sexta-feira, março 18, 2005

Morcego Negro - Ressaca

De repente ela não estava mais ali, onde costumava estar. Levei dois dias para desconfiar que ela havia partido, ou quem sabe raptada pelo Comando de Caça aos Comunistas. Reparei que dali a uma semana o cheiro dela teria sumido dos meus lençóis, minhas gravatas tornariam a aparecer em público mal ajambradas, as garrafas de vodka espalhar-se-iam pelo chão. Não que Nina tivesse me prometido a eternidade, mas, enfim, estávamos juntos de alguma forma. Estávamos, não estaríamos mais, ela decretou.

Primeiro veio a raiva. Onde pensava carícia, se traduziu mentira. A raiva virou demência, e quase fui demitido da agência após oito manhãs sem ter notícias dela. Mandei um diretor corporativo que nos valia meio milhão procurar a sua genitora, comparando-o às próprias fezes. A cara que o homem fez pra mim só não foi de maior espanto que a do meu estagiário de atendimento. Imediatamente veio a carência, pois que sentei no chão aos prantos, clamando por Nina, pelamordedeus, Nina, Nina. Tinha substituído o Nescau por quatro doses de Orloff no café.

Era horrível para a agência aquela cena, ouvi o meu chefe dizer, e ele parecia envergonhado, pois já havia superado uma viuvez e dois divórcios. Eu sabia que precisava me conter, a gente vive de imagem quando vende confiança a desconhecidos. Meu chefe pôs a mão no meu ombro e disse para eu tirar a semana de folga, não nos olhávamos, faltava a coragem.

Foi quando tive a idéia de simplesmente ir embora. Havia uma filial da agência longe do eixo Rio-SP, e disse que seria bom para mim respirar novos ares. Ele não se opôs. Ele também não sabia que minha vida agora seria uma busca impossível, Nina sumira sem deixar pistas. Nem o cheiro dela havia nos lençóis.