quinta-feira, dezembro 15, 2005

VIII

Ruivas exercem um fascínio sobre mim, sobre o homem que vim a ser. A Jennifer Connelly também, mas isso não é o foco. É uma espécie de de dominação dos desejos, o sonho de penetrar a carne e nela haver aqueles pêlos encaracolados ou não, mas rubros. Morenas, negras, loiras, amarelas podem ser deliciosas e loucas, gozar em silêncio, fingir aos berros, morder e dançar, eu sei. Mas há as ruivas e aí eu não sei.

Adrienne era uma delas, ruiva, parecia saída dum catálogo de ruivas & colegiais. Um caso sério. Pequena, de saltos, de saias pelas coxas e uma bunda. Uma bunda. Não sei se me liguei primeiro na bunda ou em Adrienne, que era aeromoça e me fazia deixar pra lá as nuvens negras no céu azul. Decerto a lingerie branca era para evitar contrastes indecorosos com o uniforme da companhia, mas era inútil. Qualquer peça de roupa naquele corpo com aquela bunda virava sexo, sexo dos bons. Queria dizer a ela que eu não era o Rei, mas era terrível.

A culpa toda era da ressaca. Voar bêbado era ruim, mas voar de ressaca era o caos. Do Rio para Belém era um vôo demorado e noturno, meu metabolismo não aceitava pacificamente a situação. Felizmente, a companhia aérea havia providenciado aquela ruiva voadora, uma mulher pedindo para ser liberta das rendas e elásticos sob o uniforme, para ser raptada até o banheiro e enganchada por trás, seus olhos vendo-se no espelho até quase sufocar. Seria uma aventura, descer daquela aeronave e trocar olhares cúmplices ou quem sabe fazer promessas a serem esquecidas. Seu eu fosse ousado, daria um jeito de roubar o chachá metálico com seu nome gravado para a posteridade. Seria um troféu idiota, mas seria meu. Aquela Adrienne não me escaparia.

Mas escapou. A ressaca não me impediu de dormir no vôo após a primeira refeição. Eu estava num bagaço, a semana no Rio variando pesquisas e entrevistas para uma história a ser publicada num caderno especial do jornal e cerveja, muita cerveja, com os amigos cariocas saudosos e curiosos de Belém foi uma odisséia. Madrugadas em ônibus, manhãs em repartições. Péssima combinação. No meio da coisa toda, uma festa com Adèle. Ela iria partir para tentar a sorte na América, a convite de uma tia. Luana me ligava de noite e eu retornava de dia, mentiras. Mentiras sinceras. Não, amor, mulher nenhuma, estou a trabalho. Claro que lembrei de procurar a blusinha que você pediu. Se estou bebendo muito? Nem tenho tempo! Mentiras sinceras e amores imperfeitos.

Uma festa de gala, lançamento de livro, todos em trajes chiquérrimos. Eu de terno e barba aparada, homem sério. Adèle surgiu perto da hora da valsa, que tocou sabe-se lá porquê. Então valsamos, ex-namorados, eternos desconhecidos. Ela contou que partiria no final de semana, eu disse que ainda ficaria na cidade para um casamento no domingo. Não mencionei que havia a despedida de solteiro antes do casamento. Silêncio e valsa, um, dois, três, um dois, três. Ela beijou o canto de meus lábios e disse que nunca desconfiaria que eu fosse capaz de valsar de terno. Ela perguntou enfim de Belém, já que eu não falava de lá. Uma cidade quente, mas alegre, foi a resposta. Saíram da valsa pra uma salsa. Kill all djs.

Fui desperto porque o avião se aproximava de Belém e eu tinha que posicionar meu assento e afivelar o cinto para morrer ergonometricamente, caso aquela nave se fodesse. Adrienne passou conferindo se os passageiros seguiam os procedimentos de vôo. Não me viu sorrir. Não me veria mais sorrir. Dionísio, taxista e companheiro de copo e putas eventuais, me aguardava no saguão. Luana, oficialmente amor da minha vida, aguardava sobre a cama. Cupuaçu, tacacá, bacuri. Dormia de bruços e sorriu quando acendi a luz do quarto, me anunciando. Havia pintado seu cabelo de vermelho.

Ruiva, meu bem, ruiva.