terça-feira, agosto 23, 2005

Belém, meu bem, Belém - I

Luana, estava sentindo falta dela. Luana, me olhou nos olhos e disse que tinha visto a camisinha, e eram duas, no lixo do banheiro. "Você poderia ao menos não me deixar descobrir, né?" Eu sabia, só não sabia que ela iria se importar, não sabia que ela tinha passado a se importar comigo, com quem eu andava, o que eu fazia, com quem trepava. Eu quis sorrir porque é o que se faz quando alguém confessa esse tipo de coisa, que gosta de você a ponto de se preocupar e sentir ciúmes, mas não era o momento. Olhei sério, falar o quê? Aconteceu, não vai acontecer mais, Lu. Ela não acreditou. Nem sei se eu mesmo havia acreditado.

Então, peguei o celular e liguei pro número dela. Seria inútil, ela estava com a família de veraneio em Algodoal, uma das cidades pra onde os belenenses fogem no verão, em busca de sol e água fresca e areia. O celular dela não pegava por lá, mas eu ligava de qualquer modo, um dia, por descuido ou poesia, a ligação completava e ela atenderia e me chamaria de fofo e perguntaria se estava tudo bem e eu ouviria a voz dela. Pouco? Era tudo o que eu precisava àquela hora do dia, o dia nascente invadindo pela janela. A operadora de telefonia não alterou a mensagem eletrônica gravada após os números discados, aquela ligação não estava disponetc. E pensar que tem gente que chora quando aquele robozinho de Inteligência Artificial desliga, finalmente, pra encerrar o filme.

Primeiro tocou o despertador, a voz do locutor da rádio anunciando mais um sucesso do Calypso. Era cedo demais pra mim e desliguei para voltar a dormir mais um pouco, eram apenas sete e quinze da manhã, era quarta-feira, fazia um sol de rachar, como havia de ser sempre, especialmente no verão. Belém está mais perto do sol que São Paulo ou Belo Horizonte ou Curitiba. Sente-se na pele. Sair às ruas após oito da manhã requer coragem e melanina. Aí veio um barulhão, era o timer da TV, um esporro, o aparelho tinha vinte polegadas e som estéreo, meus vizinhos certamente deviam me odiar a cada manhã. Sete e meia. Acordar, desenganar o estômago com leite e nescau gelado, aditivar com um teco de vodka pra se sentir malandrão, lavar a louça da janta da noite anterior, lembrar que a menina que lava e passa e costura virá para pegar uma camisa cujo bolso se estropiou. Rotina. A vida dum farrapo que não acerta na megasena. Banho, roupas, contas a pagar, rayban no rosto que a gente sabe ter estilo, escadas, bom dias, a vizinha ninfeta me sorri no ponto, ela sabe sorrir, ela sabe que escrevi um bilhete após algumas cervejas e passei por baixo da porta dela, ela sabe que é linda, ela sabe que eu faria alguma merda muito grande por um sorriso daqueles, ela sabe que caminho iluminado em direção a ela, beijo na bochecha e na outra e você também está saindo pro trabalho, pois é, meu ônibus já vem, então deixa eu atravessar que meu ponto é do outro lado e mais um par de beijos. Fico vendo o coletivo dela partir e ela paga a passagem, passa na roleta e uma curva e se foi.

Luana está longe, a vizinha se foi, Rosa está ocupada com minha camisa, Rosa gosta de mim, torce para eu roubar um beijo, escrever um poema, enfiar a mão por baixo da saia e descobrir sua calcinha e atrasar seu serviço. Rosa, Rosa, Rosa. Eu apenas cumprimento, pergunto se está tudo bem, reparo que cortou o cabelo, cobiço a barriguinha descoberta. Rosa seria uma boa forma de passar manhãs mas agora tinha Luana, ela merecia um cara menos calhorda, eu iria tentar.

O sol já a pino e peguei meu ônibus para o trabalho. Madonna canta feito uma virgem pelos alto-falantes, minha camisa já está molhada de suor na gola. Belém, meu bem, Belém.