sexta-feira, agosto 26, 2005

Saudades do Grande Amor

Ele passava noites a olhar pela janela da lanchonete sem nada enxergar do lado de fora. O que fazia era apenas sentir saudades de seu grande amor. O irônico da coisa toda estava nessa saudade e nessa grandeza do amor que lhe embaciava a vista e suspendia a voz. Ele jamais havia visto, nem de passante, nem sem querer, nem a penumbra, desse amor tão grande que acabou sendo o maior deles. Jamais. Só teve desse grande amor algumas frases trocadas em códigos via guardanapos naquela mesa onde ele se sentava noite após noite, na espera.

O amor não é nada fácil, um dia lhe disse uma garçonete que já tinha se mandado, ou fora mandada embora. Ela gostava de fazer companhia ao silêncio dele, a maior declaração de amor que ela poderia ter conhecido em vida. Ela invejava os olhos direcionados sempre ao mesmo ponto, o sinal da esquina e seus pedestres e freadas bruscas. Ela nada dizia, era apenas respeito e admiração. Trazia um copo de café preto, amargo e um sanduíche de mortadela com tomates e orégano, sentava-se e comia lentamente, numa esperança míope de que ele pedisse um pedaço ou quem sabe desabasse em lágrimas para ela poder lhe sorrir. E então ela sorriria para ele e diria que nunca haveria homem feito ele, que ela era eternamente grata por aquele amor alheio, por fazê-la saber que seu sorriso não era em vão.

Mas ela se foi sem ter a chance, ou a coragem. O dono da lanchonete conhecia a história, acompanhou entre sorrisos e petiscos os dois amantes se desencontrando naquela mesa, a menina escrevia depressa, havia medo, havia a possibilidade do desconhecido, havia mesmo até felicidade naquela situação. E deixava o bilhete na mesa para ele chegar e ler e responder. Ele sempre espiava, não era possível que aquilo fosse sério, alguém tinha que estar ali para ver a sua reação, ela poderia ser qualquer uma mas sabia, sabe-se lá como, que ao observar o local, que ela não estava lá. Estivera, não estava mais. E respondia. Algumas garçonetes se emocionavam quando ele respondia.

Um dia ele veio e a mesa estava vazia. Sem bilhetes. Esse dia ele lembra bem, porque era quase manhã e uma menina atravessou o sinal correndo e não chegou do outro lado da calçada. Ele chegou a gritar que o sinal estava aberto pros carros mas ela passou por ele e terminou ali na rua, sozinha. Ele chamou por socorro e esperou perto dela, viu a morte chegar, ela fechar os olhos e as sirenes. Descreveu o atropelamento a três ou quatro guardas. E seguiu adiante, atravessou a rua, foi na direção da lanchontete. Não reparou na tristeza das pessoas que faziam o turno da madrugada, talvez por ser madrugada. Sentou-se e escreveu, amo você, amo demais você. Não houve resposta. Não haveria mais palavra alguma. Ficou aquele grande amor no peito dele e a rua, os atropelamentos, o silêncio.