Che e Chico ou Até onde vão os revolucionários?
Há determinadas pessoas de quem não nos é permitido falar mal. No domingo eu assisti à Ópera do Malandro, a peça é ruim, mas não posso falar mal do Chico. Ontem eu vi Diários de Motocicleta, gostei, mas ninguém vai me deixar falar mal do Che Guevara. Enfim, eu gosto de ambos mesmo, vou aceitar a massa acefálica e não vou perder meu tempo em detalhes.
Aliás, eu ando muito pouco sensível a detalhes artísticos. Logo eles, detalhes que inspiram meus melhores textos e, principalmente, minha intelectualidade. Eu nunca teria entendido um pouco mais de biologia se não fosse Courbet, de geometria se não fosse Escher, e de filosofia se não fosse o Hopper. Porque uma porta por onde só entra a luz do sol e a saída dá para o mar, não, senhores, isso não é para qualquer um.
Não chorei no Diários de Motocicleta, nem senti calafrios. E eu sempre choro em filmes que destacam amizades e superações pessoais. O Che foi um bom sujeito e serviu para inspirar dúzias de pessoas depois dele - tanto para o bem, quanto para o mal. Mas e daí? Antes de Diários passou o trailer do filme sobre o Cazuza. Emocionei-me mais com o trailer do que com o filme. Deve ter sido a música, Tempo não Pára, muita bacana.
A verdade é que eu acho que meu coração secou, afinal. Pois é: uma verdade incerta baseada num achismo. Ou, diria, incrédula. Mas eu soltei umas lágrimas, as últimas talvez, na Ópera. "O meu amor tem um jeito manso que é só seu" foi demais e não resisti mesmo. Mas foram poucas, as lágrimas.
Com o coração ressecado, vou ser obrigado a me render ao álcool, de quem eu vinha tentando tanto escapar. Alguém consegue imaginar "viola os meus ouvidos, conta teus segredos lindos e indecentes" sem uma dose de whisky? Não, não dá. Daqui para frente, só o whisky vai me fazer resistir a "pousar as coxas entre as minhas coxas quando ele se deita". Corações secos, nessas horas, são os menos aconselháveis. Porque aqueles partidos causam choro e desespero, sentimentos que podem ser possíveis aliados para uma reabilitação. Já os secos, não, não os secos. Esses causam no máximo catatonia. A falta de reação a "me beijar os seios, me beijar o ventre, me deixar em brasas" é um sintoma. No meu caso, "como se meu corpo fosse sua casa", dos mais graves.
Aí eu volto ao filme e, antes, eu sei, chatos críticos: é claro que se trata de um filme. O momento que me pareceu mais importante para criar a personalidade de Che, a personalidade cruel, fria e revolucionária que nos conta a história, este momento é a leitura da carta da namorada deixada para trás, com a promessa de um retorno. Porque mais que ele se dispusesse a voltar, ela negou. No filme isso é muito bem colocado, porque, apesar de bastante óbvio, não é dito, apenas mostrado. Aposto que quando Che mandava matar companheiros a sangue-frio em Sierra Maestra, ele lembrava da namorada que se despediu por carta.
Pode-se cantar "Eu sou sua menina, viu?, e ele é o meu rapaz. Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz.", mas não se pode acreditar. A gente vai aprendendo isso com a arte, mesmo que pouco se emocione. Afinal, ora bolas, o objetivo da arte não é emocionar.