Outro dia desses estava conferindo a vizinhança enquanto esperava um e-mail, o tempo melhorar e a hora de sair. Eis que no blog das Migas (que é bem
bacaninha até) estava o relato abaixo, feito pela MigaCap:
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Esses dias eu estava olhando calcinha e soutian na Renner e cheguei a uma conclusão, existe uma máfia de academias de ginástica e cirurgiões plásticos que controla o tamanho das roupas. As calcinhas estão cada vez menores, e os soutians cada vez maiores, eu vi um conjuntinho que o soutian P de repente caberia em mim, mas pra calcinha G caber eu teria que perder uns 5 quilos, vamos supor que eu entrasse na academia malhasse igual a uma condenada e conseguisse emagrecer 5 quilos, ótimo! Agora a calcinha cabe em mim! Mas e o soutian? Não cabe mais... Aí só silicone mesmo. Acho que não sou só eu, 99% das mulheres teriam o mesmo problema, essa nova mulher não existe naturalmente."
Por alguma razão, achei que precisava me solidarizar com a causa da guria. A última frase do relato dela é um lembrete para todos nós, migos e migas, de que talvez seria bacana a gente lembrar de vez em quando que somos apenas seres humanos, e que nosso grande barato é a singularidade. Possuímos todos e cada um cores, formas, vozes, cheiros e tamanhos unos ao gosto do freguês.
Só que o homem, especialmente o espécime ocidental que venceu a Europa e desbravou o resto do mundo, desde que se conhece por gente tem uma ridícula vergonha de seu corpo. Seus primos índios e africanos não se importavam muito em cobrir suas vergonhas e pudores, porém também não se importavam muito com a pólvora nem com grandes viagens marítimas e eis-me aqui, a léguas de Portugal escrevendo em português e vestido. De quebra, o homem ocidental desde muito se guia por Guerras, Leis e o Cristianismo e todos os três censuram a nudez, o corpo aberto, a transparência e até o bom e velho coito. Faz-se necessário simular, esconder, fingir e iludir. O inimigo, verdadeiro demônio anárquico, anda à espreita. Talvez o clichê de filmes pseudo-pornôs de ir até o quarto para vestir algo mais confortável esteja apenas nos dizendo que roupas demais ou apenas roupas não passam de convenção social. A intimidade pede algo mais natural e humano como a nudez, até por razões práticas (e diria eu lúdicas). Que atire a primeira pedra quem traja sapatos dentro de casa num domingo à tarde. Aliás, atire a pedra e me explique porque publicitários quebram a cabeça tentando nos fazer crer que os tais sapatos são tão bons que você pensa estar descalço com eles.
Pois que algumas revoluções políticas, tecnológicas e sociais deram ao homem deste nosso passado século um poder de interferir no meio onde vive de maneiras tão plurais que algumas delas ainda não são totalmente críveis para nós. Imaginem que na minha época (desculpem-me o parêntese desnecessário e longo, mas eu preciso dizer que adoro esta expressão: "na minha época") o Michael Jackson era mulatinho. Pouco antes de eu nascer, o sujeiro era um ícone negro, negão mesmo, com cabelo black pow e nariz de Mussum. (Imaginem agora que os filhos dele um dia hão de descobrir o que o pai andou fazendo após a década de 80) Eu lembro das garotas do colégio, do curso de inglês, da natação, do basquete e até do catecismo que povoaram minha infância e adolescência. Ênfase na minha adolescência, vamos deixar isso claro. Elas poderiam ser um pouco menos magras, menos brancas ou ter cabelos menos lisos mas a gente aceitava numa boa, e de repente aquele molar meio torto era o que dava um brilho que só você veria no sorriso dela e o levava a tirá-la para dançar juntinho a música da novela. O Pato Fu até tem uma música que canta que o amor é anormal e eu não serei o idiota que irá discordar dela.
Eu nunca deixo de pensar nessas meninas já adultas quando circulo no New York City Center, a grande meca ecumênica da nossa juventude bonzeada. As meninas que circulam no New York parecem todas muito simpáticas e algumas são realmente bonitas quando saem da cama com olho remelento e cabelo embaraçado, só que todas parecem iguais, como se fossem filhas da mesmíssima mãe que pode tanto ser a mais recente bigbróder ou a próxima britney. Verdadeiras clones. As mesmas roupas, as mesmas bundas empinadas, os mesmos peitos prontos para a guerra, os mesmos umbigos perfurados por adereços metálicos e talvez algumas precisem de horas a mais em cabelereiros para obter os mesmos penteados e coloridos. Deve ser uma experiência e tanto pesquisar o álbum de fotos de suas famílias e ver como elas eram antes de entrarem na linha de montagem.
O homem, por meio da cirurgia plástica, exercícios físicos e aditivos químicos, remodelou a própria beleza do corpo. A beleza do corpo desde o início do século mais do que mero acaso, virou indústria. Não se nasce belo, fica-se belo. O belo deixou há tempos de ser um conceito subjetivo para virar uma marca, uma grife para ficar melhor. Bündchen, Crawford, S(c)heila. Proibiram as barriguinhas das meninas, seus cabelos pixains, seus dentes tortos e até as suas sardas, crime imperdoável. Quando a engraçadinha Mylla Christie saiu na Playboy, suas sardinhas que envernizavam a capa da revista sumiram fotoshopicamente no ensaio. As fotos ficaram supimpas, reconheço, mas a beleza de Mylla foi industrialmente manipulada para ser bela. E quem era homem em 97 sabe muito bem que as sardinhas de Mylla eram tão gostosas de ver quanto seu sorriso lolito ou suas formas sugestivas. Ela mesma apareceu na tevê tempos atrás com os outrora caracóis alisados e braços musculosos. Quem não lembra da Froticeira? As meninas do Tchan, antes e depois? Os e-mails com fotos da Kelly Key pré-Latino?
Parece que a MigaCap está certa, essa nova mulher não existe naturalmente. Mas nós, de tão expostos a bundas e peitos pré-fabricados, estamos nos esquecendo de que um dia eles não eram todos iguais e tão grandes. Antigamente, uma mulher peituda podia ser referência tal qual um careca; o peitão era algo dela, singular. Era uma forma que alguns poderiam gostar, outros não. Agora os peitos enormes e roliços são o objetivo final, tal qual a cintura enxuta, os cabelos lisos e a bunda saliente. Quem não os têm, não é mais bela. O referencial da indústria é tão desumano que algumas das beldades concorrem entre si para ver quem se mutila mais em busca de ser bela e não raro revistas e jornais trazem matérias comparando o número de cirurgias, dietas e até os litros de silicone que envolvem a beleza delas.
Para você, querida leitora, que resistiu bravamente até aqui neste estilo desfocado e tortuoso, eu só posso sugerir que fuja dessa beleza industrial. Homem é burro, mas é homem e gosta de mulher. Aqueles que ainda forem humanos o suficiente serão capazes de reconhecer a beleza que nos é natural e não se encontra apenas dentro de certas medidas métricas. Não tenha dúvidas de que vocês todas são bonitas, cada uma à sua maneira, que bacana, porque o belo é o que não se repete. E tenha em mente que se todas vocês fossem réplicas da Cicarelli, a primeira Henriqueta Brieba que aparecesse deixaria todas no sapato.