quinta-feira, outubro 23, 2003

A cidade e a cilada de Júlio Sarmento (parte 08 e final por aqui)

(continuação do dia 11 de outubro de 2003)

Só que ainda havia mais por vir. Ela, a Bia, resolveu me mostrar a tradução literal de seu agrado e tirou a blusa. Assim mesmo, sem dizer nada, bem na minha frente. Fiquei sem ação, atônito com tanto pecado e tanta beleza. Ela não usava sutien e deixou seus seios à mostra, ali, somente para mim. Não consegui me mover, queria tocá-los, mas estava nervoso demais. E eram seios tão bonitos, ligeiramente empinados como seu nariz e pequeninos.

Não era o correto a se fazer, Bia, ficar mostrando os seios. Eu estava em seu lar, me declarara apaixonado, mas não tínhamos ainda intimidade para tanto. Naquela situação eu só tinha uma coisa a fazer. Espero que você me perdoe, Beatriz Carvalho, mas minha consciência não aceitará outra atitude que não essa. Eu já havia ido longe demais quando entrei naquele quarto.

- Olha, isto não é certo, não deve acontecer desta forma. Acho que o melhor é que eu vá embora.

Seus olhos, aqueles olhos, eles pareceram se espantar. Ela não acreditou que eu iria embora realmente, parecia esperar alguma risada, revelando alguma brincadeira. Mas era verdade mesmo. Como eu poderia ficar lá, num quarto com minha Bia de seios nus e não pecar? Fazia tempo que eu não dava a devida atenção à saúde religiosa de meu espírito, mas eu ainda era cuidadoso para não cometer tantos erros num só dia. Eu deveria ir.

- Desculpe-me, não é nada com você, mas é que eu bebi demais e tenho que voltar para casa.

Em vão, tentei convencê-la a não se aborrecer. Ela se mostrava seca, sem dizer palavra alguma ficou em pé à minha frente com os seios me observando, decepcionados. Achei melhor nem beijá-la, como uma breve despedida, para não me tentar em permanecer junto a ela. Simplesmente me levantei, abri a porta e caminhei para fora do cortiço, contando os passos necessários até a saída, somente para deixar meu pensamento ocupado e não cogitar um retorno àquele quarto, àqueles seios. Foram 26 passos, 12 deles usados para descer a escada. E ainda chovia lá fora.

Não olhei para trás, não quis buscar os olhos daquela menina, minha Bia, atrás de mim para me fazer desistir. Não queria, também, me decepcionar em não os encontrar. De volta à Joaquim Silva, reencontrei a chuva que continuava caindo com intensidade. O panorama era o mesmo de quando eu entrei na Pensão da Jana: poucas pessoas à vista, a maioria bêbados e mendigos. Estava na hora de partir, Júlio Sarmento, já estava tarde e sua avó poderia estar preocupada em casa.

Caminhei até a rua Maranguape para pegar um ônibus. Um sujeito, bem em frente ao Asa Branca, vestia uma blusa preta encharcada com um "100% Negro" escrito em branco. Apanhei ali mesmo, na rua, quando o chamei de irmão e disse que eu também era negão. Oi, irmão, eu sou Júlio Sarmento, 100% negão. Ele não gostou, achou que eu estava fazendo pouco caso de sua raça. Sou mais ou menos 75% branco, afinal.

- Seu racista, filho-da-puta, vou te enfiar a porrada.

E me bateu muito, o 100% Negro, continuando até com chutes quando eu caí na calçada. Meu corpo doía demais, mas eu só queria sair dali, perigava minha Bia aparecer e me ver naquela situação humilhante. Seria um trauma para ela e para nosso amor.

Mas acabei ficando um bom tempo estendido na sarjeta. Vomitei de novo, por causa dos chutes no estômago. Meu corpo doía, principalmente as costas. Um pouco depois apareceu outro sujeito, um crente me dizendo que só Jesus mudaria minha situação. Não respondi, achei que iria doer se falasse. Maldito crente que, ao invés de me ajudar, perdeu tempo para me dar sermão. Se ele fosse realmente penitente a Jesus, teria me ajudado, não perdido tempo em me dar sermão. É claro que Jesus poderia me salvar, mas já era tarde, eu havia cometido diversos pecados mortais e não me sentiria bem em apelar a Jesus naquele estado ébrio. O tempo passava e eu só conseguia pensar em Bia.

Depois, muitos minutos depois, levantei-me com a ajuda de um vendedor de cachorro-quente que trabalhava pela área e disse se lembrar de mim. Não sei precisar quanto tempo se passou desde que eu entrei no cortiço até o momento em que eu peguei o ônibus. Algumas cenas pareceram durar bastante, como os meninos brincando na chuva e a surra do 100% Negro. Outras foram rápidas, e restaram apenas instantes em forma de sensações em minha memória. E os primeiros momentos junto a minha Bia, estes foram eternos.

A viagem de ônibus para casa durou pouco. Dormi por boa parte do percurso, pensei em Bia sempre quando acordado e me martirizei por não estar mais lá com ela. Em frente a meu prédio, agradeci ao Senhor por ter me trazido de volta.

(continua por aí)