segunda-feira, novembro 07, 2005

Je suis un revolutionaire, baby

Andy, arrume o celular da Eva Green e veja se ela topa entoar a Marselhesa com a gente pelos quartiers e boulevards da Cidade-Luz. Aparentemente, o povo de lá se cansou do silêncio, da simpatia e de sapos pela goela. Os franceses são conhecidos como baderneiros da melhor qualidade, desde 1789. Num acesso de fúria de sua população humilde combinado com o esperto senso de timing de sua burguesia, cabeças enfeitadas com perucas e pó-de-arroz rolaram em plena Praça de Greve. "Acordem, filhos da pátria, o dia da glória chegou" são os versos iniciais do hino francês, forjado nos dias da Mãe de Todas as Revoluções, assim como sua bandeira tricolor que retrata os ideais do Iluminismo - Liberté, Egalité, Fraternité.

Se pareço empolgado com os acontecimentos mais recentes vindo da França, é porque a História nos ensinou que lá as coisas são mais sérias. Pode ser apenas um estopim, mas pode não ser. Em 1968, estudantes se juntaram aos trabalhadores nas ruas parisienses e pediram mudanças. "Vivam as crianças e os malandros", diziam alguns dos geniais gritos e rabiscos de protestos. Naqueles anos, a mudança de ares no mundo estava tangível. Desmanchou tudo no ar. Os estudantes voltaram às aulas, trabalhadores ganharam um abono qualquer e os anos 60 terminaram.

Vivemos hoje num mundo conseqüente de 1789 e 1968. A impressão é que estamos atingindo alguma espécie de limite, de clímax, de gota d'água. A minha impressão, não sei se é a do Andy ou a sua. O abismo entre ricos e pobres, o fosso natural do capitalismo e da luta de classes, segue aumentando. Nunca tantos tiveram tão pouco. E vice-versa. Bukowski escrevia lá pelos idos de 68 que o homem comum simplesmente não aceitava mais tanta merda. Pelo menos os imigrantes argelinos das periferias francesas já não querem mais suportar subempregos e racismos.

A França tem o perigo da política reacionária viva desde as eleições presidenciais de 2002, quando Jean-Marie Le Pen chegou ao segundo turno. Meninas islâmicas estão proibidas de freqüentar aulas com o véu sobre suas faces, a despeito do crucifixo da Santa Madre Igreja poder ornamentar os (inarravelmente belos) decotes das fracesinhas. Se a gente somar reacionarismo com desigualdades sociais, implicâncias religiosas e o Zinedine Zidane, dá pra ver que a coisa pode desandar na França - e contaminar a Europa.

Os observadores não falam ainda em guerra civil ou levante popular. Mas as notícias já trazem policiais baleados, carros e ônibus depredados e um morto. É bom prestar atenção não apenas nas manchetes, mas nos miolos das notícias. Esses franceses não costumam brincar em serviço com coquetéis molotov nas mãos.

Andy, não bobeie, a Eva Green, rápido! Dizem que essas européias se amarram numa conjunção interracial.