Inventando Dogmas
André é repórter. Leandro é assessor. Ambos são pagos para relatar os fatos do cotidiano e ocupam boa parte de seu tempo nisso. Mas não aqui. As narrativas ficcionais aqui alocadas são exatamente o que parecem: ficção. Se lhe apetecem parecência com o mundo real e cão, entre num curso de interpretação de textos, consulte seu oftalmologista ou vá ler Diário de Um Fescenino, de Rubem Fonseca. Se não resolver, você é um idiota e André e Leandro nada têm a ver com isso.
terça-feira, outubro 31, 2006
quinta-feira, outubro 26, 2006
XII
O telefone tocou uma vez. Ignorei. Na segunda, eu estava numa outra chamada conversando com um secretário do estado. Na terceira, tinha ido ao banheiro. Na quarta, alguém da redação me entregou o celular em mãos quando eu já me preparava para atender outra ligação do palácio do governo. Um dos secretários havia sido pego com a mão no meio da merda, havia dado no noticiário da televisão no dia anterior e os jornais da cidade agora procuravam mais coisas. Ninguém queria declarar nada e todos suspiravam a desgraça em off. "Este governo está podre, meu filho", ouvi de um deputado governista. Não pude publicar.
Era Luana e chorava. Não conseguia completar as frases. Disse que estava no trabalho, pedi calma, não estava entendendo. "Eu preciso te ver" ela disse naquele vendaval de choro, eu entendi que ela precisava me ver naquele instante. Falei pra ela me encontrar na praça do Relógio, que era perto do palácio do governo. Ela morava perto da Cidade Velha, chegaria lá sem maiores dificuldades. Disse que iria pessoalmente tentar arrancar alguma declaração do governo sobre o escândalo e me mandei da redação.
Havia aquele medo em mim permanente de Luana chegar à verdade sobre mim. Mentiroso. Adúltero. Cínico. O medo de como ela iria reagir, o medo de saber que eu era culpado pelas minhas ações. O medo de como seria a minha reação diante de minhas próprias faltas passadas a limpo. Coisas da vida, da minha vida, da minha cidade.
O carro da redação não demorou a chegar no palácio do governo. O reino da Dinamarca papa-chibé apodrecia a olhos vistos, homens de ternos esbaforidos entravam e saíam. Cinegrafistas e fotógrafos estavam a postos, alguns mais sábios no boteco próximo, bebericavam e sorriam. Luana estava perto de uma árvore, tentando me localizar e fui ao encontro dela depois de cumprimentar o Rogério, companheiro de redação. Ele também só obtivera novidades em off. Luana correu e me abraçou, tremia um pouco.
"Diga que me ama" ela pediu, "Diga que ama", pediu outra vez. "Te amo", não vacilei. Era a mais pura verdade, talvez a única verdade dita em voz alta naquela hora por aquela praça. Éramos únicos naquele instante, nervosos, apressados e verdadeiros. E em meio às nuvens que já carregavam o próximo temporal e o cheiro do Ver-O-Pêso, Luana finalmente sentenciou. "Já é o segundo mês que o sangue não vem". Dois meses. Não consegui conter uma ereção de pânico.
"Talvez ele não seja teu, amor", ela terminou e as lágrimas voltaram. Minha ereção cresceu. Abracei Luana como jamais pude imaginar que faria.
Talvez seja, meu bem, talvez seja.
segunda-feira, outubro 23, 2006
domingo, outubro 22, 2006
Tristeza, retorno e um sorriso no fim
O bom de não se conseguir dormir quando se está triste é que surgem boas idéias na mente. O ruim, é óbvio. Eu queria, e queria mesmo, ter a capacidade de encostar a cabeça e dormir a qualquer hora, com a facilidade dos anjos. Depois de uma crise pessoal, bastaria fechar os olhos que o mundo real daria lugar a uma viagem fantástica a universos oníricos, onde eu poderia até voar. Quanto aterrissasse ou acordasse, os percalços estariam uma noite ou um pouso atrás.
Oká, como proposto na primeira linha deste texto, não quero perder tempo escrevendo sobre as desgraças da soma da tristeza com a insônia, mas, sim, sobre suas vantagens. Eu sou jornalista, como alguns devem saber. Existe uma coisa, no jornalismo, chamada lide, que nada mais é que a introdução de uma matéria. "Fulano foi morto em casa, ontem à tarde, por ciclano, amante de seu avô, com duas balas na cabeça" é um exemplo de lide. A idéia é justamente resumir o que o leitor verá na matéria.
Os lides, porém, podem ser mais interessantes do que um simples resumo e é aí onde mora o desafio: como dar alguma bossa ao lide e apresentar todas as informações básicas que ele deve ter? Vale lembrar que o limiar entre a bossa e a boçalidade é muito estreito. Resumido o assunto, vamos em frente, porque o jornalismo já me toma tempo demais no dia-a-dia para eu gastar muitas linhas com ele aqui.
Lembrei dos lides apenas para dar um exemplo. Outro dia, uma dessas noites insones de tristeza fez o favor de me dar um ótimo lide para uma matéria que minha mente estava remoendo há dias e cujo prazo de entrega terminava na manhã seguinte. No meu caso, não ter um lide é ainda mais grave porque não consigo escrever o resto da matéria. Sem uma introdução definida - e, em conseqüência, sem uma feição escolhida - não consigo adiantar a história, fazer conexões, contar causos. Eu até termino um texto com rapidez, mas necessito de um bom primeiro parágrafo para botar o trem para caminhar.
E foi nesse mesmo dia que a idéia para este texto surgiu. Já perdi as contas de quanto tempo fazia que eu não escrevia nada aqui, no Inventando Dogmas. E não é porque não houve tristeza ou alegria - as inspirações - e noites ou dias - os momentos para a escrita. Aconteceram, garanto. Mas acho que fazia tempo que a noite e a tristeza não se encontravam com tanta intensidade como na semana passada. Fazia tempo que escrever não parecia ser a única solução para meus problemas.
Pronto, portanto, existe uma vantagem em se ficar triste. Principalmente quando à noite, principalmente quando insone. Achei meu lide, escrevi um post razoavelmente decente para o blog e me lembrei que existe uma agradável atividade para passar o tempo enquanto não pego no sono. Mas tem uma coisa a mais que talvez não tenha dado para perceber apenas com o que escrevi até aqui. Vale explicar que tristeza, insônia, bom lide e post, nessa ordem, me agraciaram com um bônus.
Depois de fazer tudo isso - e, provavelmente, por causa dessas coisas -, eu chego ao fim sorrindo. É um sorriso com os olhos marejados, lógico, mas é um sorriso. E, tenho que confessar, ficar triste me serviu para um monte de coisa, mas sorrir... sorrir é bom para caralho.