segunda-feira, maio 09, 2005

O amor de cada um (xiv)

Quando descobri que seu nome poderia ter um significado muito mais interessante do que as aparências mostravam, parei um instante na porta de sua casa e assobiei esperando em vão por uma aparição na janela. Não fazia sentido ficar lá parado por muito tempo e resolvi ir embora, mas prometi que iria voltar.

O tempo correto para se esperar não pode ser calculado sem considerar variáveis como pressão, batimento cardíaco e tesão. E esses são fatores que se modificam de um instante a outro e o caos resulta em suor na testa, nos mais calmos, e tremedeira nas pernas, naqueles menos controlados. No meu caso, esperei o que considerei aceitável. Minha partida coincidiu com uma passeata de militantes de esquerda numa rua paralela e parei para tomar duas ou três cervejas. Sim, vendia-se cerveja na passeata - de fabricação nacional, vale lembrar.

Da passeata fui direto para um pé-sujo não muito distante, beber mais. Não para esquecer aquele nome, garanto.

Tanto que no dia seguinte retornei, como havia prometido, e novamente assobiei em vão. Ventava mais do que eu desejava e fazia frio. Por isso esperei menos tempo do que no dia anterior, apesar de estar ainda mais envolvido pelo nome. É difícil entender como um nome pode causar tanto estrago quanto um sorriso; e como ambos, quando combinados, podem ser devastadores com aqueles pouco preparados. Não era meu caso, mas confesso que as pernas fraquejaram nesse dia, apesar de eu creditar a tremedeira ao frio.

A cena do segundo assobio, lembrada momentos depois no mesmo pé-sujo de outrora, me remeteram à bela Verona e a um verso de Julieta. "Nome? O que há num nome? O que chamamos rosa não cheiraria tão doce em outro nome?" Mas a lembrança era fraca e se dissipou rápido. Minha posição naquele e em qualquer outro momento com que eu poderia sonhar de longe não era a mesma da de Julieta. Nem da de Romeu, para ser sincero.

No terceiro dia me convenci a não retornar, mas bastou cinco minutos de tédio na fila do teatro para que meus pensamentos voltassem àquele nome. Lá estava eu assobiando em vão mais uma vez e já não havia frio, tempo e batimento cardíaco que me fizessem desistir com facilidade. Mas nasci com bronquite asmática e mesmo mentalmente decidido a continuar, meu corpo se rendeu a uma limitação física. Acabou o fôlego, acabou o sopro e tive que ir embora.

O pé-sujo, nessa terceira vez, estava mais cheio do que de costume e descobri que era dali que partiam as passeatas de esquerda. Questionei minhas ideologias adolescentes, mas optei pela cerveja, como sempre.

Preferi não assobiar no quarto dia, assim como no quinto. Apesar de o nome ainda instigar minha imaginação, percebi que não fazia mais sentido assobiar para o vento e torcer para que ele, o vento, levasse o sopro até uma varanda e que ele, o sopro, entrasse pela varanda, pela sala, pelo quarto, pelo banheiro e fosse parar na pessoa que assinava aquele nome. Era apenas um nome, potencializado no máximo por um sorriso, e não havia razão para se desperdiçar tempo, tesão e paixão. São conceitos confusos que precisam ao menos de cinco palavras para serem explicados pra crianças.

(diferença entre paixão e tesão; aprazível paixão variável pelo tempo; inexplicável tesão de tempo limitado)

No sexto dia, porém, assobiei pela última vez, em vão. Pensei em gritar o nome, mas temi ser preso e multado por perturbar a ordem. Tentei ainda outra entonação de assobio que nunca havia tentado antes e recebi resposta de um pássaro, com nome bem diferente daquele que buscava. Não sabia que era ouvido por bem-te-vis, e fiquei feliz por um pequeno instante.

Acabei o dia no pé-sujo e o dono disse ter sentido minha falta nos dois dias anteriores àquele. Contei-lhe do assobio, mas não revelei o nome cujo significado poderia ser tão extraordinário que, egoísta, não queria compartilhar. Fiz um amigo, paguei a conta e voltei para lá no dia seguinte sem passar pela sessão de assobio em vão.

Bebi seis cervejas em homenagem aos últimos seis dias. Passei o bar em revista e gostei da decoração de azulejos portugueses.

Quando pedi a sétima cerveja, o dono do pé-sujo, meu amigo, pronunciou o nome, seguido de uma saudação e precedido de uma pergunta. Oi, Nome, o que você quer? Também ouvi uma saudação e uma pergunta, vindas da pessoa que assinava o nome. Olá, qual o seu nome? Era 8 de maio, deixei a cerveja de lado e comecei a aprender a pronunciar corretamente aquele nome.