O Ronaldo jogou mal na primeira partida do Brasil na Copa do Mundo no mesmo dia que uma nova pesquisa do Ibope mostrou que o Lula avança a passos largos para uma vitória no primeiro turno das eleições. Depois da "crise" (e a gente adora uma crise) na semana passada entre o presidente e o jogador, não deu para não questionar: se nem o Ronaldo foi páreo para o Lula, quem será?
Eu entendo pouquíssimo de futebol, apesar de ser um belo atacante - menos em aspectos estéticos para uns, menos em técnicos para outros. Mas é impossível não falar, pensar ou escrever sobre futebol nesta época do ano. É impossível não andar por aí, encontrar conhecidos e um perguntar "o Ronaldo está péssimo, né?". Este um, aliás, pode até mesmo ser eu.
Futebol é uma coisa que não se pode em hipótese alguma ser definida pela razão. Se Weber pensasse umas décadas a mais, ele teria, até, incluído o esporte no grupo da justiça (certo ou errado), estética (bonito ou feio) e moral (bom ou mau) entre as categorias explicadas apenas pela paixão. A razão, nesses casos, para o sociólogo, era mero instrumento, mas nunca respondia a coisa alguma.
E é assim no futebol. O que faz um time melhor do que o outro a não ser a paixão do torcedor? Jogadores são meros mecanismos para chegar à vitória e não duram para sempre. Existe um melhor time do mundo ou existe apenas aquele que ganha algumas boas partidas em uma sequência mais longa? Um exemplo da irracionalidade do futebol é a tal nação rubro-negra. O argumento de "maior torcida do mundo" é praticamente tão estúpido que poderia ser usado por qualquer equipe da terceira divisão da China. Lá, onde com certeza há bem menos times e bem mais torcedores do que aqui, qualquer timeco tem uma torcida mais extensa do que Flamengo, Corinthias ou Vasco.
Já com a política, as opções deveriam ser outras. Existem mecanismos puramente racionais para definir a capacidade de um político. Existem afinidades e interesses em determinada proposta que nos deveriam atrair para determinado candidato. Mas no Brasil as coisas não são tão simples. A discussão política por muitas vezes - quase todas, dizem os mais céticos - começa e acaba em paixões.
Até mesmo aqueles programas de governo que aparentam obter algum resultado para parcela da população, como é o caso deste Bolsa Família, são discutidos no campo da paixão e não da razão.
Assistencialismo é uma acusação típica da oposição em discursos ásperos contra o presidente, mas ninguém me explica o que não seria um programa assistencialista (o que é mais assistencialista, dar comida por voto ou aprovar emendas na lei de biosegurança por financiamento de campanha?). Outra acusação é o de populista, mas tenho dificuldades incríveis em achar na história um governo que não tenha sido "populista" (qual a diferença entre querer agradar classes sociais mais baixas e agradar banqueiros? e sem essa de esclarecimento, por favor).
No caso do viés governista, o Bolsa Família é sempre citado como uma vitória de décadas de injustiça de exclusão social. Apesar de exclusão social e décadas poderem ser definas pela razão, injustiça não pode. Falar sobre o que o Bolsa Família pode proporcionar a longo prazo para o país, ninguém fala. Ficam no sentimentalismo de que a fome está sendo erradicada do Brasil. Importante lembrar que este mérito, o da erradicação da fome, parece-me inquestionável, portanto questiono apenas o discurso político.
Assim, política e futebol, no Brasil, acabam tendo sentidos semelhantes: conflitos entre paixões. Quando uma se mistura com a outra, então, como foi o caso do mal-entendido entre Ronaldo e Lula, a briga aflora ainda mais. No dia seguinte da troca de farpas (muito mais do jogador do que do presidente), os principais jornais do país trouxeram em suas seções de cartas depoimentos de leitores indignados com um ou com outro.
O lema era, numa mistura exagerada de paixões: vamos reagir, vamos às ruas brigar pela honra do presidente ou pelo talento do jogador. Até fomos de certa forma, e um ou outro que encontro por aí pergunta "o Ronaldo está péssimo, né?". Gol do presidente. Se barrarem o jogador e ainda assim o Brasil for hexacampeão, aí sim ninguém mais consegue tirar a bi-eleição. Ninguém consegue entender mesmo as paixões dos brasileiros.