segunda-feira, outubro 10, 2005

V

Parecia tão perto que eu chorava de não conseguir tocar sua pele. Ela sentada ao meu lado sem me tocar, mexia com os dedos na areia e calava. Meus olhos na direção do mar. Meia hora ou um pouco menos se passou desse modo. Ela então disse, "E quando você volta?". Não sabia nem se voltaria, muito menos se voltaria para os braços dela. Não respondi de imediato, antes baixei os olhos e fiquei mudo. Resposta difícil, saída pela direita, "Não sei, espero que logo".

Dois meses, quatro meses, sete meses e doze dias. Apenas memória. Luana dormia e pedia para eu fazer silêncio enquanto escrevia qualquer bobagem no computador. Ela não dormia, ronronava, silêncio e volta e meia me espiava pra ver se eu não estava olhando mulheres nuas pelas suas costas. Eu não estava, não precisava mais delas tanto assim, a minha Lua era real e alegrava bem mais o homem dentro de meu espírito de menino sem saber para onde olhar. Eu tentava escrever palavras que tivessem valor em meio a tantas palavras já escritas, que alguém que chegasse a elas pudesse sentir através delas. Palavras reais, frases reais. Eu seria um rei.

De volta àquela tarde na praia, Adèle hesitou, mas segurou na minha mão em meio a um silêncio. Eu deixei seus dedos se amarrarem aos meus, como se fosse um beijo que ela gostava de dar em ocasiões especiais, que começava apenas lábios e terminava dentes. Havia pouca gente na praia no dia, um vento frio tomava conta da cidade e as pessoas preferiam se recolher em cinemas, camas, televisões e salas de estar. Uns poucos turistas arriscavam ver o mar com aquela frente fria. O sutil carinho me gritava "Não vá!", eu podia ouvir claramente entre as ondas, através do vento fino. Estávamos os dois ali para conversar mas não sabíamos como, talvez a impossibilidade de deixar para o dia seguinte nos exigisse sem filtros e nus. Era como se estivéssemos prestes a descobrir o quanto daquele nosso romance era amor e então tinha aquele medo de quem iria desapontar mais o outro, porque o nosso amor era mais romance.

Todo aquele silêncio estava nos dizendo a verdade, que havíamos pouco a dizer, apesar do tanto a sentir. Ela sabia que eu estaria partindo no dia seguinte, eu precisava do emprego, do dinheiro, de tomar as rédeas da minha vida, de sair da casa de meus pais. Eu já tinha mais de vinte e cinco anos e era homem feito, não precisava mais que Adèle entendesse ou compreendesse minhas escolhas - apenas gostaria que ela não me culpasse. Eu estava ali a seu lado e essas palavras não me ocorriam de sair pela boca, num tom sóbrio porém firme, numa fala de homem. Era o menino procurando um ponto fixo no horizonte para olhar. Ela então, feito mágica ou girassol, se achegou em mim e apoiou seu corpo no meu. Não chorou, mas diminuiu a respiração e fechou os olhos. Eu poderia mergulhar naquele mar, nadar contra a correnteza só para deixar que as ondas me trouxessem de volta depois, e perceberia Adèle me espiando forte, os músculos em ação, o sol por testemunha.

Então eu disse que iria apenas fazer o que precisava ser feito, viver. Eu preciava viver para ter uma vida. Ela escutava, o corpo no meu, olhos fechados, respiração devagar. La pétite mort. Eu preciso aprender a ser homem, disse, com essas palavras, e quando a gente é homem, tem que se acostumar a lágrimas no mundo. Acho que ali terminou nosso romance e sobrou na areia em torno de nós, aquele pouco de amor que adorna os casais que já não o são mais. Ela percebeu que dali em diante eu pretendia ser outro e ela, ainda que me doesse, ficaria para trás. Eu não poderia garantir nada, eu só queria ganhar o mundo. Se o preço a ser pago fosse a sua perda, eu seria homem para aceitar a dívida. Ela não perguntou mais nada. Ficamos em silêncio, deixando aquele amor que ainda queimava nos proteger do frio.

Luana já dormia na minha cama, na treva do quarto sob a luz do monitor. Desliguei tudo e deslizei para dentro dela. Escrever sempre me deixou com o maior tesão. Ela acordou e se virou de bruços, me olhando com o rabo dos olhos, apertou o travesseiro quando atingi o ritmo certo.

Eu te amo, meu bem, eu te amo.