Três filmes relativamente recentes nestas terras deram o que falar. Se você, assim como eu, teve (ou tem) a felicidade de cursar uma faculdade relacionada às Ciências Humanas, em algum momento se sentiu compelido a ver as películas, ou seus amigos poderiam desistir de te chamar pra bater papo num domingo qualquer. O curioso foi o porque do auê em torno deles. Basicamente, as polêmicas que eles alimentaram giravam em torno de um mesmo tema: sexo. Não qualquer sexo, sexo explícito. E, além do sexo ser explícito, com alguma perversão envolvida.
Os três filmes em questão são: Irreversível (ainda em cartaz, pelo menos no Rio), Ken Park (em breve) e The Brown Bunny (improvável, talvez em SP). Dos três, o visceral Irreversível, dirigido por Gaspar Noe, é o mais bem acabado. Estrelado pela musa absoluta Monica Bellucci, apresenta fotografia propositalmente obscurecida e por vezes sujas para compor a sua narrativa inversa. Recheado de violência, o ápice do filme é a cena de estupro e seus longos nove minutos na tela. A cena incomoda, porque de fato mostra uma mulher sendo currada num subterrâneo nada limpo, gritando, seu malfeitor arfando e gozando e sons e pesadelos tomando conta da sala de exibição.
Ken Park, do diretor de “Kids” Larry Clark, tem a proposta de mostrar um grupo de jovens que reside na pacata Visalia, subúrbio californiano, e possuem laços comuns entre suas famílias e amizades. O sexo explícito rola solto no filme: um garoto faz sexo oral na própria sogra, sexo grupal entre adolescentes e até uma gratuita seqüência que focaliza um dos personagens espancando o macaco. O excesso acaba prejudicando o filme que não consegue passar uma imagem clara da intenção do diretor ao inserir as cenas na história, e Ken Park, que poderia ser um bom filme, termina parecendo uma daquelas maldades bobas de adolescentes querendo chocar os avós (como se seus avós nunca houvessem falado um palavrão ou feito sexo na vida).
The Brown Bunny, segundo filme de Vincent Gallo, é um apanhado de imagens sem muito sentido a não ser na visão do próprio diretor. A intenção é narrar uma história envolvendo um piloto de corridas de moto (interpretado pelo próprio Gallo, espécie de faz-tudo no filme) que se recupera de uma antiga paixão mal-resolvida. O filme é uma droga, segundo consta por aí, nada faz muito sentido e nem é muito interessante. Acontece que os cinco últimos minutos do filme são dedicados a uma cena de felação (boquete, chupetinha, bolagato) realizada entre Gallo e sua namorada, Chloe Sevigny.
Fico me perguntando se, em 2004, praticamente quarenta anos após a explosão da contracultura, da revolução sexual e dos Stones sexo ainda é realmente tabu. Será que ainda vale a pena continuar explorando o tema, adotando cenas cada vez mais explícitas para chamar espectadores ao cinema? Salvando-se o estupro de Irreversível, que pode ser contado como necessário à trama (apesar de excessivo), as demais cenas de sexo chegam mesmo a incomodar plasticamente na tela. Em nada alterariam a história narrada, e ainda consomem o tempo do espectador que pagou um dinheirinho para ir vê-las. Francamente, sexo pode ser praticado das mais diversas formas em locais mais aprazíveis que a sala de um cinema e visto em locais mais íntimos. Sexo não é mais novidade, e temos aí a Sylvia Saint que não me deixa negar.
Poder-se-ia argumentar, e com alguma razão, que o sexo cinematográfico funciona como uma espécie de metáfora para a espetacularização do cotidiano que só faz aumentar e gerar até uma quarta edição do insaciável BBB. A falta de pudores e moral que assola a atual sociedade de consumo, tornando o sexo apenas outra mercadoria na plateleira. E por aí uma série de argumentos que tratariam os corpos nus e ofegantes na tela como quaisquer outros temas que não o verdadeiro: o tesão. Porque é disso que o sexo sempre tratou, de tesão. Pratica-se o sexo por conta dele, e por conta de mais nada – mas isso o cinema não pode veicular, senão vira pornografia. Quarenta anos trepando e a gente ainda fica com vergonha de sentir tesão pelo próximo, é isso que eu vejo, não sei vocês.
Não quero aqui iniciar uma cruzada contra o sexo no cinema, nada disso. Quem sou eu para pretender ter seguidores? Não tenho nem ao menos um emprego. Mas vou deixar aqui registrado esse protesto em favor do tesão. A nossa hipocrisia capitalista (fingimos ter pena daqueles que não podem saciar seus desejos, quando na verdade nos alegramos por realizar os nossos antes de todos) vai acabar culpando o tesão, e, por tabela, o sexo, por sermos incapazes de convivermos em paz com nossos demônios interiores.
Porque, numa boa, eu acredito que se Barbara Bush fosse mais mulher e George Bush fosse mais homem, algumas milhares de vidas ainda poderiam existir no Iraque.