terça-feira, agosto 10, 2004

As luzes foram se ligando aos poucos conforme a música preenchia o ambiente e os créditos finais da película desciam pela tela feito gotas da chuva que ameaçava do lado de fora do cinema. Eu sabia que ela havia estado na mesma sala que eu durante aquelas duas horas de filme, experimentado as mesmas imagens em seus olhos, quiçá, e é uma bela palavra esta, quiçá, quiçá também vivido emoções semelhantes das que rondavam a minha relação com o filme que havia terminado há pouco. Era um filme americano de amor, os protagonistas se amavam, se brigavam, se amavam por fim daquela forma de amor que o cinema americano consegue desenhar como nem sei quem mais, de forma que se você visse o filme e não amasse ninguém, seria um filme tristíssimo, apesar do final feliz, pois você iria beijar quem depois dos créditos? Eu estava assim, triste pelo fim do filme.

Levantei quando iluminaram a sala por completo. As pessoas já deixavam o filme para trás, nem todas tão tristes. Ela estava sorrindo, reparei entre as cadeiras e os namorados, ela sorria, e estava sozinha também. Minto, estava acompanhada de um casal de namorados. E sorria. Eu, de longe, fitava aquele sorriso, eu parado de pé, o celular sem créditos para ligações na mão esquerda, imobilizado. Estaria aquele sorriso tão dela acontecendo se eu tomasse a iniciativa de me sentar ao seu lado no cinema? Não seria tão complicado, era só me levantar de onde eu estava e me alojar próximo a ela, bem vizinho. Já nos conhecíamos de outras sessões, já havíamos dormido no mesmo abraço, até bebido no mesmo copo. Não seríamos estranhos, teríamos até algo a conversar antes do escurinho e do filme. Mas não, ela passou por mim, diante de meus olhos e deixei-me ficar sob a resguarda de alguma convenção social que criei na hora, se não havíamos combinado de nos encontrar no cinema, e ela havia decerto acordado de acompanhar o casal de amigos ali, eu seria um intruso, um corpo estranho, alguém com óbvias e adolescentes segundas e quiçá (não é uma palavra ótima?) terceiras intenções. Uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu, o tempo passou na janela e eu, feito Carolina, não vi.

Aquele sorriso não era meu, não era para mim, eu estava o invadindo parado a caminho da porta de saída, o passo incompleto, o pensamento na metade, o celular sem créditos. Mas ela, ah, mas ela!, ela sorria assim mesmo, como se fosse para mim, perdoando a minha timidez enclausurada na minha covardia. De que serve um homem com medo do amor? Vai ficar vendo os americanos representarem o amor numa língua que não é a sua, vivendo beijos secos e cênicos, quando o amor haveria de ser certamente muito úmido e instantâneo feito o sorriso dela diante do meu ocaso. Mas ela a tudo isso perdoava, ela sorria, era só eu me aproximar então, o filme havia sido bom mesmo, ainda que eu estivesse um pouco triste, mas ela também estava sozinha e poderíamos ficar juntos e aí eu ficaria alegre.

Eu instintivamente sorri comigo mesmo, e me dirigi para fora da sala, sozinho. Deixei aquele sorriso dela lá dentro, atrás de mim. Não quis ver o fim daquele sorriso e guardei-o para mim incompleto, sim, porém magnífico. Ademais, o que aqueles americanos que bombardeavam criancinhas com Napalm enquanto os Beatles nos explicavam que só precisávamos de amor entenderiam desse bicho pluriforme? E, idiota, fugi do amor pela segunda vez naquela noite.