terça-feira, maio 10, 2005

Morcego Negro - Noite

Não havia nada que pudesse me separar do céu acima daquele térreo. Abri os olhos e traguei todo aquele breu onipotente que cobria a mim, os edifícios, os suicidas, as flores e os amantes. Era a primeira noite em meses que eu estava sóbrio, os pés certos do chão em que pisavam e o coração com um certo orgulho da batida. Era noite e por alguma razão era bom que fosse noite.

Caminhei até o limite do edifício, um passo adiante e eu daria um passo além, um passo em falso, meu corpo seria tomado pelo espalço, morcego negro. O pouco de mim que restaria para as próximas noites estaria absorto no espaço, nas pegadas e impressões que me levaram até o topo daquele prédio, em garrafas vazias e tocos de cigarros e, improvável ainda que poético, em Nina.

Sim, eu sobreviveria nela, ainda que fosse como ausência. O corpo dela carregaria meu fardo e ela não poderia fazer nada, nem esquecer, nem recomendar ao Vaticano a minha beatificação. Seríamos um só por meio daquela noite que nos separava como um lado do outro da rua.

Olhei para a rua que corria abaixo, cheia de pressa em direção à morte. Todos aqueles motoristas reduziriam de marcha se parassem pra pensar neste detalhe, o destino de todos, 1.0 ou 3.5 24v turbo , era a morte. Não pensei em mais nada, apenas acompanhei as luzes.

E dei meia volta. Nina não se veria livre de mim tão fácil. Eu não me veria livre de mim sem luta.