domingo, maio 25, 2003

Uma vez eu tive um amor. Ainda posso me lembrar perfeitamente bem de como era gostoso acordar e saber que havia um bom motivo para eu levantar da cama e poluir meus pulmões com a fumaça dos dias. Se bem me recordo, e não faz tanto tempo assim, era um amor de verdade, de inventar uma voz no telefone só para falar com ela, apelidos íntimos, carinhos secretos e e-mails clandestinos. Nos dias de maiores vibrações, promessas, juras, tatuagens e pactos. Em épocas de maiores carências e distâncias, porres homéricos.

Era uma sensação que nunca cansava observar as pupilas ansiosas dela me vendo repetir que a amava pela terceira vez num dia. Ou simplesmente segurar na mão dela e nada mais precisar acontecer, mesmo que muita coisa fosse acontecer a partir dali, da minha mão dentro da mão dela, do olhar dela dentro do meu. E ela adorava me dar colo. Eu deixava a minha cabeça próxima ao seu regaço e nada dizia, apenas acompanhava a sua respiração e vez por outra, sorvia seus beijos.

De tanto amor, acabamos por ceder nossos corações em permuta. Cada um ficou com o coração do outro, mesmo que algum físico ou cardiologista pouco poético venha aqui me dizer que dois corações não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Podem e devem, e aqueles que nunca tentaram por medo ou desesperança não fazem a menor idéia do que estão deixando para trás. Eu sentia na pele as dores dela, minhas pequenas vitórias apareciam nos lábios sorridentes dela. Graças ao meu amor, estou pouco me lixando se daqui a trinta segundos um avião adentrar no meu quarto e eu virar estatística de site de mortes bizarras na internet, porque eu já vivi aquilo que eu precisava ter vivido: o amor. E, perto da experiência amorosa, o resto é insignificante demais para ser levado em consideração.

Um belo dia, ela pediu o coração dela de volta. O meu coração trôpego já não cabia legal dentro dela e o nosso amor acabou se perdendo em algum ponto entre o subúrbio da Central e o norte do Paraná; ela ficou triste, tristinha, e com aquele vazio no peito. Eu não tinha o direito de deixá-la sem o próprio coração, e desde então, olhar as estrelas no céu ficou uma coisa meio idiota, melhor acompanhar o futebol na televisão. A saudade acabou tomando o lugar da promessa, eu me deixei envelhecer rapidamente na expectativa que a idade me trouxesse junto algum bom-senso. Veio só a saudade, e uns bluesinhos dos Stones.

Onde o nosso amor foi parar é um mistério. Só sei que sentir a manhã invadindo os meus olhos era muito melhor com o coração dela me acordando para eu não perder o ônibus.