quinta-feira, novembro 13, 2003

ICH LIEBE DICH - PARTE 1

Deixou a poeira da manhã assentar na janela e só então abriu os olhos. Sem muita pressa, estava cansada, estava sozinha e, como diria a si mesma após o quinto copo, cansada de estar sozinha. A cama ainda cheirava a sono, e demorou-se nela respirando o travasseiro e tentando lembrar se o dia nascente era sábado ou domingo. Na última vez, vejam só, tratava-se de uma quarta-feira e ela chegou meia hora atrasada no escritório com a boca beijada de hortelã.

Volta e meia acontecia de amanhecer um rapaz seminu ao seu lado, uns mais benquistos do que outros, porém não era o caso hoje, e afinal ela andava menstruada demais para introduzir gaiatos seminais em sua cama. Brincadeira tem hora, bem dizia a sua avó. A última vez que praticou o sexo em dias rubros o garotão se desesperou ao perceber que sua camisinha cruz-maltina havia rompido e quase teve um abcesso ao vislumbrar seu mastro embebido em sangue e líquido vaginal. Garotos. Ainda por cima teve que jogar uma toalha fora e nem ao menos teve a ilusão de um orgasminho.

Em Brasília, segunda-feira, seis de outubro de dois mil e três, sete e quarenta e três da manhã. Você está ouvindo a CBN, a rádio que toca notícia. Desgraça, o final de semana havia acabado ontem de noite, logo havia percebido que o dia amanhecera realmente dia. Pôs-se de pé após suas pequenas conjecturas matinais, e deixou na cama os seus tempos de menina espreguiçadeira sem maiores compromissos que o nescau quentinho da mãe; de fato, mal lembrava se ainda tinha na despensa algum achocolatado para acompanhar o pão torrado com manteiga que ela precisava para iniciar o dia desde moleca.

O escritório ficava perto, longe ficava o seu coração. Bobo, porém poesia. O nescau quentinho do microondas empurrava para dentro o pão com manteiga e sem muito tempo passado, mais depressa que este período, ela já tomara o caminho da rua. Era um dia realmente quente, o último dia da primavera na cidade do Rio de Janeiro e alguns ônibus já se atreviam a transportar os banhistas da periferia e seus gritos e assobios, alguns dirigidos às pernas apressadas que a minissaia deixava em público ao passo em que o restante do corpo acionava um táxi, pois se o escritório ficava perto, as distâncias entre os minutos estavam sempre a se comprimir.

Após essa manhã como tantas outras, ela já não esperava por nada ímpar no restante das horas que somariam o dia, pagou a corrida e deixou o motorista ficar com o real de troco, pois havia sido rápido o suficiente para que ela chegasse ao ofício sem despertar a atenção de patrões e serviçais em virtude de aparecer diante deles num ângulo mais obtuso formado pelos ponteiros do relógio. Era nesse mundo em que ela passava a maior parte de seus dias entre telefonemas e telas de computador, com pessoas que davam mais valor a um certo desenho analógico ou digital que os relógios, suiçamente acertados no quase verão carioca, lhes mostravam do que a certas lágrimas ou felicidades que seus rostos, ainda demasiadamente humanos, teimavam em tentar ocultar. Ela já nem sentia a execução do trabalho, era apenas algo que deveria ser feito, como respirar, ou beber água, ou fumar um cigarro após o almoço. Ali no ofício, ela era uma a mais e todos formavam um só, embriagados na obrigação contratual de sobreviver e capitalizar.

Nossa pequena sobrevivia e capitalizava enquanto pensava na praia que estava dando e numa ponta que havia deixado na cabeceira da cama e poderia se tornar um pequeno problema, pois às vezes a faxineira realmente aparecia no dia combinado, quando, para a vossa algria, queridos leitores, algo aconteceu. Sim, após eu tanto enrolar e descrever ações de menor porte, alguma alma caridosa ligou para o celular dela, que vibrou sobre a mesa até que ela atendeu, intrigada, pois o número não aparecia no visor do aparelho.

E agora, Batman, quem poderá nos salvar? Confira a continuação aqui mesmo, no seu Inventando Dogmas, qualquer hora dessas que me der na telha! Porque se o André pode, o Leandro também pode!