quinta-feira, setembro 01, 2005

II

Luana nua na cama e apenas uma calcinha de algodão branca feito a neve me separando de toda a glória do mundo, em Belém do Pará. Seis da manhã. Era pouco e nenhum outro mortal poderia estar mais feliz, exceto aquele varão em meus sonhos de adolescente que com o olhar convencia a pequena ninfa a se despir daquele mínimo pudor e o dia apenas começava neles dois, cresceram e se multiplicaram, como se multiplicaram. De todo o corpo nu naquela manhã de sexta, a calcinha de algodão sobressaía, era ela que me despertava os pensamentos. E Luana dispensa comentários, tinhas as costas mais bonitas de se morder do mundo. Mas enfim, poetas são pessoas perturbadas e eu pensei numa poesia pra Lua, aquela Lua de neve e algodão e santidade.

Ela resmungou que eu não a deixava dormir nunca. Mentira, há meia-hora eu estava roncando, nem... Ela ignorou a desculpa e se virou em conchinha levando um braço meu junto dela, que ela agarrava feito bicho de pelúcia e, que legal, era uma forma de dizer que gostava de me sentir perto no sono, eu encostei meu corpo no dela, o corpo todo sorrindo, ela gosta de dormir comigo, ela gosta. A pele morena, os cabelos mais que negros, os olhos quase orientais, os pelinhos blondor no cóccix, ui!, eu era apenas humano e nem era tão poeta assim, era mais bêbado e prolixo do que versado, seis da manhã e aquela mulher que tinha pedido que meu suor e meus músculos e minha respiração desesperada condensassem dentro dela pela madrugada, goza, ela pediu num suspiro, goza, ela mordia dentes e apertava e o que mais eu poderia fazer? Poesia tem hora, muchachos, aquilo ali era além, era o mais, gozei. Dormimos. E agora, acordávamos, ou não.

Ela voltou a dormir, eu não. Dormir perto de mulher não era a minha especialidade. Só consigo dormir sozinho, quando junto eu engano, rolo, troco de posição. O sono me ignora e fico observando o que elas sonham, a cor que elas vestem. Fiquei junto dela, olhos fechados, até ela dormir e dormir. Levantei e fui até a janela ver o mundo real, as pessoas se espreguiçando na calçada, os cachorros à toa na vida, os carros rumo ao nada. Barulhos da manhã, acendi um Marlboro lights, a fumaça se foi e fechei os olhos, precisava cortar as unhas e dar um trato na barba. Precisava de dinheiro. Precisava duma vitrola. Precisava aprender a tocar um instrumento antes de morrer e eu morreria qualquer dia daqueles, pobre Lua, tão linda e já viúva, deixaria a calcinha de algodão sobre o caixão, a calcinha e lágrimas e seu perfume e o rosa que eu gostava de morder por sobre aquele coração que talvez me amasse, e, se não amasse, eu o amava da mesma forma, morria por aquele amor barato por sobre a minha cama enrolada em meus lençóis, meus travesseiros.

Esse mundo é um moinho, me diria bêbado meu amigo André, esse mundo... é um moinho. Aí a gente mataria aquele copo, aquela garrafa, aquela noite, aquele bar e cada qual, ele alto, eu pequeno, ele branco, eu mulato, ele Josilele, eu Luana, cada qual se colocaria a circular por aí, nas rodas deste moinho, nas pás deste mundo, oh, just an old sweet songkeeps Georgia on my mind. Belém anoiteceria em nós, Marajó longe, a umidade da noite, as ruas com cheiro de gente suada e chuva e ratos e temperos, a gente rindo de qualquer bobagem, as putas nas calçadas ganhando seu pão amassado e cuspido de cada hora, os mendigos pelas praças e pontes e cruzamentos e nada parecia ser tão real quanto a última tragada naquelas cinzas, mais um dia, mais notícias, mais e-mails e telefonemas e desmentidos.

Fiquei vendo Luana despertar. Não havia nada que pudesse ser melhor. Digo, havia, mas a gente precisa saber perder umas pra ganhar outras. Fiquei na janela e vi Luana despertar. Bom dia, amor, bom dia.