quinta-feira, julho 10, 2003

O amor de cada um (VI)

Luiz ama Maria, que deveria amar Luiz. Mas Maria não ama Luiz, apesar de achar que ama. E Maria acha que Luiz não a ama, porque ela não entende que o amor de cada um é pessoal e exercido como se bem entender.

Nesse drama cheio de pesares - exatamente como são todos os amores de cada um -, espero já estar claro: Luiz é o herói, apesar de não se chamar João e de seu cavalo, poliglota o danado, falar outras coisas além do inglês. E, por favor, não confundam: Maria, apesar de aparentar, não é a vilã.

No drama de Maria e Luiz, vocês, leitores, só precisam saber que Maria sempre renegou seu nome e, dizia sua mãe, era um bicho do mato que vivia se escondendo pelos cantos e pelas sombras das grandes metrópoles. E foi assim até o dia em que Maria conheceu Luiz. Aí, como que por mágica e por encanto, ao som do datado rock brasileiro do anos 80, a vida de Maria mudou e ela resolveu enfrentar o mundo.

Mas não pensem que, apesar de Luiz ter tido uma certa importância nesse processo de renascimento de Maria, ele tenha sido seu salvador. Como bem sabem todos os heróis, eles não são insubstituíveis nos corações e lembranças. Luiz sabia que outro poderia ter encontrado Maria perdida por aí. E sabia também que, apesar de batalhar para que não fosse, ele, Luiz, poderia ser esquecido. Era seu maior medo o ostracismo.

Drama contextualizado, apesar de pulado os pormenores, espero que possamos seguir em frente com a devida compreensão da história que será contada. Eis apenas mais um capítulo do amor de Maria e Luiz...

Um dia, no trabalho, Luiz recebeu um e-mail de Maria - sim, nas fábulas modernas já há internet. Ela dizia que havia recebido, de sujeito indefinido, um convite para um desfile da mais conceituada moda mundial - sim, as fábulas modernas são fashion e nelas também há desfiles de moda. Luiz, cabreiro, desconfiou da indefinição do sujeito do convite e de Maria, outrora bicho do mato, dizer que iria sozinha acompanhar o desfile. Luiz, esse velho matuto, ficou ressabiado. Mas, cheio de pesares, Luiz é moderno como essa fábula e não poderia simplesmente dizer para Maria que ela não iria sem ele. Maria prometera, porém, tentar arrumar outro convite para que Luiz a acompanhasse. Só que ele não era bobo e sabia que ela fizera a promessa só por fazer.

No dia do desfile, apesar de não ter conversado muito sobre o assunto com Luiz, Maria novamente mandou um e-mail dizendo simplesmente que estava a caminho. Luiz deu reply, argumentou e esperou uma resposta que nunca veio. Mais tarde, um quarto de hora depois, Maria telefonou do celular - sim, nas fábulas modernas há telefone celular - e disse, com a pureza de sua voz, que estava no desfile. Sozinha, garantira. Luiz acreditou.

Ainda mais tarde, novamente ela telefonou e disse que logo iria embora. Alguns instantes passados, novo telefonema, Maria contou que havia encontrado uma amiga, de passado degenerado, e ficaria mais um pouco. Outro telefonema, às 22h, Maria garantia que já iria embora, de carona com uma amiga da degenerada. Eram duas degeneradas agora.

Então veio o derradeiro telefonema antes do sumiço de Maria. Novidades, trazia. Ela disse que conseguira entrar em outro desfile, junto com as duas degeneradas, e que só iria embora mais tarde. Luiz, transtornado, bateu o telefone na cara de Maria.

Passaram-se algumas horas então e Maria não mais telefonou. Ele, Luiz, sentia-se traído, apesar de não ter certeza. E a falta de certeza, caros senhores, nessas horas onde os dramas se aproximam de desfechos trágicos, a falta de certeza é fundamental para manter viva a esperança.

E nesse drama de poucas certezas e muitos pesares não poderia faltar uma última certeza e um último pesar. Luiz ainda ama Maria, apesar de não entender bem a razão.