- Amor?
- (...)
- Amor... você já dormiu?
- Já, meu bem... dorme também, é tarde.
- Eu estou sem sono... e depois estava pensando nos últimos versos que você me escreveu.
- Poesia a essa hora, Catalina? Vá dormir, poesia não vai te levar a lugar nenhum.
- Acorda, amor, senão você vai ter um pesadelo agora.
- Pára de cutucar, Catalina. Você não vai deitar mesmo?
- Quero que você explique aqueles últimos versos.
- Ai, Senhor... não tem o que explicar,está tudo escrito.
- Mas o que você quis dizer pra mim?
- Não quis dizer nada, eu simplesmente disse. E os versos não foram pra você, deixe de ser convencida. Os versos são meus, e cada um os lê do jeito que melhor entende. Aliás, fariam melhor coisa se os ignorassem.
- Anh, não fale assim que eu não gosto. Você escreve tão bem... diz pra mim, pôxa, eram versos tão bacanas, sei lá, quase chorei quando li.
- Bom, pelo menos você já conseguiu acabar com meu sono. Vem cá, me dá um beijo que você vai entender porque escrevo tanta porcaria.
- Sossega, Fábio, sossega... ai, não, não vou... tira a mão daí... me fala dos versos.
- Caralho, também não precisava do tapa. Puts, que versos são esses, aliás?
- É lógico que você sabe que versos são esses. Foi você quem os escreveu.
- Sabia que a gente escreve pra poder esquecer depois? Funciona assim: a gente põe no papel e depois pode pensar em algo de útil. Ou algo mais bonito. E eu não lembro da poesia, agora.
- Mas EU lembro.
- Parabéns, Flipper.
- Ai, outro tapa. Porra, você me acorda às três da manhã, não quer me dar e ainda me bate? Qual o seu problema, Catalina?
- O problema é você, Fábio. Pôxa, pára de ficar enrolando. Você escreveu um poema e entitulou "Rosa dos Ventos". Você SABE que minha cor preferida é rosa, porque minha mãe se chama Rosa e morreu quando era era pequena ainda. E ainda colocou no fim (suspiro, fecha os olhos) "pois meus olhos surdos sem direção só sabem...
- ... seguir na cegueira rosalinda de seus vendavais."
- Viu só como você lembrava? Que lindo, amor, que lindo! Agora, me diz o que você queria dizer pra mim, eu achei muito lindo. Ei, não ligue a tevê agora!
- Você devia levar poesia menos a sério. E dormir mais à noite. Não quis dizer nada, foi só uma frase que passou na minha cabeça e eu achei que seria bacana pra fechar o poema.
- Mas você nem pensou em mim quando escrevia o poema?
- Que diferença faz? Você gostou dele de qualquer jeito.
- Pensou ou não?
- Veja bem, eu escrevo sobre aquilo que sinto, ou gosto, ou não entendo. Ih, alá, um show do Jane’s Addiction passando!
- Desligue essa coisa e me responda, Fábio.
- Já respondi. Escrevo sobre aquilo que sinto, ou gosto, ou não entendo. Eu sinto você perto de mim, gosto muito de você e não entendo nada disso que acontece conosco.
- Era uma poesia pra mim então, amor?!
- Era uma poesia, apenas.
- Mas eu era a Rosa dos Ventos?
- Que fissura, hein, coração? Acho que sim, pode ser, ficou feliz agora? Posso ver meu Jane's Addiction em paz?
- Ai, que lindo! Eu sabia! Rosalinda! Vou te encher de beijos, seu bobalhão.
Beijos, muitos beijos, Fábio ri e tenta ver o show na tevê. Catalina se aninha perto dele e dorme. Passa-se meia hora.
- Amor.
- O que é agora, Catalina?
- Desliga a tevê... vem brincar um pouco comigo, vem...
- Agora, não, agora eu quero ver o fim do show.
- Ai, amor... vem pra mim...
- Vá dormir, rosalinda. Vá dormir.
- Não disse que a poesia era pra mim?
- Puta que pariu. Desisto da poesia.
Se foram felizes para sempre ainda é meio cedo para se dizer. Mas que Fábio e sua Catalina rosalinda aproveitaram a guitarra de Dave Navarro para dormirem melhor o resto de noite que restava em silêncio e estrelas cadentes, não tenho dúvidas. O vizinho insone deles que o diga.