terça-feira, maio 03, 2005

Fora da área de cobertura ou o lado mais escroto de Leandro Godinho

Não adianta ninguém me ligar depois das dez da noite. Mesmo. Eu aproveito a dádiva de não ouvir 96% dos toques dos telefones de carreira e me desligo de tudo até bater a hora de trabalhar no dia seguinte, desligando o celular (que eu também não ouço tocar, mas ele vibra, o que facilita eu perceber uma ligação a caminho). Não me importa o que acontece no mundo depois de dez da noite, a não ser que diga respeito a mim. Prefiro a noite, como o Lester Bangs retratado em ?Quase Famosos?, como ele, I'm uncool e I sleep late (não vou traduzir, não adianta pedir).

Escrevo, penso e me calo melhor depois das dez. E gosto de aproveitar essas horas pra mim, para minha diversão ou minha tristeza. Posso até estar acompanhado, e muito bem acompanhado, mas o foco será eu. Em geral, fico em casa, ouço um som ou vejo TV, pode ser que resolva ler qualquer coisa, mas fica melhor quando o texto vem e traduzo o ranço de mundo que carrego no corpo durante o dia em minhas palavras, porque aí sinto que aquele dia serviu para algo verdadeiro. Tenho ganas de abrir uma cerva e fumar um Luckies, mas geralmente me masturbo e vou dormir, ou vice-versa.

Agora que moro sozinho, ficar de fato sozinho ficou muito mais fácil depois das dez da noite. Tenho poucos amigos aqui e são poucos os lugares que me fazem sair de casa. Cismei que não poderia ficar parado e entrei numa academia de musculação, seria uma mistura de preenchimento de vazio existencial com cuidado para não me tornar uma imensa barriga adornada por um homem de mau-humor. Acabei gostando dessa história de puxar ferro.

Explico. A barriga continua aqui, e será complicado ela ir embora sem pedir maiores explicações. Mas de algum modo, consigo pensar em mim durante aqueles movimentos repetitivos, todos nós feito robôs cultivando músculos e dores e eu consigo pensar em silêncio, me absorver em mim mesmo. Bukowski gostava de ver o mundo através dos hipódromos, eu estou criando um tipo de vício parecido e talvez mais saudável. E igualmente anti-social. Me reservo apenas a cumprimentar um ou outro, e pra ser sincero, uma ou outra que ali também sua um pouco em busca do infinito, ou talvez de um bíceps que não balance numa blusinha de manga curta.

A grande maioria das pessoas nada de interessante tem a dizer na maior parte do tempo, assim como eu. Eu facilito o andamento do mundo e me calo, isolado em meus pensamentos. Esse isolamento é melhor que flertar com alguém que talvez possa render um sexozinho legal, mas também pode virar fonte de aporrinhações por conta de meia dúzia de horas mais íntimas. É complicado alguém perceber que a única pessoa indispensável para viver é ela própria, ninguém quer ser deixado de lado, eu inclusive. Mas para as minhas noites de solidão, eu prefiro apenas a minha companhia.