O quer o Radiohead? A resposta só pode ser essa: fazer música. Sobre isso não tenho dúvidas, o que me intriga é o que eles pretendem com a música que fazem. Porque desde o beatificado OK Computer, de 1997, a banda bretã andou cometendo discos no mínimo curiosos. Soam todos pretensiosos, e alguns deles pretensiosos demais para meus ouvidos mais ou menos viciados no roquenrou (e parcialmente surdos, eu sei).
Porque, ao que me diz respeito, eles são uma puta banda de rock. Antes de OK Computer, eles haviam nos dado o menos comentado Pablo Honey, com guitarras mais gritantes e o cartão de visitas The Bends, onde as guitarras ainda gritantes se revestiam de melodias muitíssimo bem estruturadas, que acabou nos dando Travis, Coldplay e etcéteraetal – aquele bando de gente com um vocalista frágil e sensível cercado de guitarras impotentes e refrões chorosos. O que a gente ouve nesses três disquinhos é rock da melhor qualidade. Fake Plastic Trees é lindíssima, a entrada do refrão de Creep explode em seus ouvidos, a agonia de Paranoid Android chega a ser real se você bebeu o bastante.
Só que, três anos após conquistar o mundo, Thom Yorke (vocalista e principal compositor da banda) achou por bem lançar no mercado Kid A, um disco estranhíssimo. A melodia havia se misturado com a barulheira ao ponto de uma não mais se diferenciar da outra, e você se sentir incapaz de gostar do disco. Claro, a MTV adorou e produziu milhões de vinhetas com trilha sonora de Radiohead esquizofrênico. Jornalistas elogiaram a banda, dizendo que ela tinha sido revolucionária outra vez, e que Thom Yorke era gênio. Um ano após, era lançado Amnesiac, semelhante ao anterior e que, para muitos (eu inclusive), sepultava de vez as esperanças de ver no Radiohead uma banda de rock na qual se poderia confiar – esse cargo, atualmente, eu deixo na mão de meu quase herói Dave Grohl e seu Foo Fighters, e, claro, o meu Pearl Jam.
Um disco de rock a gente reconhece na primeira nota. O último dos Paralamas, por exemplo, é um bom disco de rock, na acepção mais básica do termo. A despretensão dos músicos, a leveza das gravações, tudo soa redondinho. Mais ou menos como o Life On Other Planets do Supergrass, ou o Is this It?, a aclamação dos Strokes. Aí a gente põe na vitrola o mais novo rebento do Radiohead, chamado Hail To The Thief. É um disco de rock, sim, mas aquém da banda. Em alguns momentos, parece que a coisa vai engrenar, que as guitarras voltarão a gritar sustentando a melodia quase sempre desesperadora de Yorke e seus agudos claustrofóbicos que um dia tanto me fascinoram, mas aí eles perdem o gás. Voltam a aparecer barulhinhos sem muito sentido e você lembra das músicas de Kid A e de Amnesiac e de que o Radiohead poderia ser a sua banda de coração.
O que o Radiohead aparentemente pretende não é novidade. Lançar discos com uma certa temática (e eu arrisco a dizer que eles fazem isso desde The Bends) que une as canções, tanto nas letras quanto nos sons, o Pink Floyd já fez. Quem já teve a felicidade de ouvir o Dark Side Of The Moon, percebe que o lado b do disco é, à exceção de Money, uma peça musical apenas, dividica em quatro partes (Us And Them, Any Colour You Like, Brain Damage e Eclipse). São músicas que são excepcionais separadamente, porém além de qualquer elogio barato quando ouvidas em conjunto. E, acima de tudo, representam um dos melhores momentos da história do rock..
Hail To The Thief (traduz-se como Glória ao Ladrão, aproximadamente) foi gravado nos EUA entre setembro de 2002 e fevereiro de 2003, com a sensibilidade de Yorke (um excelente letrista) em contato direto com as ameaças de Bush contra o terror, com alguns americanos invadindo o Iraque e outros americanos protestando contra a política internacional do próprio país, definida por um homem cuja eleição para chefe da Nação é até hoje contestada. Supõe-se que o próprio nome do disco tenha sido tirado de um dizer constante nas passeatas contra a política bélica norte-americana. As letras do disco refletem esse espírito de protesto, ainda que não se resuma a ele. Mas a música, deixa a desejar. O pulso do Radiohead, as explosões, o drama, tudo ainda parece muito nublado. E, por vezes, chatíssimo.
Chego até a arriscar uma comparação altamente imprópria com outra banda, o Pearl Jam. Ed Vedder e sua trupe até hoje são obrigados a aturar comparações de quaisquer trabalhos seus com o notório Ten, um disco de doze anos atrás. O mais recente disco deles também assume posições anti-Bush – o disco chama-se Riot Act (algo como Protesto ou Tumulto) e as composições enveredam mais ou menos pela mesma trilha do Radiohead, críticas em geral, mas sem perder a ternura. Após o sucesso de Ten (álbum de estréia da banda), o Pearl Jam alcançou subitamente a glória mas a opção da banda em seguir fazendo a sua música indiferente a ela se assemelhar ou não àquela que mostrou em seu primeiro álbum acabou os colocando em segundo plano. A antipatia de Vedder para com a imprensa também ajudou nesse processo de “esquecimento” do Pearl Jam. Claro, tem gente como eu que continua acompanhando as manias e manhas da banda, mesmo lendo críticas e mais críticas negativas a cada disco novo (contrastando com apresentações que lotam estádios há mais de uma década). O Radiohead também se fechou dentro de si após alcançar a glória, mas desta vez a imprensa achou genial. Yorke, como Vedder, além de bom letrista é também arredio a capas de revistas. Assumem posturas contra o grande capital. Nos passam a impressão de serem autênticos malas alternativos, mesmo que bem intencionados. O rock básico e sem mais firulas de algumas boas canções que o Pearl Jam até hoje produz, pode até ser distante da glória do Ten (que eu não julgo ser o melhor deles nem de longe) mas, diacho, é rock, é aquilo que nós gostamos de ouvir, é aquilo que eu pretendo ouvir até o fim de meus dias. Já o rock do Radiohead, bem, eu não sei nem mais se o que eles querem tocar de fato é rock. Eu só posso esperar que o próximo disco seja melhor, e mais rock, porque eles sabem fazer rock como poucos nessa vida.