Alguém precisava falar
Roubou as palavras da minha boca.
André é repórter. Leandro é assessor. Ambos são pagos para relatar os fatos do cotidiano e ocupam boa parte de seu tempo nisso. Mas não aqui. As narrativas ficcionais aqui alocadas são exatamente o que parecem: ficção. Se lhe apetecem parecência com o mundo real e cão, entre num curso de interpretação de textos, consulte seu oftalmologista ou vá ler Diário de Um Fescenino, de Rubem Fonseca. Se não resolver, você é um idiota e André e Leandro nada têm a ver com isso.
A última das estrelas morreu no céu. Meus olhos cinzentos na tevê e um filme demasiado pornográfico para ser sexo de verdade. Na rede, uma Lila morena e dorminhoca, nua e santa demais para aquele quarto. A atriz montava no falo e berrava a cada contração de seus quadris. Eu não acreditava em nada. O que me enchia de vontade de sexo era Lila, mas Lila precisava dormir, como eu insistia em não fazer.
A última das estrelas morreu em vão. Ninguém iria chorar por ela, pelo seu brilho agora breu. Lila não iria acordar por uma estrela morta anos-luz atrás. Lila gostava das coisas quando vivas, dos homens quando sorridentes. Eu deitado na cama sozinho era um homem morto, bem o sabia. Lila dormia em paz porque não sabia, mas eu era um homem jurado de morte. Tente dormir podendo não acordar.
A última das estrelas não vai nunca saber o que é uma semana sem conseguir fechar os olhos. Nem eu sabia direito, depois do segundo dia, tudo virou mancha e talvez. Lila tentava me resgatar e me colocar para ninar em seu colo. Depois do quarto dia apelei para bolinhas e virei delírio. Em casa, vidrado, a magnun debaixo do travesseiro. Será que alcalço o gatilho a tempo? A mão é fugaz e tenho a porta da cozinha logo na mira. O revólver desliza até Lila, e até a noite.
A última das estrelas é à prova de balas. Eu não sou. Há uma bala fora deste apartamento me aguardando e Lila não sabe disso. O revólver voltou para debaixo do travesseiro e a mulher suga com a força da terra a seus pés todo o sêmem que o homem da tv tem a lhe gozar. Enganei o homem que quer me matar, enganei sua esposa e engano Lila. Lila desperta, me vê morto na cama, cinza. Desliza até alcançar minha boca. E então ressucito.
A última das estrelas queimou tudo o que pôde. Lila vai me consumir por todos os seus poros. É uma questão de tempo para que ela vença a bala que me aguarda. Quando grito, ela morde. Respiro, transpiro. Não morri ainda. Não posso fechar os olhos.
Falta de sono, um teclado e um disco do Velvet na vitrola em conjunção geram a vontade de escrever um conto. Femme Fatale na voz da Nico bate no coração, enquanto Heroin na voz do Lou Reed entra na veia. Os versos parecem dialogar e eu fico voltando de uma canção para a outra, ouvindo "I don't know where I'm going" e "Here she comes, you better watch your step", e achando que tudo se trata do mesmo assunto.
Tomo uma dose de whisky e penso em acender um cigarro, mas me lembro que parei de fumar. Quero trepar, mas não tem ninguém por perto e não tenho paciência para sair de casa e pagar uma prostituta. Essa rotina de drogas e sexo cansa, principalmente quando é realizada com as mesmas drogas e com um sexo boçal, pago com dinheiro e favores.
Quero falar com meu filho, mas está tarde para telefonar. Não quero aumentar o ódio de sua mãe por mim, mesmo sabendo que seria divertido provocar algum ciúme no imbecil do seu novo marido. Ele é um troglodita quase inofensivo de tão mobral, e arquiteto por formação. De tão estúpido, duvido que ele saiba explicar o significado de um ângulo de 90 graus - nenhuma formulação é mais interessante do que a do ângulo oriundo de duas retas que se encontram num único ponto e que se afastam com a maior velocidade possível. É daqueles caras que ficam horas se masturbando com imagens de meninas de olhos grandes, pele clara e seios pequenos, baixadas dos piores mangás que se encontram na internet.
Ela o conheceu meses depois de me deixar e levar nosso filho embora. Digo para todos que choro à noite por não ter querido brigar pela guarda na Justiça, o que não é verdade. Sou péssimo pai e não pretendo ser um bom pai. Estou velho para mudanças.
Quando adolescente, considerava-me marxista e não pensava em filhos, prostitutas ou heroína. Eu dizia lutar pela superação da classe operária sobre a burguesia exploradora, através da formação de um estado socialista. Na verdade, nunca fiz nada além de ir numa ou noutra passeada de partidos de esquerda, mas vou contar para meu filho, depois que ele entender a importância da luta política, que eu fui um revolucionário. Quando ele crescer, vai sacar que tudo isso não passa de balela para justificar uns serem mais fudidos do que os outros. Só que tenho certeza que ele vai repassar minha história para meu neto, perpetuando minha imagem heróica por pelo menos duas gerações.
Escrever sobre gerações, falta de sono e todo o resto que já relatei me fazem pensar na morte, além de querer escrever um conto. Poderia falar dela neste conto, falar de como se joga xadrez com a dona todos os dias, num jogo lento e finito, sem possibilidade de empate. Ex-mulher, filho e o mobral do punheteiro de mangás são todos peões. Nunca movimentei uma das peças da primeira linha. E, também, para falar a verdade, nunca me considerei jogando xadrez com a morte para escrever sobre isso, apesar de já ter assistido ao filme do Bergman.
Foi uma amiga que me falou da música "Andy, you're a star", do The Killers. É bacaninha apesar do tom meio gótico. Bauhaus e Siouxsie & The Banshees influenciaram na música, tenho certeza.
Eu não tenho nada de estrela, mas, vai lá, não é qualquer dia que se ouve uma canção com nosso nome. E essa é a mais legal desde Man on the moon. Portanto, divirtam-se:
Andy, You're A Star
On the field I remember you were incredible
Hey shut up, hey shut up, yeah
On the field I remember you were incredible
Hey shut up, hey shut up, yeah
On the match with the boys, you think you're all alone
With the pain that you drain from love
In a car with a girl, promise me she's not your world
Cause Andy, you're a star
Leave your number on the locker and I'll give you a call
Hey shut up, hey shut up, yeah
Leave your legacy in gold on the plaques that line the hall
Hey shut up, hey shut up, yeah
On the streets, such a sweet face jumping in town
In the staff when the verdict is in
In a car with a girl, promise me she's not your world
Cause Andy, you're a star
In nobody's eyes but mine
Andy, you're a star
In nobody's eyes but mine
Andy, you're a star
In nobody's eyes
In nobody's eyes but mine