apenas sua buceta para ingerir toda a porra que pudesse ser gerada. Ela sonhava com sexo anal, vaginal e oral ao mesmo tempo, enquanto sua mão segurasse outro pau, o maior de todos".

""Você confia em mim?"; "Já estou no seu carro, tenho opção?"; "Eu posso parar para você saltar, mas duvido que você queira isso."; "Definitivamente não quero, mas também não precisa ser tão convencido"; "Oká, mas vamos ver se você realmente confia em mim". Coloquei minha mão direita na sua coxa esquerda e apertei com ternura. Ela não me impediu. Comecei a subir e antes mesmo de tocar em sua calcinha, a respiração de Sabrina ficou mais ofegante e audível. Como eu imaginava, a calcinha já estava caramelizada. Os dedos indicador e médio penetraram rapidamente pela dobra entre sua coxa e a calcinha de uma vez e senti seus pêlos úmidos e vastos. "Tira isso, vai." Ela obedeceu e ficou sem calcinha ali mesmo, no meu Mustang com o capô aberto. Fiquei passando meus dedos em volta de seu clitóris por alguns segundos e ela gemia baixinho. Era como se sua boca gemesse bem perto de meu ouvido. Enfiei então um dedo na sua buceta, segurei toda a vulva com a palma de minha mão e, depois, lambi meus dedos. "Agora, acho que eu já sei para onde vou te levar"".

Só consegui ir até aí. Quando reli esses parágrafos e vi que havia escrito ternura num texto supostamente pornográfico, descobri que eu não sei escrever pornografia. Mas, como diria outro amigo, keep walking. Qualquer dia, tento de novo.

terça-feira, novembro 08, 2005

Tempos Modernos

Oh, my baby, she's so cool.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Sonhadores

Leandro e eu vamos para Paris aproveitar a atual rave.

Mas vamos com essa moça.

Je suis un revolutionaire, baby

Andy, arrume o celular da Eva Green e veja se ela topa entoar a Marselhesa com a gente pelos quartiers e boulevards da Cidade-Luz. Aparentemente, o povo de lá se cansou do silêncio, da simpatia e de sapos pela goela. Os franceses são conhecidos como baderneiros da melhor qualidade, desde 1789. Num acesso de fúria de sua população humilde combinado com o esperto senso de timing de sua burguesia, cabeças enfeitadas com perucas e pó-de-arroz rolaram em plena Praça de Greve. "Acordem, filhos da pátria, o dia da glória chegou" são os versos iniciais do hino francês, forjado nos dias da Mãe de Todas as Revoluções, assim como sua bandeira tricolor que retrata os ideais do Iluminismo - Liberté, Egalité, Fraternité.

Se pareço empolgado com os acontecimentos mais recentes vindo da França, é porque a História nos ensinou que lá as coisas são mais sérias. Pode ser apenas um estopim, mas pode não ser. Em 1968, estudantes se juntaram aos trabalhadores nas ruas parisienses e pediram mudanças. "Vivam as crianças e os malandros", diziam alguns dos geniais gritos e rabiscos de protestos. Naqueles anos, a mudança de ares no mundo estava tangível. Desmanchou tudo no ar. Os estudantes voltaram às aulas, trabalhadores ganharam um abono qualquer e os anos 60 terminaram.

Vivemos hoje num mundo conseqüente de 1789 e 1968. A impressão é que estamos atingindo alguma espécie de limite, de clímax, de gota d'água. A minha impressão, não sei se é a do Andy ou a sua. O abismo entre ricos e pobres, o fosso natural do capitalismo e da luta de classes, segue aumentando. Nunca tantos tiveram tão pouco. E vice-versa. Bukowski escrevia lá pelos idos de 68 que o homem comum simplesmente não aceitava mais tanta merda. Pelo menos os imigrantes argelinos das periferias francesas já não querem mais suportar subempregos e racismos.

A França tem o perigo da política reacionária viva desde as eleições presidenciais de 2002, quando Jean-Marie Le Pen chegou ao segundo turno. Meninas islâmicas estão proibidas de freqüentar aulas com o véu sobre suas faces, a despeito do crucifixo da Santa Madre Igreja poder ornamentar os (inarravelmente belos) decotes das fracesinhas. Se a gente somar reacionarismo com desigualdades sociais, implicâncias religiosas e o Zinedine Zidane, dá pra ver que a coisa pode desandar na França - e contaminar a Europa.

Os observadores não falam ainda em guerra civil ou levante popular. Mas as notícias já trazem policiais baleados, carros e ônibus depredados e um morto. É bom prestar atenção não apenas nas manchetes, mas nos miolos das notícias. Esses franceses não costumam brincar em serviço com coquetéis molotov nas mãos.

Andy, não bobeie, a Eva Green, rápido! Dizem que essas européias se amarram numa conjunção interracial.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Charuto e bagaceira

Leandro, neste momento eu queria estar em Belém, só para compartilhar contigo alguns sentimentos. Cheguei em casa sozinho e bebi duas doses de uma bagaceira que meu pai ganhou de um amigo. Acendi um cohiba e fumo agora, enquanto ouço Alceu Valença. Aliás, ouvi Alceu Valença o dia inteiro e até escrevi uma coisa inspirada em uma de suas músicas, mas não vou publicar isso aqui.

A melhor sensação do mundo, Leandro, é a solidão. Eu sempre soube disso. Mas, ao mesmo tempo, o pior sentimento também é a solidão. Sentimentos e sensações são coisas distintas, às vezes até complementares, mas nunca semelhantes.

Escrevo esse post entorpecido. Por álcool e um cohiba. Estava na Matriz, dançando e bebendo cerpinhas. Quantas vezes já terminamos nossas noites lá dançando e bebendo cerpinhas, God? Isso é muito foda, né?

O charuto que fumo foi comprado no mercado negro cubano. Os charutos lá são bastante caros. Como opção há sempre um ou outro cubano que diz trabalhar numa fábrica e roubar alguns legítimos habanos para revender no mercado negro. Conheci alguns desses na rua, confiei em um e me meti numa espécie de cortiço de Aluizio Azevedo para arriscar a compra. Se fosse pego, o máximo que poderia acontecer comigo seria um paredón em algum canto de Havana. Mas, tudo bem, morrer assim seria onda demais. Não se esqueça de apagar meu perfil no orkut, por favor.

No cortiço, entrei por corredores escuros seguindo o cubano. Definitivamente, se ele quisesse me matar, roubar minha grana, ou comer meu lombo, poderia fazer sem qualquer problema. Poderia até escolher a ordem ou combinação que mais fosse conveniente.

Mas o cubano foi bacana e me vendeu duas caixas de charuto por U$ 60 cada, um terço do preço oficial. Seria uma barganha das melhores se não houvesse o risco de os charutos serem falsos, feitos com folhas de bananeira. Prefiro acreditar que fumo, agora, um legítimo.

Nada melhor para um homem terminar a noite do que a companhia de um charuto cubano e uma bagaceira portuguesa. Faltaria apenas uma mulher que o amasse, mas isso talvez seja querer demais. Tenho apenas mais quatro dias de férias, Leandro. Quatro dias para resolver muitos problemas.

Termino esses devaneios com um verso de Goethe:

"De tanto ouvir, o ouvido vira crença
O coração é um mistério sem fim.
De um modo ou de outro, não há desavença
(Pecamos sempre) entre você e mim.
Piscamos o olho - Que o bem vença!
(Mas não precisa ser tão sério assim)
Se à nossa frente pintar o Diabo
sempre uma força vai torcer-lhe o rabo."

terça-feira, novembro 01, 2005

"We all need someone we can dream on..." (em Fernando de Noronha)

Descendo pela Vila dos Remédios chega-se ao bar do Cachorro, uma das poucas opções de diversão de Fernando de Noronha, fora as praias. De dia, valia pelos bons sanduíches naturais, vendidos a preços honestos, e por uma música ambiente recheada de MPB. À noite, o bar ficava cheio de nativos e turistas dançando forró. O atendimento demorava um pouco, mas era acima da média da ilha.

Eu estava hospedado na Vila do Trinta, separada da Dos Remédios pela BR 363. Sempre me perguntei se existiam tantas rodovias federais cortando o país para chegar a quase quatro centenas delas ou se pulam alguns números de acordo com o que indicam os astros. Um dia eu ainda pesquiso sobre o assunto.

Na minha pousada, a Monsieur Rocha, havia um simpático, mas frio, café na recepção, com pão doce, pão de queijo e biscoitos de água e sal. Havia chá também. Era ali que eu parava para matar a fome depois de uma baseado ou a ressaca depois de uma bebedeira. Posso dizer que aquele café frio foi fundamental para minha viagem.

Fiquei sete dias em Fernando de Noronha, mas foi como se tivesse ficado dois meses. Não por monotonia, deixo claro. É que realizei tantas coisas que não acharia possível em apenas uma semana, se me perguntassem dias antes. O whisky não me deixava dormir. Na última vez que viajei para uma ilha, Cuba, o rum e os charutos me mantiveram acordado. Também passei uma semana lá e usei o mesmo bloco em que escrevo este texto para escrever outros. Vejam só, havia boas idéias nunca concluídas:

"Os cubanos passaram a pedir dinheiro. Deve existir uma conspiração e eu sou o foco central dela. Ontem, quando cheguei, só conversavam comigo simpaticamente, mas não pediam nada. Hoje, acredito, todos se comunicaram entre si e sabem que eu sou um alvo. Sou o brasileiro que gosta de futebol e que jura ser vizinho do Thiago Lacerda. O papo é sempre o mesmo e envolve filhos e pouco leite no libreto mensal. Passei a me vestir mal o que, no meu caso, não é exatamente difícil. Os cubanos modernos, porém, não usam barba e a minha à la Guevara entrega minha origem estrangeira. Maldita modernidade".

"Conheci um argentino professor de kitesurf que estava há um mês em Havana para dar aulas. E, vocês sabem, se não tenho paciência para surfistas brasileiros, não seria um kitesurfista argentino que iria me cativar. Sim, assumo o preconceito. Além do mais, o cara só queria falar das praias cubanas e brasileiras. ¿Por qué sólo estuve em Habana? Porque eu quis, porra. Outra argentina, uma pequenina vestindo blusa branca de manga comprida, sentou na minha frente e me olhava com a discrição típica dos latinos. Ou seja, nenhuma. Foi um pouco constrangedor, mas ela era bem bonita, admito. Estava à vontade na cadeira, sentada em cima de uma das pernas, enquanto comia macarrão com salsichas vermelhas. Apaixonante."

Viajei para Cuba exatamente um ano antes de Noronha, coincidentemente. Em ambos os casos, as viagens foram marcadas em cima da hora e não estavam no meu planejamento para o ano. As circunstâncias, porém, foram distintas, mas isso eu deixo para contar outro dia.

Numa das noites em Noronha, a terceira de minha estadia, conheci uma francesa, chamada Jeanete, justamente no Bar do Chachorro, aquele depois da descida da Vila dos Remédios. Ela viajava com uma amiga, Francie, ou algo assim, e bebia, tímida, uma cerveja quente na mesa mais afastada da pista de dança quando a vi pela primeira vez.

Eu não tinha nada a perder. Era casado, sim, mas minha esposa ficara no Rio menos por trabalho do que por falta de saco para aturar o que ela denominava minhas "aventuras". Sabem aquelas chamadas para filmes na TV? "Eles vão enfrentar diversos perigos e viver grandes aventuras". A escrota sempre me sacaneava, dizendo que eu era um eterno personagem da Sessão da Tarde. Pior para ela, pensei.

Meu francês não era dos melhores, mas eu e Jeanete nos comunicávamos bem em inglês. Minha aproximação, porém, foi em português.

Fui até a mesa dela entre um xote e outro, na cara-dura mesmo. O óbvio seria convidá-la para dançar, mas sou péssimo dançarino e poderia pôr tudo a perder assim. A dança ficaria para depois. E o menos óbvio, todo mundo sabe, surpreende e causa boa impressão.

- Oi, eu me chamo André, André Miranda. Sou jornalista, carioca. Pensei que você seria a companhia perfeita para pegar um cineminha amanhã.

A Francie, ou algo assim, dançava com um nativo, meio animada, meio desengonçada. O momento foi perfeito, mas, ao ignorar que Jeanete não entendia português, minha piada idiota sobre o cinema inexistente na ilha não foi compreendida. Ainda bem.

No dia seguinte, como combinamos entre alguma dança e alguns beijos naquele forró, acordei cedo e fui buscá-la em sua pousada na Floresta Nova com um bugre alugado. Depois de dirigir uns dez minutos, caminhar um pouco e descer pela fenda na encosta, chegamos à Baía do Sancho antes das 7h.

Ficamos duas horas completamente sozinhos na praia e após os primeiros vinte minutos já estávamos nus, trepando na areia ou no mar. Jeanete me deixava excitado me chamando de mon cheri e pedindo com doçura coisas em francês que definitivamente eu não compreendia. Interpretei livremente e fiz tudo o que quis com a francesa, sem pudores de ambas as partes. O clímax aconteceu em cima de uma pedra, com seus joelhos sangrando. "Let it bleed", ela disse. E, caralho, como eu gosto de Rolling Stones. Gozei três vezes, direto, em cima da pedra. Nunca tinha acontecido de eu gozar três vezes, assim, direto, sem parar. Não pude deixar de cantarolar "if you want it, baby, you can bleed on me".

Aquele, o dia da Baía do Sancho, era seu último em Noronha. À tarde, levei Jeanete e Francie, ou algo assim, para o aeroporto. Nos despedimos com um beijo e marcamos de nos encontrar dentro de um ano na Grande Canária, Espanha. Sempre uma ilha. À noite, tomei duas doses de whisky, acendi um baseado e voltei ao Bar do Cachorro. Não dancei. Só consegui ficar sentado olhando a lua refletindo no mar.