O avião
Ter chegado em Cuba quase me fez acreditar que o comunismo pode dar certo. O avião da tal Cubana de Aviación é ruim demais. E quando se tem 1,86 de altura, esse demais é ainda mais acentuado.
Meus problemas começaram no maldito Aeropuerto Ezeiza. E cada vez mais meu ódio pelos argentinos aumenta. Sabem aquela esteira onde se coloca a bolsa de mão para conferir seu interior com um raio x? Depois de uns 20 minutos na fila, implicaram com minha barba de revolucionário e quiseram revistar minha bolsa. Olha aqui, mexe ali, joga uns livros para o lado. ¿O que es eso? Uma lanterna, amigo, somente uma lanterna. No, señor, usted puede usar eso como una arma.
Vejam bem, o cabo da minha lanterna é comprido, tudo bem, mas, caralho, com esse pensamento estúpido qualquer coisa pesada poderia ser usada como uma arma. Meu querido, minha câmera é mais pesada que essa lanterna. Você vai dizer que minha câmera é uma arma? O hijo de una puta virou a cara e simplesmente disse que eu teria que voltar para despachar a lanterna. Argumentei e ele simplesmente me ignorou. Sinceramente, Lula, foda-se o Mercosul.
Perdi mais 30 minutos arrumando uma caixa para enfiar a lanterna, despachando a caixa e voltando para a fila. Quando encontrei minha poltrona no Cubana de Aviación e vi que havia duas crianças a menos de três metros de distância, eu juro que quase desisti. Eu odeio crianças. E não as odeio por culpa delas, mas por culpa de seus pais que não sabem educar e as deixam ficar gritando e chorando a viagem toda. Uma garotinha na minha frente de dez em dez minutos virava-se e me perguntava alguma coisa. ¿Cuántos años tienes? E eu fazia uma careta, deixando bem claro que eu queria dormir, não conversar. Os pais, malditos, ainda reclinavam a poltrona da guria. Argentinos.
O interior do avião da Cubana parece um cabaré antigo: apertado, fedorento e com a luz fraca. O segundo momento mais tenso da viagem foi a primeira decolagem, com tudo tremendo e minhas pernas apertadas. O mais tenso foi em Cayo Coco - ou algo parecido -, uma escala programada. Depois que paramos, um gordo, que parecia o comandante, passou pelos passageiros com uma lanterna e uma chave de fenda na mão.
Mas a gente chegou. E nem pegamos tanto turbulência. Até que, tirando o pouco conforto e as crianças, foi uma viagem agradável. No aeroporto, a mulher da alfândega imnplicou comigo quando eu disse que era jornalista. ¿Periodista de TV? Não, minha filha, eu nao vim falar mal do Fidel. Falei essa e outras gracinhas e sorri. Ela, como boa comunista, fechou a cara e carimbou meu visto. Bienvenido a Cuba, disse.