terça-feira, maio 24, 2005

In Bob We Trust.

Ele acertou. De novo. Ele é foda e tem plena consciência disso. Ainda nem entrei no segundo capítulo, mas só o primeiro já serve pra dizer a qualquer um que o volume 1 das "Crônicas" de Bob Dylan são dignas do cara que escreveu "Leopard-Skin Pill-Box Hat", "All Along The Watchtower", "Just Like a Woman" e ainda por cima descobriu A Banda, The Band. Talvez é porque eu sou fã demais, mas sente-se o cheiro das ruas e o frio nova iorquino, pode-se mesmo ver o jovem Zimmermann se tornar Bob Dylan conforme ele, já Bob Dylan, escreve a sua versão dos fatos, ou reescreve numa releitura em prosa muito do que ele provavelmente transformou em músicas, algumas das melhores músicas passíveis de serem feitas.

E ao narrar como Bob Dylan veio a se tornar Bob Dylan, ele optou pela narrativa de romance. Dylan não é gênio por sorte, ele sabe ser gênio. Sua vida pessoal sempre esteve cercada de brumas e ele mesmo confessa que cansou de inventar versões para repórteres e quem mais lhe perguntava sobre suas origens e, ao narrar sua própria epopéia como uma fábula da América moderna, ele insinua sua ironia - seria sua autobiografia também ficção? Será que alguém se importa? Será que Dylan já não está acima dos fatos?

Na primeira página, Jack Dempsey lhe dá conselhos para quando ele estiver no ringue. O texto é leve e gracioso feito Muhammad Ali. No posfácio, Eduardo Peninha Bueno explica porque o livro que se tem em mãos não é qualquer livro, aquelas palavras não são palavras quaisquer, aquele homem não é um homem qualquer. Mas o Dylan que a gente encontra nas esquinas, comendo hambúrgueres, tentando testes para gravar um disco ou simplesmente arrumar um lugar decente para se mostrar ao público poderia ser qualquer um de nós, desde que tivesse um violão, algumas idéias e muita crença em chegar lá.

Bem, Bob escreveu "Blowin' In The Wind" logo em seu segundo disco e talvez disso qualquer um de nós não sejamos tão capazes assim. Ele foi. Ele fez. E agora resolveu contar, a seu modo, como tudo aconteceu. E o melhor de tudo, pela vista de um homem que enxerga e traduz as imagens do mundo feito Bob Dylan.